No ano 2000, tinta úmida no diploma, flanava pelas ruas de Pelotas com o bloquinho de repórter da Zero Hora em punho. Uma ostentação juvenil, reconheço. Nele, anotei uma ideia que súbito me ocorreu, nas calçadas estreitas da Quinze. A sugestão de reportagem sobre os 15 anos da epopeia do Xavante no Brasileirão de 1985 foi acolhida com carinho em Porto Alegre. Tanto que miramos duas páginas no domingo.
Além de um apanhado das batalhas em campo, combinamos narrar como estavam dois personagens. Um deles, naturalmente, era o Bira, carrasco do Flamengo de Zico. Achei-o com certa facilidade, gerenciando uma loja no Calçadão, com aquele sorriso largo de sempre. O outro, por insistência minha, foi o Doraci. Aprendi a admirá-lo graças ao meu pai, que, do alambrado da Baixada, me alertava:
— Olha a elegância desse 5, guri.
Nunca me esqueci da galhardia com que Doraci corria à frente da nossa área. Custei a encontrá-lo, aliás. Doraci trabalhava guarnecendo carros-forte, quase uma metáfora do que ele fazia pelo nosso clube. Um dia calhou, e fui recebido na casa dele, num conjunto popular para os lados do Py Crespo. Era um inverno de aleijar cachorro, mas saí tão aquecido daquele papo que verti o texto num só fôlego e enviei à redação, na Capital.
Poucas vezes esperei tanto um domingo. No dia, folhei nervosamente a edição e só encontrei o texto do Bira. Um anúncio tardio obrigara o editor a encolher o espaço previsto, com sacrifício do perfil do Doraci.
Na segunda-feira, o telefone da sucursal tocou:
— Por gentileza, o Fabrício.
— É ele — respondi.
— É o Doraci. Não achei o texto sobre mim.
Já trabalhei com o prédio do jornal ameaçando desabar nas enchentes de Blumenau, fui corrido a tiros de enterro de bandido, demiti pessoas, banquei notícia indigesta contra gente graúda. Tudo se equipara ao silêncio que se seguiu ao telefone quando expliquei ao Doraci o que tinha havido para o texto não ter sido publicado.
Agora, em que o Xavante reaviva nosso senso de comunidade, peleando com dignidade na Série B sob o comando do Rogério Zimmermann, me pus a pensar no Doraci. Um dia ainda vou encontrá-lo para dizer dessa minha dor, que, 18 anos depois, não cessa.