De fora, o hexacampeonato da seleção feminina e o bronze do time masculino de handebol do Brasil, nos Jogos Pan-Americanos de Lima, podem ser considerados resultados razoáveis, mesmo que as duas equipes tenham chegado ao Peru como favoritas ao título.
No Pan, além das medalhas de ouro estavam em jogo duas vagas diretas para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, para os campeões, e mais duas para o Pré-Olímpico Mundial, para os segundos colocados.
As mulheres confirmaram o favoritismo, derrotando a Argentina e mantendo uma invencibilidade de 24 anos na competição. A equipe, que já foi campeã mundial em 2013, está alguns passos à frente dos homens, por diversos fatores, um deles um convênio que levou a maioria das jogadoras para atuar em uma equipe da Áustria, anos atrás. Atualmente, elas atuam em diversos clubes do continente europeu e são disputadas por grandes equipes.
O resultado do time masculino foi inesperado. A derrota para o Chile, na semifinal, pegou todos de surpresa.
— O desempenho foi abaixo do esperado. A gente vem treinando desde 2017, pensando na classificação para Tóquio. Foi uma decepção bem grande pra todo mundo. Não consegui dormir, depois da semifinal, tive pesadelo. Mas o ciclo foi bom, tanto que fomos nono no Mundial e esse resultado pode nos colocar ainda no Pré-Olímpico — avaliou Thiagus Petrus, capitão da seleção.
Nono colocado no último Campeonato Mundial, o Brasil precisa que o Egito vença o Campeonato Africano e que Noruega, França, Alemanha, Suécia, Croácia ou Espanha decidam o título europeu com a Dinamarca, atual campeã do mundo. Os dois torneios continentais são em janeiro e darão uma vaga, cada, para os Jogos Olímpicos.
Primeiro jogador brasileiro a atuar no poderoso Barcelona, da Espanha, Petrus tentou explicar a atuação da seleção, na semifinal diante do Chile.
— A gente teve muitos erros de atenção, de concentração, no ataque, que se somaram à nossa falta de tranquilidade na hora de arremessar e atrapalhou. A nossa defesa também não esteve tão bem. Mas não tem uma explicação. Acredito que isso (perder pro Chile) aconteça de novo daqui 10 anos — comentou.
Segundo o jogador de 30 anos, ficar de fora dos Jogos de Tóquio será algo muito triste.
— Desde que joguei a última Olimpíada, quero voltar. Seria a segunda vez, porque em Londres perdemos o pré-olímpico e foi bem duro assistir pela televisão. Será uma grande tristeza — afirmou.
Mas porque o Brasil perdeu para o Chile ? Foram apenas os jogadores ? O que faltou ao time comandado por Washington Nunes, que assumiu a equipe depois dos Jogos Rio 2016, no lugar do espanhol Jordi Ribera ?
— A nossa seleção adulta teve tudo bancado pelo COB. Mas quanto à estrutura, o handebol brasileiro é deplorável. Tem um CT, em São Bernardo do Campo, que é um elefante branco, está largado às traças. As seleções de base se encontram no aeroporto e vão pro Mundial. A Liga Nacional não se sabe quantos jogam. Espero que a nova gestão da CBH mude — disse Petrus.
O campeão pan-americano em Toronto 2015 acrescentou que os atletas estão se mobilizando, mas que ainda não são ouvidos pela Confederação Brasileira de Handebol (CBHb).
— Tem um grupo de atletas que está se organizando pra montar uma associação e pressionar a confederação. Lá, agora tem o Zeba, nosso ex-capitão. Mas a CBHb ainda não nos escuta, mesmo que a gente ofereça ideias. Já oferecemos apoio jurídico, de graça, com contatos de advogados conhecidos, para auxiliar na reestruturação do estatuto. Precisa mudar a base da confederação, que hoje depende do dinheiro do governo. Hoje ninguém quer patrocinar o handebol, porque não vê retorno — afirmou desolado.
— Qualquer oferta que vem da Europa nós vamos, independentemente do valor, do país, porque no Brasil está difícil de jogar. E lá, pouco a pouco nós melhoramos, e isso tem ajudado a seleção — revelou Thiagus Petrus, que disse que seu objetivo é devolver ao esporte tudo que ele já lhe proporcionou.
Quem também falou sobre todos os problemas que assolam o handebol brasileiro foi o goleiro César.
— O ciclo passado em que estava o Jordi, tinha os camping (programas de treinamento realizados por diversas regiões), onde eu e muitos foram descobertos. Mas depois do Rio 2016 caiu. E isso é necessário para se descobrir jogadores. O Rogério, nosso pivô, um dos melhores do mundo, é do Pará e foi revelado assim — disse o jogador de 30 anos.
Assim como Thiagus Petrus, César mantém a esperança de dias melhores, tanto que criou um clube em São Paulo, onde trabalha com categorias de base.
— Montei um time em Guarulhos, em 2015, com ajuda de um time da Terceira Divisão da Noruega, chamado Hércules, que mandou os uniformes. Começamos com sete e hoje tem mais de 100 meninos. A gente tenta ajudar com comida, escola. Tem alguns pais que tem dinheiro e também ajudam e isso é fundamental. São três times, fomos campeões brasileiros juvenil, me orgulho disso. É difícil fomentar o esporte, tem poucos times, três no máximo, que são profissionais no Brasil — disse Bombom, como é conhecido o goleiro brasileiro na seleção.
Na Europa desde 2013, onde já atuou na Espanha e na Noruega, César diz que impossível se comparar o desenvolvimento da modalidade no Brasil com qualquer país europeu.
— A gente vê como é lá na Europa, onde qualquer país dá de 10 na nossa Liga. Falta visibilidade da Liga Nacional, não tem transmissão em TV, apenas das finais, e temos que agradecer que tem ao menos isso — disse o goleiro que irá jogar no Toulouse, da França, na próxima temporada.
Atualmente, mais de 70 jogadores brasileiros atuam na Europa, o que ajudou a elevar o nível técnico da própria seleção, apesar de muitos problemas de estrutura.
— Para treinar, alguns pagaram passagem do bolso. Alguns se hospedaram na minha casa, no período de folga dos treinos do Pan, porque não tinha como bancar estadia. Minha casa virou um hostel — concluiu César, que apesar da dificuldade mantém um sorriso constante de quem acredita num futuro melhor.
O drama do handebol brasileiro vem de longa data e tem um nome: má gestão. Em abril do ano passado, o então presidente Manoel Luiz Oliveira, que estava no cargo há 28 anos, foi afastado pela justiça, após várias denúncias de irregularidades. Antes do Pan, no último dia 15 de julho, o Ministério Público do Sergipe denunciou o dirigente por cometer fraude na contratação de segurança para a realização do Campeonato Mundial feminino de 2011, em São Paulo.