
Maria Carolina Santiago entrou para a história do paradesporto brasileiro ao conquistar cinco medalhas nas Paralimpíadas de Tóquio. Dona de três ouros, uma prata e um bronze, a atleta do Grêmio Náutico União, de Porto Alegre, tornou-se a mulher brasileira mais vitoriosa em uma única edição dos Jogos.
Portadora da síndrome de Morning Glory (uma alteração congênita na retina, que atinge o nervo ótico e reduz seu campo de visão), a pernambucana entrou no esporte paralímpico há pouco mais de três anos, quando conheceu o clube gaúcho por meio das maratonas aquáticas.
Desde então, Carol começou a ganhar ainda mais destaque dentro das águas. Ela conquistou quatro medalhas no Mundial de Londres, em 2019, e bateu recordes mundiais. De volta a Porto Alegre depois da experiência no Oriente, a nadadora conversou com GZH sobre o esporte paralímpico, suas conquistas e também acerca da representatividade feminina no paradesporto.
Como foi a tua primeira vez na natação, nas piscinas, e como você iniciou na modalidade?
Comecei a nadar muito cedo, desde criancinha mesmo. A natação tem muito a ver com a minha síndrome de Morning Glory, que dá uma baixa visão. Era um esporte de baixo impacto que eu podia fazer e casou perfeitamente. Comecei bem cedo, bem de base mesmo, fiz toda na parte convencional.
Com 12 anos, saí de Recife e fui para Caruaru. Continuei nadando e depois, mais tarde, cheguei a nadar não só em piscina, mas também águas abertas, como uma forma de me desafiar. A emoção das águas abertas era conseguir sair do mar. Era fantástico. Acompanhava sempre algum atleta que eu conhecesse, que nadava igual a mim. Essa parte foi muito legal, através das águas abertas que eu conheci o Grêmio Náutico União. A partir daí, eles me apresentaram ao esporte paralímpico e foi aí que começaram os melhores anos da minha vida realmente.
Como foi a transição olímpica para paralímpica, o impacto dessa mudança para um esporte que tu se encaixava mais?
A natação paralímpica é natação, mas para mim é como se fosse um outro esporte, uma forma diferente de fazer natação. Mudou muito porque quando eu entrei na paralímpica, que eu comecei a entender o movimento paralímpico foi incrível, porque eu não conhecia. Na verdade, venho conhecendo até hoje. Mudou completamente a minha vida, não só como atleta, mas como pessoa, como entendimento das deficiências e como tudo que nós, atletas, fazemos ali é grande. A minha vida mudou muito porque quando eu entrei na natação paralímpica, comecei a fazer uma natação de alto rendimento. Ela é completamente diferente, a minha vida é 100% o esporte. O tempo que eu estou treinando, mais o tempo que estou fora também, me dedicando para chegar no outro dia e treinar em alto rendimento. Isso envolve tudo, o acompanhamento anti-doping, nutricionista, o descanso para recuperação.
Como foi a tua mudança para o Rio Grande do Sul? Saindo do calor de Pernambuco para o frio daqui?
Eu digo que eu sou pernambucana, mas também gaúcha de coração. Eu não conhecia o Rio Grande do Sul, conheci por meio da vinda para cá para conhecer o União. Vim para cá e me apaixonei, isso foi de cara, pelo jeito das pessoas, pela forma como fui recebida, sempre fui muito bem tratada. Minha história começou aqui, meu paralímpico começou aqui, então estamos junto desde o início. A gente está fazendo a minha história. Quando cheguei aqui, estava muito frio. Isso foi muito diferente. Eu vim disposta, era o que eu mais queria naquele momento, e o União me deu isso. A gente vem construindo uma relação muito boa e de muita confiança. Tenho muito a agradecer.
Olhando para trás, lá em 2018, quando tudo começou no esporte paralímpico, tu imaginaria chegar onde chegou? Dona de cinco medalhas em uma Paralimpíada e um dos principais nomes brasileiros do movimento paralímpico.
Em 2018, quando a gente conversou, eu tinha marcas boas, que eram expressivas em nível de Brasil, mas eu sabia que eu ia ter de trabalhar muito para chegar em marcas expressivas a nível mundial. Eu já sabia nadar e nadava bem. Quando o coach Leonardo Tomasello (técnico da seleção brasileira) conversou comigo, falou que eu tinha muita possibilidade de dar certo, então, se eu me dedicasse e pudesse fazer todo o trabalho de técnica, para melhorar meu nado, porque eu nadava com a cabeça muito alta, porque como a minha visão é muito frontal, o estilo mais fácil era o peito e quando eu nadava o crawl, levantava muito a cabeça.
A gente teve de fazer um trabalho muito grande nisso, eu sabia que ia ter de enfrentar um trabalho muito grande de confiança. Eu não trabalhava com o tapper (pessoa que bate na nadadora na hora de fazer a virada na piscina), esperar a batida para virar. Aquilo ali é algo que foi muito complicado, eu parava muito, perdia muito ritmo. Foi conversado comigo que se eu fizesse todo o trabalho certinho, eu estaria competitiva. Fomos por partes. Fui para a minha primeira competição, em São Paulo, e ali ia abrir as portas, íamos conseguir ir para um Para-Pan, um Mundial e, quem sabe, uma Paralimpíada. Eu já pensava nisso, mas não pensava nos resultados, sempre pensava no dia a dia da preparação, para não perder um treino, uma prática, para poder chegar na minha melhor parte.
Eu tinha um sonho que começou em 2018. Quando a gente chegou no Open (primeira competição) e conseguiu todos os índices, foi incrível. Ali, minha vida mudou. Foi como se eu tivesse debutado para o esporte paralímpico. Até então, o Brasil me conhecia, mas depois disso, o mundo passou a me conhecer. Abrimos com um recorde mundial no 100m peito, a gente não esperava. Aí, comecei a ser acompanhada pelo doping, as pessoas passaram a me procurar para saber como iria para o Para-Pan e para o Mundial. Tudo foi fantástico, mas eu tive outro problema. Descobrimos que eu tinha uma variação hormonal feminina muito grande, e se eu não conseguisse organizar aquilo, provavelmente eu não teria os resultados que eu tive em Tóquio. Meu técnico foi muito sensível quanto a isso. Não só ele, mas a comissão técnica inteira, de não me deixar pensar que eu era incompetente.
Era tão gritante a diferença que eu nadava pra um tempo em uma semana e uma depois eu nadava para quatro, cinco segundos acima do meu tempo. Se caísse naquela época o Mundial, eu estava acabada, não ia conseguir nem final. A gente voltou e ele falou "você vai procurar uma ginecologista do esporte e aí vamos ver as possibilidades e ver se a gente realmente consegue estar em Tóquio com os melhores resultados". Fizemos esse trabalho, demorou a adaptação, mas deu certo e eu sigo com esse acompanhamento. A partir desse momento, eu vislumbrei a Paralimpíada, do jeito que a gente está hoje. Eu queria muito essas medalhas, comecei a treinar pensando nelas, fiz um trabalho psicológico para estar ao máximo competitiva mentalmente também nas provas. Eu sabia que iam ser competições complicadas psicologicamente, a gente teve meninas que estavam na minha frente no ranking que não pegaram nem medalha.
Hoje, vendo tudo que a gente fez, tudo que a gente conquistou, percebo o quanto fez sentido toda essa caminhada. Quando veio a pandemia, a gente se afastou, as coisas pareciam não fazer muito sentido, ficava pensando "como assim não vão ter mais Jogos?". As coisas ficaram meio perdidas e naquela época eu só pensava em manter a minha forma, para quando tivesse a oportunidade, estar bem para voltar a treinar. Não fazia muito sentido naquela época, tinha que viver um momento de cada vez. Hoje, eu olho e vejo que tudo fez sentido, até a minha cabeça de poder avaliar aquele momento complicado, de se manter em forma e pensar que o sonho não tinha acabado.
Tu já tens dimensão do teu feito nas Paralimpíadas?
Durante a competição, eu tinha feito um trabalho psicológico, que me preparou para os momentos difíceis. Mas me preparou para os bons também, para quando eu ganhasse uma medalha eu não ficar não eufórica, que me atrapalhasse na prova seguinte. Eu fui preparada para isso. Quando o programa começou, que a gente entrou nos 100m costas e ganhou a primeira medalha, eu queria tanto aquela medalha, que eu saí de lá feliz com vontade de voltar para o clube e mostrar a medalha (o bronze). Eu fiquei pensando "vou voltar lá e mostrar, as crianças vão ficar loucas". Eu estava preparada, então não fiquei deslumbrada. Eu fechava aquele momento e dizia "vou comemorar lá na frente" e vinha para o dia seguinte.
Tinha muitos dias, mas eu tinha que me manter competitiva. Foi uma competição muito bruta para mim. Quando veio a primeira medalha de ouro, que não foi só uma medalha de ouro, foi a primeira medalha de ouro depois de 17 anos na natação feminina. Começaram a anunciar isso em todo o canto. Aquilo ali, eu tive que repensar, porque eu não estava preparada. Eu estava preparada para o ouro, não para os 17 anos. Quando veio aquilo eu pensei "calma", comecei a falar com a comissão técnica e a brincar com eles, tentando passar a pressão desse fato para eles. Quando terminou, que a gente fez aquilo tudo, que eu nadei os 100m peito e que eu tinha acabado. Foi a prova mais emocionante para mim pois é a prova que eu mais gosto de nadar, foi a que eu fui campeã brasileira quando era pequena. Eu sabia nadar, o estilo que eu sabia antes de chegar ao CT Paralímpico. Nadar bem e fazia tempo que eu não nadava bem, foi emocionante.
Eu não sabia que eu tinha ganhado quando eu bati na borda da piscina, eu tentava olhar e não conseguia saber se as minhas adversárias tinham chegado já. Foi muito especial. Eu deixei vir toda aquela emoção do que a gente tinha feito durante toda a competição. Ali eu me emocionei e entendi que a natação feminina ganhou demais. Nós, mulheres, agora, abrimos uma porta para sermos as melhores naquilo que a gente quer dentro da natação. É dizer "eu quero ser campeã dos 100m costas", então vou treinar muito, vou fazer todo meu acompanhamento, procurar as melhores pessoas para trabalhar comigo, me dedicar 100% e é possível. Não só é possível para os homens, mas para a gente também. Abriu essa porta, abriu também uma representatividade, porque hoje eu me sinto, através das mensagens que recebo, representando mesmo as nadadoras paralímpicas. Acho que isso foi muito bom. Você ter ídolos também mulheres, é legal. Hoje, não temos mais aqueles multimedalhistas, cada vez mais a natação paralímpica vai se tornar algo especializado. Os nadadores se especializando em determinadas provas. Acho que o que fizemos foi grande, hoje estou tendo a dimensão disso.
Como tu te imaginas sendo um exemplo para as pessoas e, principalmente, para as mulheres do Brasil?
Nunca pensei muito nisso, até chegar onde eu estou. Sempre quis fazer o que eu tinha de melhor, da melhor forma que eu pudesse. Eu vejo esses resultados e ser um exemplo muito como consequência da minha dedicação. Se eu for um exemplo porque eu fui dedicada, porque eu tive um sonho, corri atrás e isso deu certo, acho que é muito bom. Fico muito feliz. Sei que se outra pessoa tiver um sonho, ela já entendeu como chega lá. Eu realmente acho que é muito válido, para mim como pessoa também, poder me sentir satisfeita, porque o que eu fiz foi grande a ponto de tocar outras pessoas.
O Daniel Dias se aposentou em Tóquio e muita gente te apontou como a sucessora dele para Paris. Como tu reage sendo apontada como uma aposta para a próxima Paralimpíada e o que o Daniel representa para ti?
O Daniel a gente não tem nem comparação com ele. É o maior exemplo de atleta que eu tenho, não só paralímpico. Ele é o maior medalhista paralímpico do Brasil. Para mim, ele é um exemplo não só como atleta, mas como pessoa. Tem um comportamento excepcional, uma dedicação, com feitos, ele é fantástico. É uma vida toda, nem se eu quisesse fazer qualquer tipo de comparação, não existiria. Ele, para mim, está bem além de tudo isso. Eu realmente ouvi bastante que seria um dos nomes para as próximas Paralimpíadas. Acho que o que está acontecendo é que a nossa seleção mudou. Hoje, temos várias pessoas ganhando medalha de ouro. Temos muitas possibilidades, houve um trabalho e está ocorrendo um trabalho muito grande na base, para que os atletas se desenvolvam e tenham uma mesma condição, sendo mais específicos nas provas. Isso é muito bom, vejo isso comigo sendo uma dessas possibilidades. Com certeza, vou treinar bastante para chegar em Paris o mais competitiva possível, para tentarmos fazer a mesma coisa que a gente fez em Tóquio.
Como tu vê a mudança de perspectiva do esporte paralímpico no Brasil? Desde a Lei Agnelo/Piva, mais investimentos públicos chegaram e com o passar do tempo o setor privado também resolveu investir no movimento paralímpico.
Vejo isso tudo em movimento ainda. O incentivo do governo veio e ajudou muito, possibilitou esses resultados. Hoje, temos os atletas paralímpicos no mesma sistema de investimento que os olímpicos. Temos possibilidades, está ali o investimento, caso você realmente tenha o talento e esteja naquela condição. Isso é importante para desenvolver o esporte paralímpico. Não tem como fazer o esporte se não existir o investimento. Ele foi muito importante e ainda é. Os investimentos privados estavam muito vinculados à questões de superação, da história do atleta, comovente. Hoje, a gente vê o quanto isso está mudando, como você olha a deficiência como mais uma característica do nadador, do atleta. As possibilidades também mudam. Hoje, temos atletas paralímpicos ídolos de pessoas que não têm deficiência. Isso muda a perspectiva de quem quer vincular uma marca particular, abrindo outras possibilidades desse tipo de patrocínio. Acho que a gente está em mudança, que essa visibilidade toda que as Paralimpíadas tiveram foram benéficas para o nosso esporte e os nossos atletas. Acredito que os patrocínios vão acontecer, que vai haver um maior desenvolvimento e Paris vai ser mais incrível do que Tóquio por causa disso.
A Paralimpíada do Rio de Janeiro, em 2016, deixou como legado a construção do centro de treinamento paralímpico em São Paulo. Tu acreditas que esse investimento estrutural e também a maior abordagem na mídia ajudem no crescimento do esporte paralímpico no Brasil?
Com certeza. Inclusive, queria agradecer vocês como mídia, porque é muito importante o conhecimento. Você não pode gostar daquilo que não conhece. Não tem como. Quando vocês expõem e colocam para que as pessoas conheçam isso da melhor forma, a gente ganha muito porque atinge o público, grupos que nunca alcançaríamos se tivesse em um canal particular. Com certeza, a mídia tem um papel muito importante nesse desenvolvimento. A questão estrutural do CT, eu vou dizer um negócio, eu até chegar lá, nunca tinha visto uma estrutura como aquela. Realmente, a gente tem lá as melhores condições. Uma piscina excelente, uma academia, os profissionais que não deixam a desejar em nada para quem trabalha no olímpico também. Temos tudo que precisamos lá, biomecânica, tem nutrição, fisioterapia, medicina. Tudo dentro de uma infraestrutura fantástica. Isso ajuda a desenvolver, porque os atletas têm acesso lá. Podem treinar lá quando quiserem, eles têm direito aos serviços do CT, então isso fez crescer também. Fez o atleta do interior ter acesso a uma estrutura que você só tem quando você vai para um campeonato mundial. Agora, a gente tem aqui. Isso realmente fez a diferença.
Temos uma equipe técnica, liderada pelo Leonardo Tomasello, que tem uma visão do que é uma seleção. A partir do momento que a gente tinha aquela estrutura, ele subiu o nível. A gente não vai levar mais atleta para passear, queremos levar atletas para comporem uma seleção forte, pois somos uma potência paralímpica. Hoje, você olha o quadro e vemos que estamos em 7º no mundo. A natação não é diferente. O que ele fez? Primeiro, para resolver a questão feminina, porque tínhamos poucas nadadoras e poucas técnicas. Ele trabalhou na base e deixou tudo de igual para igual, porque o esporte de alto rendimento não é inclusivo. Vão os melhores tempos, na verdade. Não tem alguém ganhando uma medalha porque tem uma história bonita, você tem alguém ganhando porque fez um bom trabalho e fez o melhor tempo. Ele é inclusivo na sua essência de existência, que o atleta paralímpico não pode nadar com o convencional e vai nadar no paralímpico. Mas quando vai competir no Mundial, vai compor uma seleção, tem que ir os melhores.
O Leonardo (Tomasello) fez um trabalho de base para que as meninas tivessem as mesmas condições que os meninos, para poderem fazer parte da seleção no futuro. Inclusive, a mesma quantidade de número de técnicos e técnicas, para que possam se desenvolver. Mas não foi só isso, ele estabeleceu que só iriam aos treinamentos quem tivesse até o sexto melhor tempo no mundo. É o mínimo para você entrar na seleção. A corda vem mais para cima, o sarrafo sobe. Os atletas precisam treinar, tivemos uma seletiva extremamente forte, onde os atletas estavam batendo os índices e brigando para ir ao Japão. Ninguém foi para passear, todo mundo que foi tinha total condição de estar em uma final e de ganhar uma medalha. Então, acontece o que aconteceu agora nas Paralimpíadas. Todo dia a natação estava ganhando medalhas e os brasileiros ficaram torcendo muito. No meio de tanta coisa que aconteceu nesses últimos anos, a gente está ganhando uma medalha, saindo campeão, o hino nacional está tocando em uma competição a nível mundial, foi incrível. Isso foi fruto disso tudo e mais desse trabalho que foi fantástico.
Como tu vê essa comparação entre as Olimpíadas e as Paralimpíadas? Por que tu achas que as medalhas vêm muito mais com vocês do que com os atletas olímpicos?
Essa não é uma pergunta fácil. Mas começa pela questão de que temos mais possibilidades de medalhas, porque tem mais provas, é tudo dividido por classes. Mas também esse investimento, esse trabalho que foi feito, tudo isso. Não sei como é no olímpico, então não posso falar muito, mas acredito que tudo isso que aconteceu no paralímpico foi muito bem organizado e foi bem pensado lá atrás. As pessoas conseguiram colocar na prática e os resultados vieram. Realmente, não sei como funciona no olímpico a nível mundial, mas a campanha no Brasil nas Paralimpíadas se deve muito a esse trabalho bem feito no Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e todos os demais clubes, assim como o União, incentivando o esporte paralímpico. Antigamente, a gente nem ouvia falar. Hoje, os clubes grandes têm equipe paralímpica. Isso veio a modificar o nosso cenário.
O Brasil conseguiu se consolidar no top 10 do quadro de medalhas das Paralimpíadas. Como tu imagina a sequência do esporte paralímpico no Brasil e também para os próximos grandes eventos?
Eu vejo essa consolidação sendo muito importante até para os atletas entenderem que a gente é uma potência. Temos que chegar lá com o pensamento de que somos uma potência. Então, eu nado, eu termino e eu falo "gente, e o Brasil agora está em que lugar?". A gente fica querendo sempre nadar com aquela questão de nacionalidade mesmo, para poder estar lá. Eu vejo que é muito importante, isso só melhora o nível de atletas que a gente tem, o nível das seleções e a responsabilidade que a gente vai como convocados para poder estar figurando entre os 10. Os investimentos são importante demais, acho que tudo isso junto torna isso possível. Eu sei que eles sentam antes de um ciclo e eles veem as possibilidades de daqui três anos. Não tem isso de não bater a meta, eles vão atrás de uma forma que é incrível. Isso faz com que a consolidação seja possível e importante para nós, atletas.
O esporte muitas vezes é uma forma que o deficiente acha para se incluir na sociedade, principalmente quando não acha espaço em outros setores. Como isso foi para ti e como tu acha que o esporte pode ser ainda mais inclusivo?
O esporte em si é uma ferramenta de inclusão para todas as áreas e para nós, deficientes, mais ainda, na verdade. A gente tem valores no esporte que só ele dá. Hoje, temos possibilidades para quem é atleta que você vê que não teria se não fosse atleta. Eu vejo essa parte da inclusão através do esporte, de você ter uma consciência corporal, de desenvolver ferramentas mentais e sociais de convivência, de se entender, de se aceitar e realizar, auto-estima, tudo isso é inclusivo. Tudo isso é importante para o ser humano, seja ele deficiente ou não. O esporte que a gente pratica, de alto rendimento, vejo ele, como falei, a inclusão apenas na existência dele. A nível mundial, na prática, entre nós, deficientes, não é inclusivo. Você não leva um atleta para a Paralimpíada pois ele é mais acometido por deficiência.
Apesar da gente escutar muito "leva de classe baixa (com mais comprometimento)", não vai levar. Se você não fizer o tempo determinado, não vai. Isso foi conversado há muito tempo. Antes, a seleção não tinha muito classe baixa. É para todo mundo, os índices estão aí, não é fácil para ninguém. A partir daí, isso também gera no deficiente uma noção de capacidade. Eu sou capaz, então vou treinar, ninguém vai me dar de graça, vou ter que me dedicar. Vou ter que ser bom para estar ali. Eu vejo dessa forma. Acho que a gente acaba dando essa possibilidade de um atleta figurar nesse hall. Hoje, estou nessa questão toda de vencer, de medalha, de visibilidade, graças ao esporte. Eu não teria isso se não existisse o paralímpico. Eu não seria boa no convencional para figurar no Mundial. Tenho uma deficiência que não me deixaria ser campeã nunca.
O que tu vê de diferença entre o esporte paralímpico no Brasil e fora do país? Parece que as lacunas são menores entre os brasileiros e outros países que são forças esportivas também, em questão de resultados, mas também de estrutura.
Em relação à estrutura e como o esporte é visto, a gente não deixa a desejar em lugar nenhum do mundo. Isso foi uma coisa que eu achei muito interessante. Inclusive, a visão que a gente tem do esporte paralímpico, conseguimos ter essa visão de alto rendimento. A gente está à frente de muitos outros países. Não vemos só como inclusão, vemos como uma performance, são profissionais do esporte. Essa visão, acho que estamos muito avançados. Estamos exatamente onde devemos estar, uma das potências mundiais. Quanto a estruturas, não deixa a desejar em canto nenhum que eu já fui. A gente foi em Londres, em Tóquio, em Hamamatsu, em Lima, em nada. Eu bati o recorde mundial na nossa piscina, é a melhor piscina. Não tem nada que eu diga que é diferente. Eles realmente fizeram para que a gente tivesse a melhor estrutura.
Tu farias alguma crítica ao esporte paralímpico brasileiro? Alguma coisa que falte na infraestrutura ou que deixe a desejar para a preparação dos atletas ou então de maus exemplos.
O que eu posso dizer é que nós estamos em movimento para melhorar ainda mais. Acredito que crítica, não. A gente está no caminho certo, os investimentos estão vindo. Já são reais e estão vindo ainda mais. Estamos no caminho certo para chegar em Paris melhor do que chegamos em Tóquio. Acho que temos bons e maus exemplos em todo canto, seja a nível de atleta, de comissão, sempre temos, onde for. Não só no paralímpico ou no olímpico. É uma sociedade, as coisas são difíceis em sociedade, mas acredito que quando a gente tem um resultado e fazemos uma avaliação geral de como as coisas estão indo, estamos no caminho certo. Os exemplos são muito bons e são muitos. Acredito que a gente só tem a ganhar com os nossos atletas. A gente só tem que tentar sempre ser melhor no dia seguinte e o esporte paralímpico tem feito isso. Talvez, por isso, estejamos chegando onde estamos hoje.
Um dos objetivos dos comitês olímpicos e paralímpicos é aumentar a representatividade feminina nos grandes eventos. Como tu enxergas essa questão e o crescimento da participação das mulheres nos Jogos?
Eu vejo que, especificamente do Brasil, a comissão técnica tem muita sensibilidade para olhar onde precisava mexer para que a gente pudesse ter mais meninas. Além disso, a minha questão hormonal foi um grande achado, porque a partir disso, todas as meninas que vêm depois de mim não vão passar pelo que eu passei. Por exemplo, eu estava em uma competição e tive um resultado péssimo. Uma semana antes eu tinha arrasado e aí meu treinador não queria nem olhar na minha cara. A gente não sabia da variação hormonal. Era uma coisa desconhecida. A partir dessa sensibilidade que todos tiveram de me avaliar e ver meus números, percebendo que era uma variação que eu tinha de quatro em quatro semanas. Todas as meninas que aparecem depois de mim e têm as variações são tratadas de uma forma diferente do que eu fui. Essa sensibilidade que está tendo a partir da visibilidade que a mulher tem no mundo, estamos figurando em todas as áreas, isso está facilitando para que a gente seja vista como mulher. No esporte, não está sendo diferente. Para mim, é muito normal que a gente figure onde estamos, que chegue nos lugares, porque estamos tendo oportunidades.
E onde a Carol Santiago pode chegar em Paris?
Eu já conversei várias vezes com o meu técnico, mas ele falou que está de férias (risos). A ideia é fazer um programa mais curto, não tão extenso quanto fizemos agora em Tóquio. Talvez as provas de crawl, para poder chegar lá em melhor forma e com os melhores resultados. O programa longo é muito complicado de você manter, às vezes não consegue fazer o melhor tempo em todas as provas. Com certeza, quero muito ir para Paris. Quero fazer uma preparação menos conturbada, com menos pandemia. Chegar lá, competir com público no local, presencial, porque, de tudo que me falam, faltou isso. De entrar na arena de competição e estar lotada, acho que preciso dessa experiência. Quero poder presenciar isso.