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Quando Larri Passos fala sobre tênis, senta-se e escuta-se. À beira das quadras do Leopoldina Juvenil, sentamos e ouvimos o técnico que levou Gustavo Kuerten ao topo do ranking falar sobre o passado, fazer comparações, discorrer sobre o presente e projetar o futuro do tênis.
Há muito o que falar. O carioca João Fonseca desponta como um dos futuros grandes nomes da modalidade. No domingo (16), o tenista conquistou o seu primeiro torneio de nível ATP ao ser campeão aos 18 anos em Buenos Aires. Nem a eliminação na primeira rodada do Rio Open diminuiu as expectativas sobre o jovem brasilero.
Larri indica caminhos, visualiza João como número 1 do mundo e aponta semelhanças e diferenças entre Guga e a nova revelação do esporte brasileiro.
Nascido em Rolante, Larri esteve em Porto Alegre como consultor de três tenistas que disputam a Brasil Juniors Cup, antiga Copa Gerdau. O trabalho de mentoria é o que faz seus olhos brilharem hoje em dia.
Confira a entrevista na integra
Como tu te sente ao voltar para cá, estar no Leopoldina?
É emocionante. Ao mesmo tempo, desafiante por voltar a trabalhar com jogadores que um dia querem ser profissionais. Praticamente me criei aqui dentro. Meu primeiro torneio foi aqui dentro do Leopoldina. Voltar traz lembranças incríveis que tive aqui dentro. Com o Guga sendo campeão aqui dentro. Com a Bia Haddad em duas finais. O Orlando (Luz), (Thiago) Monteiro, Marcos Daniel, e aí vai.. Tenho uma história toda aqui no RS. O que vem na minha cabeça é que eu esqueço quando entro na quadra e quero fazer o meu melhor sempre.
De onde vem tanta empolgação depois de tanto tempo de tênis?
Eu sempre digo assim: tem uma coisa incrível dentro de mim que é o amor ao esporte. É muito bacana. É incrível essa história do amor ao esporte. Ontem (segunda-feira), eu estava passando na rua aqui, caminhando, e um uma pessoa fez um sinal assim para mim (bate a mão no peito como fazia nas vitórias do Guga) e disse “Pô, agora tem um outro menino que tá fazendo isso”. O coração sempre fala mais alto. Minha vida inteira, quando entro na quadra, entro para fazer os meus jogadores felizes, para fazerem o melhor deles e nunca sair da quadra infelizes. Foi uma emoção muito grande ontem, essa pessoa dizendo que o João Fonseca tinha feito isso aqui (bate a mão no peito outra vez). É incrível.
Minha vida inteira, quando entro na quadra, entro para fazer os meus jogadores felizes
LARRI PASSOS
Ex-técnico de guga e atual mentor de atletas
A importância de um torneio como esse para os jovens jogadores darem um passo para o profissional?
É uma passagem, uma passagem para o profissional. Sempre digo que isso aqui é a base que te dá os elementos depois para praticar aqui e chegar forte no profissional. O nível está altíssimo mesmo no qualifying. Tudo isso vai formando a resiliência deles para chegar no profissional preparado. Já é uma transição para o profissional.
É um torneio muito tradicional.
Esse torneio aqui dá todos os elementos. Fazer um torneio aqui no Leopoldina Juvenil, aqui no Rio Grande do Sul, aqui é uma coisa fantástica. Não encontram lugar no mundo inteiro tão perfeito pra fazer um torneio. Hoje estou morando nos Estados Unidos. O pessoal fala muito. “Ah, o torneio lá em Porto Alegre, o torneio em Porto Alegre”. Incrível! Isso é uma coisa fantástica. A tradição aqui nunca vai morrer.
Como é o trabalho que você desenvolve hoje em dia?
Trabalho como consultor de vários jogadores. Nos Estados Unidos, no verão passado, eu viajei para Europa, para o Japão, com jogador que saiu da universidade americana. Sou solicitado para fazer esse tipo de consultoria. É o caso dessa equipe de Santa Catarina que me ligou e estou passando meus conhecimentos para eles. Acho sensacional esse trabalho. Eles estão felizes porque vão ter um direcionamento para dar continuidade do trabalho. Continuo passando um pouquinho dos meus 51 anos de profissão.
Hoje temos a Bia Haddad, o João Fonseca, o Thiago Wild, o Thiago Monteiro, como que você vê o momento do tênis brasileiro?
Esse menino João, é um menino com os pés no chão, uma coisa muito bacana. O João, já com 18 anos, tem uma resiliência mental muito boa. Isso ele foi formando na carreira dele. Foi o que fez do Guga número 1 do mundo, chegar a ter todos os títulos que ele teve. Foi essa resiliência mental. Além da parte técnica. Então, quando tu trabalha corretamente, tu vai criando isso, vai criando essa resiliência mental pra ganhar seus jogos. E é essa simplicidade desse menino de como encarar o circuito vai gerar esses frutos. Essas crianças vão ver ele. E vão ver que é um menino com os pés no chão, o coração na quadra o tempo inteiro. Não tenho dúvida nenhuma que é um novo momento do tênis brasileiro. Sem dúvida nenhuma é.
João, é um menino com os pés no chão, uma coisa muito bacana. tem uma resiliência mental muito boa. Não tenho dúvida nenhuma que é um novo momento do tênis brasileiro.
LARRI PASSOS
Técnico de tênis
A gente ainda vive de trabalhos individuais ou a gente já tem uma coletividade no tênis brasileiro?
O tênis por ser um esporte individual, vai sempre depender dos trabalhos individuais, do pai que vai acreditar no filho, de um técnico que vai acreditar no jogador. Vai sempre depender dessa parte aí. O que a nossa entidade (Confederação Brasileira de Tênis) tem que fazer é melhorar essa parte de formação. Talvez centralizar um pouco mais (o trabalho). Trazer mais seguido os melhores para treinar entre eles. Acho que está faltando um pouco. Por exemplo, teve uma época que o meu centro de treinamento em Balneário (Camboriú) formou todos esses jogadores que estão hoje aí. Queira ou não queira, todos passaram por ali. Era um centro de referência. Hoje muitos técnicos falam que estão seguindo exatamente o padrão do Larri. O que eu vejo são ex-jogadores de tênis, eles não estão entrando no circuito. Essa é uma grande diferença. Pô, nós formamos o número 1 do mundo dentro do Brasil. Nós estamos agora com o João Fonseca, que se formou aqui dentro do Brasil. Porque ele teve condições. O pai dele deu condições pra ele, a família deu condições para ele, fez uma estrutura boa, formando. Então não é uma questão de sair daqui para treinar, é uma questão de dar condições para nossos jogadores de trabalharem aqui. Aí é o caminho. Então, acho que a nossa entidade tem que se preocupar um pouquinho mais com essa parte logística, essa parte de formação.
A Era Guga foi aproveitada? Temos uma estrutura para aproveitar o que está surgindo agora?
Essa é uma das coisas que nunca aconteceu. Na boa. As pessoas, o pessoal naquela época trabalhou no tênis e não tinha a mínima transparência. Era muito difícil. Pensavam muito em si próprios. Hoje já se vê um pouco mais de transparência da parte da nossa entidade. Então, acho que o trabalho que está sendo feito está bem melhor do que antes. Acho que agora é o momento de alicerçar esse boom que esse menino está trazendo. Com 18 anos, já é um ídolo da garotada, é um ídolo. Então, agora é o momento de aproveitar esse esse boom.
O que precisa ser feito para aproveitar?
Estruturar, estruturar. Colocar que, como eu falei, fazer mais inserções, os grupos treinarem mais juntos. Estou vendo meninos de 16, 17 anos em um nível muito bom de tênis. Agora, eles precisam ser ajustados.
Agora é o momento de alicerçar esse boom que esse menino está trazendo. Com 18 anos, já é um ídolo da garotada, é um ídolo.
LARRI PASSOS
Técnico de Tênis
Como você vê o João Fonseca, ele já não é mais futuro, já é presente?
É um menino completo. Não tem buracos. Está bem formado, saca bem, boa esquerda, boa direita. Como eu falei, a resiliência mental dele é muito boa. Ele enxerga o jogo, já consegue isso. Ele fez uma formação muito boa. Ele fez uma formação aqui no Brasil, já foi pra Europa, ficou um tempo na Europa. É o processo que fiz com o Guga. Ele se formou praticamente na Europa. E aí tu ganha esse upgrade jogando lá fora. Ele está no caminho perfeito. Ele está jogando num nível muito alto. Acabou de ganhar em Buenos Aires depois de 24 anos. O último ATP Tour em Buenos Aires, quem ganhou foi o Guga. Então, eu fiquei muito feliz. Eu acertei. Meus treinadores perguntaram para mim quem vai ganhar o torneio (Buenos Aires), disse: "O João Fonseca".
Onde o João pode chegar, o que você imagina para a carreira dele?
A carreira dele está consolidada. Já é top 100, top 70. No segundo semestre deve ser top 50. Daqui para frente é manter o trabalho. Não mudar. Não desviar quando perder. Saber que perdeu, que teve um momento, é um momento. Tem que voltar. Voltar para o escritório (quadra), treinar. Não existe uma bola de cristal. Fazer o calendário corretamente. Eu acho que esse é o caminho. Eu acho que tranquilamente ele pode chegar a número 1 do mundo. Vejo o circuito muito mais aberto do que na nossa época. Naquela época, existiam 20, 30 jogadores que podiam ganhar Roland Garros, 16 jogadores podiam ganhar Roland Garros. Hoje tu vê uma diferença. Hoje para ganhar Roland Garros tem quatro, três que podem ganhar. O resto não tem mais uma consistência no saibro ainda.
Daqui para frente é manter o trabalho. Eu acho que esse é o caminho. Eu acho que tranquilamente ele pode chegar a número 1 do mundo
LARRI PASSOS
Técnico de tênis
Parece ser um bom momento para chegar no circuito?
Sem dúvida. Ele está no nível de quem vai treinar com o (Carlos) Alcaraz (número 3 do mundo) e não tem problema nenhum. Vai treinar com o (Alexander) Zverev (número 2 do mundo), não tem problema nenhum. Ele já está acostumado com o peso da bola deles. Ele não sente diferença nenhuma. Na minha época com o Guga, por exemplo, eu tinha muita dificuldade para chegar e poder encaixar com os melhores do mundo, consegui treinar com eles. Porque não dá para comparar hoje (com o passado). Nós, primeiro, não tínhamos dinheiro. Tinha que viajar pra Europa, ficar três meses na Europa. Hoje não. Hoje a diferença tá muito grande. Hoje tu vai para um centro na Europa, tu vai lá ficar uma semana. Eu tinha que pegar uma casa de um amigo meu para ficar na Europa. Era uma dificuldade incrível. Hoje, a relação para chegar lá tá melhor. Ele está num nível hoje já de top 10, está jogando com jogadores de top 10.
Ele (João Fonseca) está num nível hoje já de top ten, está jogando com jogadores de top ten.
LARRI PASSOS
Técnico de tênis
As comparações com o Guga acontecerão. É possível comparar as trajetórias?
Não dá, porque na época do Guga o caminho era um pouco mais demorado pelas condições que a gente tinha. Não se tinham as condições que se têm hoje. Hoje tu pega um avião, vai lá, fica uma semana num lugar, treina lá, volta. Então, é completamente diferente na formação. Agora, em termos técnicos, de energia, de resiliência é muito parecido, muito parecido. Essa parte aqui, dentro da cabeça dele, de querer ser. Por exemplo, após o French Open (título do Guga em Rolanda Garros em 1997), a gente teve que se adaptar ao novo momento. Hoje ele já lida muito mais fácil. Hoje, tu está na mídia o tempo inteiro. Uma coisa natural. Antigamente não era assim.
Na época do Guga, o caminho era um pouco mais demorado pelas condições que a gente tinha. Em termos técnicos, de energia, de resiliência é muito parecido, muito parecido
LARRI PASSOS
Compara João Fonseca com Gustavo Kuerten
Parece que nesse início se fala mais do João do que se falava do Guga, quais as dificuldades desse momento de surgimento?
Eu vi uma declaração dele muito legal. Ele quer as coisas simples. Ele está fazendo as coisas simples bem feitas. Ele está fazendo as coisas simples, bem feitas e tem que ser. Daqui a pouco, o povo vai dizer que ele precisa disso, precisa daquilo. Quem sabe o que ele precisa é ele mesmo. Foi a mesma coisa com o Guga. “Guga quer isso?”. Ele dizia “Não”. Não precisa ficar inventando. Ele precisa de quê? O físio dele vai lá, vai lá, faz o trabalho dele, vai para quadra, precisa das bolas, vai lá, treina, precisa de um sparring para bater, apra jogar. O técnico lá, ajustando. Pronto. Cara, essa simplicidade, fazendo as coisas simples, bem feitas é o caminho. Naquela época, ninguém entendia que o jogador toma as decisões. O João foi bem claro. Um dia perguntaram se ele vai pegar um psicólogo. Ele falou: “Eu peguei um e não me adaptei com esse negócio”. Um cara alegre, feliz que nem ele, vai complicar para quê? O negócio é não complicar. É fazer o simples, bem feito. E ele tá fazendo o simples, bem feito.
Para ti que vive tanto o tênis, como é surgir alguém como o João Fonseca?
Eu estou muito feliz, muito feliz mesmo. Olha, eu estava nos Estados Unidos e a minha filha, fanática por tênis, quando saiu a chave (do Australian Open), me falou que ele ia jogar contra o Rublev. Falei: “Não te preocupa, ele vai ganhar do Rublev. Os bons a gente ganha na primeira rodada”. Ela deu risada. Ele ganhou. Quando veio o segundo jogador, eu falei: “Esse jogador, vai complicar ele”. Eu entendo um pouquinho. Depois eu disse uma frase para o Guga: "Vai ser a coisa mais legal que vai acontecer para o tênis brasileiro”, para nossa gurizada que está vindo. Ele escreveu embaixo pra mim: “Fenômeno”. A gente brinca muito “coisa linda, coisa linda” (fala imitando o sotaque do Guga). A gente conversa muito sobre essa parte de fazer o simples bem feito. A gente comenta muito essa parte da da mente. O João vai fazer muito, muito bem para o tênis pela caráter dele, pela maneira que ele é. Então, esse menino é um menino de ouro.
Disse uma frase para o Guga: "Vai ser a coisa mais legal que vai acontecer para o tênis brasileiro”,
LARRI PASSOS
Ao relatar conversa que teve com Guga sobre João Fonseca
O Guga está empolgado com o João?
Sem dúvida. Guga está sempre ligado no tênis, apoiando, ajudando os treinadores, os jogadores em formação. Ele vibra com qualquer momento. Vibra o tempo inteiro. O Guga é um brasileiro.