A bola é diferente, de cor marrom, formato oval e com uma costura bordada bem ao meio. As tradicionais goleiras dão lugar a uma estrutura em Y. O campo tem mais de 4 linhas, com marcações em jardas. Na disputa, são 11 contra 11, mas eles não vestem apenas calções, camisetas e chuteiras.
Há equipamentos de proteção, todos importados, que fazem os atletas lembrarem gladiadores. O futebol americano se popularizou rapidamente no Rio Grande do Sul nos últimos anos, com as transmissões da NFL. O contato com o esporte, no entanto, não está restrito apenas às telas de televisão. Hoje, estádios do Interior e Região Metropolitana já dividem espaço entre o tradicional futebol e o futebol da bola oval.
Segundo dados da Sponsorlink, maior pesquisa especializada em esportes do mundo, 15,2 milhões de pessoas se declaravam fãs de futebol americano em 2016 no Brasil. Em 2021, esse número saltou para 33 milhões de torcedores. Um crescimento expressivo de 117% em apenas cinco anos, que se reflete também na procura pelos times locais. O ingresso recente de brasileiros na NFL, pela primeira vez, também contribuiu para o aumento de interesse.
— A popularização da NFL na última década foi o primeiro e, talvez, o fator mais importante do aumento de interesse no esporte por aqui, principalmente para o crescimento do público nos jogos. É vital aproveitar essa exposição, principalmente durante a temporada de jogos nos Estados Unidos, entre setembro e fevereiro, para divulgarmos as nossas atividades — analisa o presidente da Federação Gaúcha de Futebol Americano (FGFA), Ismael Ferreira.
O campeonato gaúcho, que chega ao fim neste domingo (15), com o confronto entre Soldiers e Pumpkins, reuniu oito times e mais de 400 atletas. São, em média, 50 jogadores por equipe, divididos entre ataque, defesa e especialistas. Em 2018, chegaram a ser 15 times na competição. Mas, dificuldades financeiras e de tempo para treinamentos, associadas à pandemia, obrigaram algumas equipes a encerrar as atividades.
Para além do Gauchão, que é a principal competição em nível estadual, há ainda a Copa RS, no segundo semestre, e torneios de flag football (que é uma adaptação do futebol americano com menos contato físico). No Brasil, neste ano, haverá dois campeonatos principais: o Brasileirão e a Liga BFA. Isso tudo garante um calendário de jogos de 10 meses ao ano.
— O que ajuda na divulgação do esporte é importante para as equipes se manterem ativas, gera interesse e procura de novos atletas e torcedores. Também garante para nós maiores oportunidades na busca de apoiadores e patrocinadores — define Ferreira.
Só que por aqui o ambiente do futebol americano não é luxuoso, nem milionário como o da NFL. Não há transmissões em canais de TV, muito menos shows de intervalo com ídolos pop. Pelo contrário, apesar do crescimento, o futebol americano ainda é amador e os atletas não são remunerados. Há patrocinadores investindo nos times e ajuda de programas públicos de incentivo ao esporte, mas esses valores são usados na compra de equipamentos, viagens, aluguel de estádios e outros gastos. Ainda assim, por vezes, é necessário que os atletas tirem dinheiro do próprio bolso para jogar.
17 anos de futebol americano na Capital
O Porto Alegre Pumpkins foi o primeiro time formado em solo gaúcho, em 2005. A inspiração do nome vem da data de fundação: 31 de outubro, dia de Halloween. A equipe traz a abóbora no nome e também na marca, em alusão à tradição americana que envolve uso de fantasias e decorações assustadoras.
Desde a fundação, o Pumpkins passou por algumas reformulações, fusões com outros times e mudanças de nome, mas a marca conhecida voltou para o Gauchão deste ano. Hoje, as "abóboras" são a única equipe de futebol americano da Capital.
Os esportes americanos estão ganhando bastante ênfase no Brasil. Agora, o desafio é buscar a profissionalização
NÍCOLAS DO CANTO
quarterback do Pumpkins
No time, há dois estrangeiros, nascidos em Miami e que praticam o esporte desde os 4 anos. Raymond Bradley, de 31 anos, passou por equipes profissionais da Sérvia, Ucrânia e Dinamarca. A partir de contato que já tinha com o time de Porto Alegre, veio para o Rio Grande do Sul neste ano.
Aqui, não recebe salário, mas tem moradia e ajuda de custo do time e trabalha como professor de inglês. Gostou tanto da capital gaúcha que trouxe o melhor amigo de infância Quentin Williams, de 30 anos, que também estava sem clube, para jogar no Pumpkins. Quentin ganhou títulos estaduais na Flórida e também já rodou o mundo pelo futebol americano em países como Alemanha e Turquia.
— Além do nível alto de jogo que eles têm, para nós é muito importante essa troca de conhecimento. Eles jogam futebol americano desde criança, isso é incrível. Aqui o esporte começa bem mais tarde. Então, essa experiência ajuda a nos desenvolver como time — pontua o presidente Phillip Dias.
Além das estrelas “importadas”, há um trabalho de formação dos atletas locais. Geralmente, há uma migração de um outro esporte para o futebol americano.
— Na escola, eu sempre joguei muito futebol. Um colega meu não gostava e ele conseguiu fazer com que o professor inserisse o futebol americano na educação física. Depois que eu saí da escola, fui saber que existiam times aqui no Estado. De uma maneira geral, os esportes americanos estão ganhando bastante ênfase no Brasil. Agora, o desafio é buscar a profissionalização — relata Nícolas do Canto, quarterback do Pumpkins.
Hegemonia em verde e preto
É em Santa Maria que está o time com maior crescimento no Estado nos últimos anos. É lá também que se concentra público fiel. Em jogo da primeira fase do Gauchão, o Soldiers recebeu mais de 800 pessoas no Estádio Presidente Vargas, alugado do Inter-SM. Os ingressos custavam R$ 10. Na final, neste domingo (15), o "exército verde-preto" pretende receber mais de 2 mil torcedores, com setores do estádio sem cobrança de ingresso.
— Nossa ideia sempre foi ter um projeto que representasse Santa Maria. Nos Estados Unidos há essa cultura. Os times da NFL representam uma cidade, uma cultura. Acho que estamos conseguindo fazer isso. Nos nossos eventos, além do jogo em si, sempre procuramos trazer mais atrativos — destaca o presidente e quarterback Douglas Rodrigues.
Para se ter uma ideia, o Inter-SM, dono do estádio, vende uma média de 257 ingressos por partida na primeira fase Divisão de Acesso, conforme dados da Federação Gaúcha de Futebol (FGF). Os valores variam de R$ 10 a R$ 40.
Hoje, cada vez é maior a minha paixão pelo futebol americano
DOUGLAS RODRIGUES
quarterback do Santa Maria Soldiers
O próprio nome do Santa Maria Soldiers também remete à relação com a cidade, que tem o segundo mais expressivo polo militar do Brasil. Maior campeão gaúcho, com seis títulos, o time de Santa Maria também desponta no cenário brasileiro.
É destaque no campeonato nacional e, nos últimos anos, marcou presença nos playoffs da Divisão Sul. O gosto pelo esporte como quase sempre da mesma forma: uma curiosidade em aprender.
— Eu estou há 14 anos no futebol americano e o que despertou meu interesse foi a NFL. Eu assistia com um amigo, mas não entendíamos nada. Um dia, esse amigo levou uma bola futebol americano para brincarmos no recreio da escola. Logo depois, começamos a jogar Madden (tradicional jogo de videogame). Hoje, cada vez é maior a minha paixão pelo futebol americano — conta Douglas, que é um dos fundadores do Soldiers
Surgimento de novos times
Fundado em 2019, o Farroupilha Saints é o caçula entre os times do Rio Grande do Sul. O nome surge em homenagem a Nossa Senhora de Caravaggio, padroeira e principal ícone religioso, turístico e cultural da cidade.
— Na marca do time, acabamos juntando as cores do manto de Nossa Senhora com a imagem do Arcanjo Miguel, buscando simbolizar a força do povo farroupilhense — revela o presidente João Filipe Piccoli.
Com 30 jogadores no plantel, o time ainda não participou de nenhuma competição oficial e vai fazer a estreia na Copa RS, no segundo semestre. Antes disso, alguns atletas foram cedidos a outro clube, o Carlos Barbosa Ximangos, para ganhar experiência no Gauchão. A ideia de criar a equipe surgiu para difundir o esporte no município da Serra.
— A maior dificuldade é manter o número de atletas ativos depois desses dois anos parados devido à pandemia. O trabalho teve que começar praticamente do zero, desde captação de novos atletas até o planejamento para participação em campeonatos — conta Piccoli.
Além do Saints, o outro caçula é o Bears, com sede em Igrejinha. O projeto começou a ser estruturado em 2018. São 35 jogadores no elenco, mas também houve grande baixa desde o início da pandemia. Isso por conta de uma realidade comum a todos os times amadores: compromissos profissionais, necessidade de se afastar dos treinos ou dificuldade financeira.
— A equipe sempre busca realizar eventos ou pedágios solidários para angariar recursos financeiros, felizmente sempre recebemos uma reposta positiva da comunidade. No início foi difícil encontrar um local de treino, pois nenhum time de futebol queria dividir o campo conosco. Hoje, felizmente temos uma parceria enorme com as prefeituras de Igrejinha e Parobé — explica Elemar Ramos, presidente do Bears.
FINAL
O jogo entre Soldiers e Pumpkins pela final do Campeonato Gaúcho está marcado para as 14h de domingo (15), no Estádio Presidente Vargas, em Santa Maria. Os ingressos para a área coberta do estádio custam R$ 10 antecipadamente e podem ser adquiridos pela internet. Haverá venda também no estádio no dia do jogo ao preço de R$ 15. O setor sem cobertura terá entrada gratuita.