Fernando de Carvalho Lopes, ex-técnico da seleção brasileira de ginástica artística, está afastado do cargo desde 2016, quando foi acusado de ter cometido abusos sexuais em dezenas de atletas e de ex-atletas. O afastamento, que ocorreu um mês antes dos Jogos Rio-2016, foi uma medida cautelar até que tudo fosse apurado. No último domingo (29), uma reportagem do Fantástico, da Rede Globo, mostrou depoimentos de supostas vítimas do treinador, que nega as acusações.
O nome mais conhecido entre os denunciantes é o de Petrix Barbosa, medalhista de ouro na competição por equipes dos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, em 2011. Fernando foi seu primeiro técnico, no Mesc (Movimento de Expansão Social Católica). Eles trabalharam juntos por seis anos. Aos 13, o atleta não aguentou e resolveu sair. O treinador nega as acusações.
— Já acordei com ele, não sei quantas vezes, com a mão dentro da minha calça. Ele sempre perguntava como estava nosso desenvolvimento. Eu tinha 10, 11 anos, e ele (alegava que) precisava acompanhar nosso crescimento, então dizia que a gente precisava mostrar o pênis. Eu era o queridinho. Ele tinha uma paixão por mim que eu nunca soube explicar. E todos viam e sabiam disso – contou o ginasta, hoje com 26 anos.
A maior parte nos nomes ouvidos pela reportagem não quis ser identificada, mas atletas e ex-atletas contaram detalhes de como era a convivência com Fernando e de que modo os abusos aconteciam. Era comum ouvirem o comandante pedir para ver e tocar em partes íntimas com a justificativa de que isto definiria o plano de treinamento a ser colocado em prática.
— Ele mandava um embora mais cedo para entrar no banheiro. Já chegou a pedir para eu me masturbar na frente dele. Já tentou pegar no meu pênis. Já pegou, não posso mentir – afirmou uma das vítimas.
O mesmo ex-atleta contou que tudo acontecia em uma salinha no clube de São Bernardo, onde os garotos eram chamados individualmente.
— Ele pedia pra gente ir na salinha dele. Que só podia entrar ele. Só podia entrar lá com ele. E lá ele ficava perguntando se a gente já se masturbava, pedia para ficar fazendo na frente dele. Mas ele falava: “Não, você tem de virar para frente”. Ele ficava olhando nossas partes íntimas. E ficava pedindo para tocar no nosso pênis – contou o garoto, hoje com 22 anos.
As denúncias começaram em 2016, quando um menino de 13 anos resolveu revelar aos pais os abusos que vinha sofrendo do treinador no clube paulista. Ele contou que Fernando o perguntava se ele havia entrado na puberdade ou se já tinha pelos na região do pênis, pois a informação "seria necessária para mudar o treino”. Em outra parte do depoimento, a vítima afirmou que o treinador “tocava com frequência seus órgãos genitais”, e que durante um exercício de flexibilidade, ele “enfiou a mão em seu calção e retirou seu pênis para fora”.
— Eu saí perguntando e descobri que havia acontecido com vários garotos. Os moleques tinham medo. Eu estava pedindo ajuda a todos para irem depor, todos que sofreram. Da época do meu filho, todos infelizmente pararam a ginástica. Eu questionei muito o meu filho. Perguntei: Por que não me contou antes? E ele me explicou que achava que eu gostava do Fernando. Mas não era isso! Eu pensava só que ele era um bom técnico, eu fui enganado, como muita gente também foi – disse o pai do garoto.
O caso chegou até a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) e ao Comitê Olímpico do Brasil (COB), o que levou ao afastamento de Fernando da Seleção no dia 14 de julho de 2016. Ele nunca mais voltou a trabalhar na equipe, mas mantém um cargo administrativo no Mesc.
O treinador é apontado como um dos grandes responsáveis pelo sucesso de Diego Hypolito, prata na Rio-2016 no solo. O atleta afirmou que, até algum tempo atrás, não acreditava nas acusações, mas disse que mudou de ideia.
— Minha sensação é de que era fofoca. Hoje em dia, eu não acredito que não seja real. Muita gente teve a coragem de falar – falou Diego, que, na época do afastamento de Fernando, caracterizou sua relação com o treinador como estritamente profissional.
Alguns dos ex-atletas do acusado afirmaram ainda que Marcos Goto, coordenador técnico da Seleção Brasileira e profissional do São Caetano, para onde muitos ginastas se transferiram após os abusos, fazia piada do assunto com os ginastas. Eles reclamam que ele, assim como outros treinadores, sabiam dos casos e nunca fizeram nada para mudar a situação. Ele foi procurado, mas não quis dar entrevistas.
Conhecido pelo jeito explosivo e rígido no treinamentos, Fernando disse à reportagem do que tem a consciência limpa de que não cometeu crimes e falou que os acusadores terão de provar o que estão falando.
— Nunca fui um técnico legal. Eu fui um técnico sempre muito rigoroso, às vezes até demais. E acho que por outro lado eu tive um problema de ser um cara que muitas vezes misturei, de achar que eu era mais do que um técnico. Acho que eu podia ser um amigo, podia ser um pai, que podia ser qualquer outra coisa. Então, isso talvez tenha dado uma margem de interpretação errada para cada um deles. Mas a ponto desse tipo de acusação, eu não tenho o que falar, eu acho que eles vão ter que provar. Eu sei que eu tenho minha consciência limpa no que diz respeito que eu nunca estuprei, que eu nunca molestei ninguém, num intuito como está sendo colocado, entendeu? – disse o treinador.