O mais aterrador no futebol é que acertar o adversário com o cotovelo é normal. Ou está normalizado pelo senso comum. Figueroa era o rei do cotovelo, e o Rei do futebol, Pelé, era useiro e vezeiro em enfiar o cotovelo na cara dos zagueiros durante as disputas de bola. São dois exemplos, mas se multiplicam exponencialmente ao longo dos anos e se inseriram na cultura do futebol.
O que aconteceu entre Bolaños e William não foi covardia, não foi exagero, não foi violência desmedida, não foi agressão nem imprudência. Foi pior: foi normal. Como é normal a motivação imposta aos jogadores. Técnicos insuflam, dirigentes pressionam, equipes técnicas criam vídeos motivacionais, e o resultado são profissionais entrando em campo em estados alterados de consciência. Tudo pela motivação.
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Aterrador porque é corriqueiro. Acidente de trabalho, dizem alguns. Pode ser visto desta forma, com olhos cegos que apreciam um desfile de banalidades em que tudo é aceitável. Justifica-se que todos fazem o mesmo. Os jogadores do mundo todo, do Barcelona ao União Forquetense, todos eles sobem para dividir com braços abertos, tentando encaixar o cotovelo em cima do ombro, buscando, indiferentes às consequências, milímetros de espaço. É normal, é banal.
Todos fazem. Justificativa que não deixa de ser ambígua, pois então pode ser normal subornar porque outros subornam, corromper pelo simples fato de que sempre foi assim. Justificar com o argumento que outros fazem é uma das falácias que assolam o Brasil.
Transformar uma brutalidade em coisa normal é fechar os olhos para nossa capacidade de alterar o destino. Depois que bola na mão virou pênalti, nenhum zagueiro se antecipa a um cruzamento com braços abertos. Os escondem atrás do corpo. Há que haver uma mudança de mentalidade. Há que se sustentar os limites da motivação dentro do elementos do jogo, afinal não somos animais, treinados para matar, mas sim para jogar. Quando o vice-presidente dos EUA vai ao Oscar evocando uma mudança de mentalidade sobre a questão do estupro, revela que as grandes questões são muito mais do âmbito dos princípios do que das leis. Aqui cabe o raciocínio. Não se trata de punir, banir ou ignorar e sim empreender um esforço de mudar a mentalidade do futebol.
E assim em outras áreas da vida de relação. Mudança de mentalidade deixa a lei para o casos extremos, os casos fora da normalidade. Uma mudança de mentalidade em direção à ética da solidariedade. E a solidariedade é a essência do humano. Sem ela, somos animais selvagens. E na essência de fato somos, mas podemos mudar isso, pois o modo que se joga futebol pode revelar o homem queremos ser.
*ZHESPORTES