O ano de 1992 foi o último que teve uma real disputa na posição de quarterback do New England Patriots. Naquela temporada, Hugh Millen, Scott Zolak, Tommy Hodson e Jeff Carlson foram titulares da posição ao longo da temporada. Nos últimos 27 anos, a franquia viveu uma estabilidade rara na posição mais importante do jogo — primeiro com Drew Bledsoe, que levou o time ao Super Bowl na pós-temporada 1996, e principalmente desde 2001, quando Tom Brady assumiu a titularidade depois de uma lesão de Bledsoe e se tornou o quarterback mais bem-sucedido da história da NFL.
Mas a realidade da liga é feita de ciclos, e Brady agora é quarterback do Tampa Bay Buccaneers. O Patriots precisará se reinventar, mesmo sem um poderio ofensivo dos melhores, para apoiar o próximo quarterback, seja ele quem for.
Quando as primeiras ondas do mercado e o draft passaram sem que novas opções estabelecidas fossem buscadas, o consenso era de que Jarrett Stidham seria o sucessor imediato de Brady. Afinal de contas, o jovem jogador foi o único reserva no elenco do ano passado — venceu a batalha da pré-temporada com Brian Hoyer —, é uma escolha de quarta rodada e tem características no estilo de jogo similares ao antecessor e a Jimmy Garoppolo, quem o Patriots trabalhou por quase quatro anos para ocupar o cargo. O acerto com Cam Newton no início de julho mudou o panorama da competição interna.
— A pandemia deve afetar nos ajustes, não só do Patriots, mas também de todos os outros times. Apesar de acreditar em mudanças no playbook ofensivo de New England este ano, elas não devem ser muitas. Com menos treinos, Josh McDaniels terá de testar sua criatividade com novas jogadas aos poucos, talvez até ao longo da temporada regular — avalia Ruan Nascimento, do site LeftTackle BR.
A pandemia do coronavírus pode ter sido justamente o motor para a contratação de Newton. Com as instalações dos times fechadas por meses antes do início do training camp, era impossível realizar exames médicos. E Newton, por ter perdido quase toda a temporada passada com uma lesão no pé — além do histórico recente de problemas no ombro — virou uma peça desvalorizada no mercado. O acordo, portanto, virou uma barganha nos moldes que Bill Belichick não costuma desperdiçar.
O básico da posição
As características de Newton e Stidham são completamente diferentes. Enquanto o veterano já foi o jogador mais valioso da NFL graças à sua habilidade atlética, mas nunca foi exatamente eficiente, Stidham chamou a atenção do Patriots por ser um passador de volume e ritmo. Em entrevista coletiva recente, Belichick disse que as diferenças entre eles não são um problema para a montagem do plano ofensivo do time para a temporada.
— Você define uma estrutura geral que quer implementar. Todo mundo tem de aprender certos fundamentos, certas bases. E todo o jogador, não importa por quanto tempo ele tenha jogado, dois ou 20 anos, ainda há uma progressão básica no training camp para aquela posição. É justamente isso que vamos fazer, é onde temos de começar. (...) Seria muito difícil para qualquer jogador funcionar bem sem fazer isso — disse o treinador.
Na prática, a ideia de Belichick, ao lado do coordenador ofensivo Josh McDaniels, é estabelecer um sistema básico e montar ajustes pontuais para quem vencer a competição. Para Rodrigo Palaver, head coach do Porto Alegre Pumpkins, a ideia na busca por Cam Newton foi entregar a McDaniels a possibilidade de construir um ataque com um quarterback mais móvel, uma tendência recente na NFL:
— Não diria que é um desejo, mas uma necessidade. Não vemos mais muitos QBs pocket passer na liga. Um dos poucos é o Drew Brees, e o Saints utiliza muito o Taysom Hill para jogadas de mobilidade.
Como poderia ser um sistema com Cam Newton
Pela história que tem na liga, Cam Newton é o provável titular - mesmo que tenha pouco tempo de treinos em relação a Stidham no sistema. Se o favoritismo se confirmar, será possível avaliar os ajustes esquemáticos propostos por McDaniels.
— Acredito que o McDaniels não vá mexer estruturalmente (no sistema). Talvez possamos observar alguns desenhos de jogadas específicas, já que ele vai ter um QB considerado móvel. Mas não podemos nos enganar: Cam Newton não é um scrambler. Existe uma bela diferença entre QB scrambler e QB móvel — acrescentou Palaver, ao salientar que o ex-quarterback do Carolina Panthers não costuma estender jogadas de passe, mas sim correr apenas quando o desenho da jogada prevê isso.
Para tentar entender quais ajustes podem ser feitos, o cenário mais parecido na carreira de Josh McDaniels foi o seu período como head coach do Denver Broncos. Na época, o time draftou Tim Tebow na primeira rodada de 2010. Ele não viraria titular antes da demissão do treinador, mas foi utilizado como alternativa a Kyle Orton em alguns pacotes.
— Acredito que ele possa adotar, sim, alguns desses conceitos. Mas não tanto quanto Tebow ou até mesmo Cam na Era Panthers. Cam já sofreu inúmeras lesões, e tenho certeza de que McDaniels vai tentar mantê-lo saudável. Não podem abandonar essa característica do jogo dele, mas acredito que vai reduzir a utilização para momentos mais oportunos — opina Pedro Pinto, analista do Canal Zona FA. — O playcall pode mudar para tentar encaixar as qualidades de Cam com a forma com que o sistema é rodado, mas certamente veremos características tradicionais dos ataques de McDaniels — complementou.
Estatística da semana
Cam Newton nunca teve o passer rating superior a 100. O maior da carreira foi de 99,4, em 2015, no ano em que foi MVP. E ele só passou de 90 duas vezes — a outra foi em 2018, quando fez 94,2 de rating em 14 jogos. Ou seja, ele nunca foi um passador prolífico — só passou das 4 mil jardas no ano de calouro, em 2011, até por ter tido um volume dividido com o alto número de corridas desenhadas ao longo da carreira.
Jogador fora do radar
Damiere Byrd é o recebedor mais rápido do elenco do Patriots. Historicamente, Cam Newton teve a tendência se explorar recebedores em velocidade no fundo do campo. Como Julian Edelman (agilidade), Mohamed Sanu e N'Keal Harry (possessão) têm estilos diferentes, Byrd pode ter um papel significativo no ataque.
Fique de olho
O right tackle Marcus Cannon foi um dos jogadores do Patriots que optaram por não jogar em 2020. Com isso, uma alternativa para reposição é Joe Thuney, que é guard e recebeu a franchise tag para esta temporada. Como a profundidade do elenco de New England é maior no interior da linha ofensiva, mudar a posição de Thuney — que já foi tackle no nível universitário - pode ser uma saída.