
O Bragantino é a grande surpresa desta arrancada de Campeonato Brasileiro. Com 18 pontos em oito jogos — 75% de aproveitamento —, a equipe é a única ainda invicta na competição. Mas o trabalho feito no interior paulista pela Red Bull, que comanda o clube desde 2019, chama atenção por outros aspectos que não apenas o resultado dentro de campo. E que podem servir de lição para times como Grêmio e Inter.
Fora das quatro linhas, o modelo de clube-empresa que se vale o Bragantino dificilmente será implementado nos gigantes do futebol brasileiro, ao menos a curto prazo. Assim como a dupla Gre-Nal, os demais times que compõem o grupo dos chamados grandes do país têm, todos, um modelo associativo, com sócios e um presidente no comando do clube por tempo determinado.
Esse modelo, embora seja utilizado por gigantes do futebol mundial como Real Madrid e Barcelona, não é tratado como a forma mais segura de se gerir um clube. Especialmente porque, com a constante troca de diretoria e os muitos grupos políticos, diversos projetos e ideias são abandonadas e a cada mudança de gestão o time começa praticamente do zero.
— São pouquíssimos os clubes que são bem sucedidos neste modelo no mundo hoje. Essa questão da alternância de poder é complicada. As trocas de presidente, de gestão, inviabilizam projetos de longo prazo, e isso é o que mais diferencia os clubes de empresas — avalia o economista Fernando Ferreira, sócio-diretor da Pluri e da Sportsview, empresas especializadas em consultoria esportiva.
Claro que o caso do Bragantino é uma exceção. Como bem ressalta Ferreira, "não existem 20 Red Bulls dispostos a investirem em um clube de futebol". Porém, algumas práticas bem-sucedidas que são usadas em Bragança Paulista podem servir para times como Grêmio e Inter. Uma delas, a busca no mercado por atletas jovens, mas que já têm experiência como profissionais e podem dar um retorno imediato, além de terem potencial de revenda para o Exterior.
O Bragantino contratou diversos jogadores com esse perfil. O mais recente foi Bruno Praxedes, 19 anos, do Inter, pelo qual o clube pagou seis milhões de euros (aproximadamente R$ 35 milhões). Mas, antes dele, foram buscados Artur (23), Cleiton (23), Alerrandro (21), Thonny Anderson (23), Weverton (22), entre outros. Essa ideia, na avaliação de Rodrigo Capelo, jornalista do Grupo Globo especializado em negócios do esporte, é uma boa alternativa para clubes que não conseguem aproveitar ou não tem na própria base alternativas com as características desejadas.
— De certa forma, o Flamengo fez coisa parecida. Quando foi ao mercado com força, há alguns anos, em vez de trazer caras consagrados perto dos 30 anos trouxe vários jogadores numa faixa de idade mais baixa. O projeto do Bragantino, por ser novo, foi nessa camada de idade já de atleta profissional e não de base, mas ainda com potencial de revenda. É uma estratégia inteligente, que vai fortalecendo o clube — afirma Capelo.
Modelo de jogo

Desde que a Red Bull assumiu o controle do Bragantino, em 2019, uma ideia de jogo foi colocada em prática. Primeiro, com Antônio Carlos Zago no comando do time — ele já treinava o Red Bull Brasil e foi "promovido" ao clube principal da empresa de energéticos. Depois, com a ida de Zago para o futebol japonês, a tentativa foi com Felipe Conceição. Apesar de um conceito semelhante dentro de campo, o técnico teve problemas de gestão de grupo. Assim, foi demitido e, em setembro de 2020, chegou Maurício Barbieri, que também já havia trabalhado no RB Brasil.
Mais do que apenas a semelhança de serem de uma nova geração de treinadores brasileiros, o Bragantino buscou algo que poucos clubes se preocupam no país: a manutenção do modelo de jogo. Os três têm ideias parecidas e colocaram em prática na equipe. Desde a manutenção da posse de bola até a pressão na saída do adversário, passando pelo jogo apoiado, a saída de três e um centroavante que recua para buscar espaço à frente dos zagueiros. Tudo isso foi mantido, independentemente de quem estivesse na casamata.
— O Bragantino tem muito do que a gente espera de clubes organizados. Eles sabem o que querem, o que precisam fazer. Saiu o Zago, entrou o Felipe Conceição e depois o Barbieri, todos com o mesmo modelo. Isso facilita para os jogadores, que estão acostumados com um modelo. E o clube também não fica dependente de um treinador, porque se procurar bem vai achar outro com uma ideia parecida. Os detalhes podem mudar, mas a ideia de jogo é parecida. Ajuda também na hora de contratar, porque você busca um jogador que se encaixa naquele modelo. Claro que não é uma garantia de sucesso, mas te dá um norte e isso, certamente, pode trazer resultados — destaca Gabriel Corrêa, analista de desempenho do Footure.
O Bragantino, inclusive, se vale do tão falado "jogo de posição". O conceito pode não ter funcionado no Inter de Miguel Ángel Ramírez, mas sob o comando de Maurício Barbieri o sistema foi "flexibilizado" e está dando resultados na equipe paulista.
— O jogo de posição do Bragantino não é tão ortodoxo quanto o do Ramírez. O Barbieri, por exemplo, dá total liberdade para o Claudinho. Outra diferença está nas laterais, porque o Ramírez queria que eles jogassem por dentro, mesmo sem ter peças que se encaixassem tão bem. O Barbieri entende que não dá para ter os dois laterais por dentro, porque o Edimar não faz essa função. Ele soube entender melhor o grupo e o futebol brasileiro. Já o Ramírez não lidou muito bem com essa pressão — explica Corrêa.

Para ajudar na implementação deste modelo de jogo, o Bragantino seguiu exemplos de clubes europeus e buscou um coordenador técnico para auxiliar no aperfeiçoamento desta ideia. Em janeiro do ano passado foi contratado Sandro Orlandelli, profissional com passagens por São Paulo, Athletico-PR, Santos, além de Arsenal e Manchester United. Especialista em identificação de talentos e com licença B da UEFA, ele é um dos responsáveis, ao lado do executivo Thiago Scuro, pela escolha de jogadores, do técnico e por levar as ideias do clube para dentro de campo.
— A Red Bull pensa muito nos profissionais que vai trazer também para o fora de campo no Bragantino. O Sandro Orlandelli, que é um coordenador técnico, tem muita influência nesse encaixe do time, na forma de jogar, de contratar. Ele é bastante presente no dia a dia do clube, e nos jogos dá para ouvi-lo gritar, orientar a equipe, mesmo quando fica nas tribunas, já que não é muito longe do gramado. Isso mostra que ele sabe muito bem o que é treinado e o que os jogadores precisam fazer — relata o repórter Rodrigo Seixas, do jornal Correio de Atibaia.
Ainda que a pressão seja menor no Bragantino e esse tenha sido um ponto central para o sucesso da equipe neste curto período de parceria com a companhia austríaca de energéticos, a principal lição para os demais clubes brasileiros é o projeto de longo prazo. Quando há tempo para amadurecer um conceito — seja de jogo, de contratações, de formação —, a tendência é de que o aperfeiçoamento seja maior e os resultados, consequentemente, apareçam.

Um último exemplo está na recente convocação de Léo Ortiz para a Seleção Brasileira. Criticado no Inter, o zagueiro chegou ao clube e levou tempo para crescer e se desenvolver. Hoje, o clube tem um defensor de alto nível. Mas só porque teve paciência e convicção. Essas são as palavras que ficam de exemplo do Bragantino para os demais clubes brasileiros.