Sei que o declínio do futebol brasileiro (depois dos 7 a 1 ninguém contesta) tem muitas causas, mas fico com a principal: a Lei Pelé. Sempre fomos o país produtor e exportador de craques, e continuamos sendo. O que mudou? A idade.
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Antes exportávamos craques, negociados já na maturidade da carreira – entre 26 e 28 anos –, com o peito cheio de faixas de campeão por seus clubes e até pela Seleção. Exemplo local: Falcão, que já viajou Rei. Só faltava Roma.
Era nos clubes que os craques surgiam e se consagravam, e muitas vezes o melhor desses times era a base do escrete, como Botafogo de 1962, o Santos de 1970, ou, mais distante, o Vasco de 1945 a 1950. Hoje, os selecionáveis vêm do mundo inteiro e se conhecem nos treinos. Sem falar nos valores das transações, astronômicos, pagos pelos grandes da Europa. O comprador, geralmente era uma grife, hoje são instituições quase secretas da Ásia, da Ucrânia e até do Uzbequistão.
Agora, vendemos garotos, alguns quase desconhecidos, que vão aparecer ou consagrar-se já na Europa. O melhor exemplo vem da vizinha Argentina – o Barcelona levou de graça o impúbere Messi e hoje o empresta de má vontade à seleção do seu país.
Por quê? Lei Pelé, que, via Fifa, é mundial. Mudou o indexador das indenizações, antes chamado "passe", hoje direitos federativos, em nome de libertar o atleta. Mas, na verdade, sujeitando-o, desde as categorias de base, a essa robusta e crescente figura chave das transferências: o empresário. Mas ele não é o mal, é a consequência. O mal está na formação do valor indenizável, que extinguiu a oferta salarial como parâmetro e estabeleceu a remuneração em curso, quando podia conjugá-las.
Esse cenário obriga o clube a adivinhar o craque na adolescência, e, quando acerta no contrato limitado a três anos (Fifa), vende barato. Quando erra, paga por anos o craque não confirmado. Não é algo novo, que ocorra só no futebol. No comércio mundial, os ricos sempre pregam a livre negociação quando são competitivos e o contrário quando não são. Experimente vender etanol para a Europa e os Estados Unidos.
Esse apego interesseiro pela "liberdade" me faz lembrar o acadêmico francês Henri Lacordaire: entre o forte e o fraco, o rico e o pobre, o senhor e o servo, a liberdade escraviza; a lei é que liberta. Nossa lei "libertária" escravizou o futebol brasileiro.
*ZH ESPORTES