Thomaz Bellucci desembarcou em Porto Alegre no último final de semana de novembro com uma missão especial: conhecer, enfim, o projeto social WimBelemDon na zona sul da capital gaúcha. Esta foi a primeira vez do tenista número um do Brasil na ONG que há 16 anos promove inclusão social de crianças carentes por meio do tênis.
Bellucci não esconde: "Estava devendo uma visita", conta sorridente. Entre diversos nomes de expressão do tênis brasileiro, a presença dele era a única que faltava. Guga, Bruno Soares, Marcelo Melo, André Sá, Fernando Meligeni e Thomaz Koch são alguns dos atletas e ex-atletas que já haviam conhecido e participado de uma edição do torneio Rolando Arroz – competição anual do projeto.
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– Eu já tinha falado com o Marcelo (Rushel), um dos fundadores, para tentar vir há uns anos mas sempre faltava tempo. Sempre caia no meio dos meus treinamentos e pra vir de São Paulo pra cá às vezes era complicado. Esse ano eu consegui arranjar dois dias pra vir e fiquei muito feliz de estar aqui presente. É um projeto que eu acredito muito. O Marcelo é uma grande pessoa, conheço ele há muito anos e tô muito feliz de estar aqui. Tô bem feliz de estar contribuindo um pouquinho, às vezes é pouco pra gente, mas pra elas (crianças) acaba sendo muito importante – afirmou Bellucci, em entrevista a Zero Hora no último domingo.
Aos 28 anos, o paulista do Tietê carrega o status de atleta mais importante da atualidade no tênis brasileiro. Atencioso, Bellucci é reconhecido pelas crianças e prontamente atende a todos os pedidos de autógrafos e fotos.
– Pra essas crianças ter a chance de jogar e receber os valores que o tênis ensina desde pequenos é muito importante. Além das atividades extras que eles têm aqui, é importante eles terem um pouco da vida deles dentro de uma quadra – ressaltou.
Na rápida passagem por Porto Alegre, Bellucci atendeu a reportagem de ZH e, em longa conversa, falou sobre a carreira, seu futuro e o tênis brasileiro.
O tão esperado apoio da torcida brasileira
No Brasil, seu favoritismo é indiscutível em termos de resultados. Mas mesmo ocupando o posto de número um do Brasil há oito anos, Bellucci nunca havia caído nos braços do torcedor brasileiro. Pelo menos não até os Jogos Olímpicos Rio 2016.
Mesmo sem a medalha, o paulista deixou o Centro Olímpico de Tênis com o sentimento de enfim ter encontrado a receptividade dos fãs nacionais de tênis.
– Foi diferente. Eu senti um carinho que antes nunca havia sentido. Senti que a torcida estava comigo independente do que acontecesse dentro da quadra. Foi o ponto mais alto desse ano, em termos de resultados também. Consegui jogar um grande tênis, com a torcida, que para mim foi muito especial. Foi uma Copa Davis maximizada (risos) – relembrou emocionado.
Segundo o melhor do país, a competição serviu para renovar e firmar cada vez mais seus laços com a torcida brasileira.
– É uma sensação incrível estar dentro da quadra com 10, 12 mil pessoas torcendo para mim. Já foi a minha terceira Olimpíada, mas para mim foi muito mais especial do que as outras duas que eu já havia jogado. Foi indescritível a sensação que é entrar na quadra e defender o seu país com tanta gente torcendo – exaltou.
Thiago Monteiro: uma "ameaça" amigável
Em 2016, Thomaz viu sua hegemonia no topo do ranking brasileiro ameaçada. O cearense Thiago Monteiro, de 22 anos, fez a melhor temporada de sua carreira, entrou no top 100 e colocou Bellucci em alerta: após quase uma década, o paulista poderia perder o posto de melhor tenista brasileiro do mundo.
– O Thiago teve que batalhar desde pequeno e hoje ele está conseguindo alcançar um posto um pouco melhor no ranking e eu torço muito por ele. Treino com ele no Rio há algum tempo, sempre tento passar a minha experiência para ele e tomara que ele me passe no futuro. Tomara que eu não siga número um, tomara que ele consiga subir no ranking (risos). Tanto ele, como outros jogadores, tomara que consigam me passar de longe no ranking – declarou descontraído.
Para o paulista não existe rivalidade entre os atletas quando o assunto é a busca de melhores resultados para o Brasil. Atualmente Bellucci é o 61º melhor tenista do mundo, já Thiago ocupa a posição 82ª no ranking.
– Zero rivalidade. Eu torço por ele, ele torce por mim. A gente é amigo fora de quadra, a gente treina junto. Tô sempre torcendo para que ele consiga bons resultados. O Thiago é um grande menino, ele tem um caráter muito bom, ele é um exemplo muito bom para as crianças. Daqui a pouco eu acho que to parando de jogar e espero que, quando eu pare, outros jogadores possam me substituir – ressaltou.
Comparação inevitável: Guga x Bellucci
Desde que Gustavo Kuerten saiu de cena, Thomaz é o melhor jogador de simples do país. Depois de Guga, é também o melhor simplista da história do Brasil. O paulista atingiu seu melhor ranking em 2010 quando se tornou o tenista número 21 do mundo. Tais resultados não evitaram as inevitáveis comparações com um dos melhores atletas brasileiros de todos os tempos.
– No começo da minha carreira, quando eu comecei a ter melhores resultados, todo mundo queria comparar a minha carreira com a carreira do Guga. Tinha uma carência de ídolo na época, o Guga estava parando e não tinha nenhum jogador naquela época surgindo. Comecei a ter bons resultados e tudo mundo queria comparar: "Pô, será que ele vai alcançar o que o Guga alcançou?" – lembrou.
O próprio Thomaz reconheceu que era complicado não sentir a pressão e a cobrança, mas que, com o tempo, o público conseguiu entender que o Guga foi um cara único e que alcançá-lo seria um feito difícil.
– É difícil. O Guga teve tantos resultados na carreira e eu acabei ficando muito distante do que ele alcançou. Mas com o tempo as pessoas foram deixando de comparar, sabendo que o Guga foi o Guga, que ele foi um cara único por ter alcançado o número um do mundo e pelo carisma dele. Depois de um tempo eu não sentia mais essa pressão, foi uma coisa meio que natural. No começo eu tinha um pouco e depois eu fui sabendo lidar com isso e as pessoas também entenderam que o Guga era o Guga e que o Thomaz era Thomaz. Hoje em dia eu já sou um cara mais maduro, mais experiente e já sei lidar melhor com isso – afirmou.
A hora da aposentadoria
Sobre a fatídica hora de encerrar a carreira, Bellucci é categórico e afirma ainda não pensar muito nisso. Porém, aos 28 anos, o paulista sabe o momento ideal de parar e arrisca: "Pretendo jogar pelo menos mais uns três ou quatro anos".
– Depende um pouco como eu estiver no ranking, como eu estiver fisicamente. O tênis é um esporte um pouco massante, você viaja bastante, uns 7, 8 meses por ano. Se eu estiver com um ranking bom, entre os 50, jogando os melhores torneios, eu vou seguir jogando. Não tenho previsão pra parar, não. Quando eu ver que não tenho mais condições de sustentar o meu nível de jogo, vai ser talvez a hora que eu vá parar. Mas ainda acho que é um pouco cedo para pensar nisso – finalizou.
Confira o restante da entrevista com o número um do Brasil na íntegra:
1) Ocupando a posição 62 no ranking, tu considera o ano de 2016 ruim em relação a metas estabelecidas no inicio da temporada? Ou era o que você imaginava?
Não, eu esperava terminar o ano um pouco melhor. A gente sempre trabalha para melhor a cada ano, esse ano não foi um ano tão bom. Eu comecei entre os 40 melhores do mundo e terminei bem abaixo do que eu tinha planejado. É difícil, o circuito é muito competitivo. A gente sabe que tem sempre altos e baixos na carreira. É claro que esse ano eu poderia ter jogado muito melhor, infelizmente não foi possível. Mas a gente vai trabalhar forte para começar bem o ano de 2017 e quem sabe voltar entre os 30 do mundo.
2) Esse ano as questões físicas te atrapalharam em alguns momentos no circuito. Esse problemas foram sanados, podemos esperar em 2017 um Bellucci 100%?
No segundo semestre desse ano eu me senti muito melhor fisicamente. A partir de março e abril, a gente privilegiou muito mais a parte física do que técnica e deu muito resultado. Eu consegui jogar um segundo semestre muito melhor que o primeiro. Então, acredito para o ano que vem a gente não vai ter nenhum problema. Vamos fazer um boa pré-temporada, temos um mês e meio para trabalhar e corrigir o que não foi bom nesse ano. Acho que isso não me preocupa muito não, o mais importante é eu estar mais feliz dentro de quadra, fazendo o que eu sei fazer e vamos tentar alcançar nossas metas e objetivos, que é melhorar esse ranking e jogar um tênis melhor.
3) Talvez a maior critica ao tenista Thomaz Bellucci seja os grandes desempenhos diante de tenistas com ranking superior e as atuações ruins contra tenistas de ranking inferior. Tem alguma explicação pra isso?
Tem a motivação e a pressão. Você entra com menos pressão quando você joga com um cara que tem um ranking melhor com o seu, você entra na quadra sabendo que se você ganhar é legal e que se você perder era o cara que tinha a obrigação de ganhar de você. Entra com uma motivação maior também, de jogar com um cara que tem um ranking melhor. É diferente você jogar contra o Djokovic e jogar com um cara que é 200 ou 300 do mundo. Então, isso tudo afeta dentro de quadra. Meu objetivo sempre foi entrar na quadra como se eu tivesse jogando contra o número um do mundo. Sempre com uma motivação lá em cima. Jogando relaxado também, sem me pressionar tanto. Acho que com o decorrer da minha carreira eu fui me pressionando porque talvez eu não estivesse conseguindo alcançar os objetivos que eu queria, daí me pressionava cada vez mais. Mas cheguei em um ponto da minha carreira que, hoje em dia, eu dou o meu máximo dentro de quadra. Eu tento ser cada dia melhor, mais tolerante comigo mesmo, sabe? De saber que altos e baixos acontecem. De que você pode estar em um dia ruim, e tem que saber lidar com isso. Em tudo isso acredito que tenha melhorado nesse ano. Consegui entrar na quadra diferente.
4) O João Zwetsch (treinador) te ajudou muito nesse sentido?
Ajudou sim. O João é um cara que dentro de quadra sempre me ajudou muito na parte técnica. E fora da quadra, mais do que um técnico, ele é um amigo. A gente está sempre conversando sobre muitas coisas diferentes, além do tênis. E a gente sabe que o tênis é uma parte pequena da nossa vida, com 30 e poucos anos a gente está parando de jogar. Então a gente tem que ver o tênis além disso. A importância que o tênis tem para a vida das pessoas. A partir do momento que você entra na quadra, você serve como uma inspiração para as pessoas, como exemplo. Isso tudo, com o cotidiano, você acaba esquecendo. Você acaba não alcançando os objetivos que você quer, você fica frustrado, mas o tênis é além disso né. O esporte agrega valor além dos resultados. Dentro da quadra você tem que se dedicar independente do que aconteça.
5) Qual é ou foi o tenista mais chato com quem você já jogou contra?
Tinha um austríaco, que nem joga mais. Ele era um cara muito chato dentro de quadra, ele começava a te irritar (risos). Na virada, ele começava a conversar com você tentando te tirar de jogo. Tentava te dar bolada no meio do jogo. Isso tudo pra te tirar a concentração. Eu acabei perdendo pra ele uma vez, porque eu sai de jogo. Ele me irritava demais e você não está acostumado com isso. No tênis, você está de um lado da quadra e o cara está a 20 metros de você. Não tem como o cara muito te irritar, mas esse cara era muito chato. Ele me irritava demais (risos).Hoje em dia ele não ia me irritar tanto, sou um pouco mais experiente. Mas na época que eu tava começando a jogar, uns 10 anos atrás, ele me irritava. Ele não fazia isso só comigo, mas com todos os jogadores.
*ZHESPORTES