Um dos mais chocantes episódios de violência no futebol aconteceu no ano passado, quando um torcedor, que afirma ter sido agredido por policiais militares dentro de um estádio, sob nenhuma justificativa, permaneceu hospitalizado por quase quatro meses diante das lesões causadas. Este foi o Caso Rai Duarte, que completa um ano próxima segunda-feira (1º).
Naquele domingo, 1º de maio 2022, o torcedor do Brasil de Pelotas tomou um ônibus de excursão na Zona Sul do Estado com destino a Porto Alegre para torcer para seu time no jogo contra o São José, pela quarta rodada do Campeonato Brasileiro da Série C, no Estádio Passo D’Areia. A volta para casa ocorreu apenas em 25 de agosto, 116 dias depois.
Após o apito final da partida, houve uma confusão entre torcedores dos dois times na arquibancada. Por este motivo, 11 homens foram detidos. Já no ônibus para retornar para Pelotas, sem estar envolvido no fato, Rai Duarte foi retirado do veículo por policiais militares e somado aos demais presos. Dentro de uma sala do estádio, conforme acusaram as vítimas, e indicou investigação da Corregedoria Geral da Brigada Militar e denunciou o Ministério Público, estes 12 torcedores foram agredidos pelos PMs.
Duarte foi quem mais apresentou complicações em razão dos atos de violência. Com um profundo corte abdominal, teve de ser internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Cristo Redentor, em estado grave. Foram 47 dias na UTI, em estado de coma induzido, e o restante do período no leito de enfermaria. Entre a vida e a morte, conseguiu superar as adversidades e iniciar a recuperação. Neste tempo, realizou 14 cirurgias. Uma próxima está prevista para julho.
Desde o caso, GZH acompanha a situação do torcedor do Brasil de Pelotas. A melhora é lenta, exige uma série de restrições e trabalhos de fisioterapia. Estas pesaram no bolso de Rai, que agora busca ressarcimento do Estado. Seus médicos afirmaram que, ao final de todo o processo, ele não terá sequelas e poderá seguir a vida normalmente.
— Não tem sido fácil. Eu me apego a Deus, agradeço todos os dias por estar vivo. Há um ano eu não trabalho, mal saio de casa. Só de estar vivo, é um milagre. Não posso fazer força, correr ou caminhar rápido. Os órgãos ainda estão soltos. Mas esse um ano passou rápido. Para mim, foi como se fosse ontem, pois foram quatro meses internado — disse Rai.
Mudanças de vida
Até o ano passado, Rai Duarte trabalhava na UBS do Bairro Fátima, em Pelotas. Agora, no entanto, cumpre licença saúde, prevista para ser finalizada em novembro, quando espera estar recuperado. Em 1º de maio do ano passado, sua esposa, Aline Pereira Lopes, estava grávida, com três meses de gestação. Hyantony nasceu em novembro de 2022 e está próximo de completar seis meses. O bebê foi a força que o torcedor buscou para se recuperar.
— Se eu não o tivesse, não sei se eu teria a força para superar isso. É melhor coisa que aconteceu na minha vida. É cada dia mais felicidade, uma bênção. Comemoramos todos os "mesversários", até fazer uma grande festa quando completar um ano — destacou.
Hyantony já ultrapassou seis quilos — está com quase sete —, e o pai já não pode mais caminhar com ele no colo, apenas sentado. Essa é uma das restrições impostas pelos médicos. Esperançoso, Duarte quer levá-lo ao Bento Freitas e compartilhar sua paixão pelo Xavante. Por enquanto, porém, prefere concentrar-se na reabilitação, sem guardar mágoas de quem lhe fez mal.
— Procurei me afastar um pouco do futebol e centrar na família para me recuperar bem e poder levar meu filho no estádio. Mas não guardo mágoas. Que seja feita a justiça. Não penso em vingança, só quero seguir a minha vida e esquecer o que eles fizeram comigo. Quase deixaram um filho sem pai, sem motivo nenhum. E nenhuma mãe pode passar o que a minha passou. É inadmissível — disse.
Inquérito e análises
A Justiça Militar, através da 1ª Auditoria de Porto Alegre, está analisando os crimes. Foram designados os dias 3, 4 e 5 de julho para a oitiva das vítimas e testemunhas da denúncia do Ministério Público. Após a conclusão do inquérito da Corregedoria Geral da Brigada Militar, em setembro, o MP-RS denunciou 17 policiais envolvidos no caso por tortura. Desde o ocorrido, no ano passado, eles estão afastados das atividades no 11º BPM.
Está aberto também um processo administrativo interno da BM, que avalia a exclusão dos policiais. Para cada investigação, Rai Duarte e as demais vítimas já prestaram depoimentos. Em julho, serão ouvidos novamente.
— Para quem sofreu o ato, é complicado. Toda a vez que eu vou dar um depoimento, volta tudo para cabeça e vai torturando. Quero esquecer, mas em todo o momento acabo lembrando do que aconteceu. Eu acredito na justiça. Vai demorar, mas eles vão pagar. Para o que aconteceu comigo não aconteça com outros — projeta Rai.