A frase a seguir traduz a atual fase vivida pelos surfistas brasileiros na elite do circuito mundial.
- Parece que a tempestade brasileira é mais poderosa que o El Niño - comparou Benjamin Marcus, ex-editor da conceituada revista Surfer e hoje escritor, em entrevista a ZH.
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Se há um consenso entre os jornalistas especializados é que o título conquistado por Gabriel Medina, no ano passado, além de ter servido como coroação de um esforço de gerações que começaram a competir ainda na década de 1970, significou o carimbo no visto de entrada dos brasileiros no mundo do surfe, antes dominado por americanos, havaianos e australianos.
Será na mítica praia de Pipeline, no Havaí, onde nesta terça-feira começa a ser disputada a decisiva etapa do Mundial de surfe, que a tempestade chegará com mais força. Dos seis candidatos ao título mundial, três são brasileiros.
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A disputa será concentrada entre Filipe Toledo, Adriano de Souza, o Mineirinho, e Gabriel Medina (4º colocado) e o experiente Mick Fanning, tricampeão mundial e atual líder do ranking.
Mesmo com possibilidades matemáticas, Owen Wright e Julian Wilson precisam de uma improvável combinação de resultado para levar o caneco. Apesar de estar 150 pontos à frente de Wilson no ranking, em 6º lugar, o potiguar Ítalo Ferreira está fora da briga. Isso porque, devido ao regulamento do Mundial (que prevê o descarte dos dois piores resultados da temporada), o brasileiro já não tem mais condições de alcançar a atual pontuação de Fanning.
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A janela de competições ficará aberta de terça-feira até o dia 20 dezembro - tudo irá depender das condições do mar. A previsão é de entrada de uma forte ondulação ainda na primeira semana da etapa, o que pode fazer a disputa terminar mais cedo. No ano passado, após uma longa espera, a etapa foi disputada no último dia da janela.
Duas conclusões podem ser tiradas de Pipeline, de acordo com ex-surfistas profissionais que já pegaram tubos na famosa praia do North Shore (costa norte) de Oahu, no Havaí: é preciso treinar. E, para treinar, é preciso ter atitude. Em uma das ondas mais cobiçadas do planeta, o localismo é um fator que atrapalha qualquer atleta que pretenda se aperfeiçoar nos tubos do pico.
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Não é raro escutar episódios de confrontos físicos entre locais e surfistas de fora, que disputam uma dropada em um espaço de 10m², tomado por mais de 150 pessoas em dias de ondulação consistente. Em entrevistas a ZH, Renan Rocha, Rosaldo Cavalcanti, Ben Marcus e Fábio Gouveia falam sobre as dificuldades de surfar em Pipeline e os favoritos ao título.
AS OPINIÕES
RENAN ROCHA, ex-surfista profissional e comentarista dos canais ESPN
Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelos surfistas em Pipeline?
É uma onda desafiadora e muito perigosa. Ela quebra muito próxima da praia, e isso faz com que o público fique ainda mais impactado com as performances. Os surfistas que dominam a onda são os mais respeitados. Os havaianos têm uma certa política para você poder treinar lá, o número de surfistas na água é imenso. Se eles tiverem de partir pra porrada pra tirar alguém da água, eles fazem. Muitos atletas não conseguem nem sequer treinar em Pipeline por causa disso. Então, fica muito difícil fazer uma preparação considerada ideal, entender a onda e fazer a leitura correta dela. No Havaí, não há nenhuma onda parecida para poder treinar. Para o atleta dominar essa onda, primeiro, é preciso ter um equipamento correto. Depois, é ter atitude. Atitude de remar na onda que pode te machucar, botar para baixo no tubo que tu pode morrer. Só com atitude para poder treinar lá e conquistar o respeito dos havaianos.
Quem é o favorito para o título mundial? Dos brasileiros, qual está melhor preparado?
Os mais preparados, sem dúvida, são Mick Fanning e Gabriel Medina. São os que surfam melhor a onda e os que estão mais aptos a vencer. Agora, quem vai vencer dependerá do tamanho das ondas e para qual direção elas vão quebrar. Se o mar estiver muito grande e a onda quebrando para a esquerda, o Medina leva vantagem. Se quebrar para direita e esquerda, o Fanning se beneficia. Se tiver um mar pequeno, Adriano e Filipinho levam vantagem. Mas o Gabriel Medina é o mais preparado. Ele sabe surfar tanto pipeline (onda que vai para a esquerda) quanto backdoor (para a direita). O Mineirinho e o Filipe Toledo ainda precisam mostrar mais.
A tempestade brasileira veio para ficar?
Esta geração veio para ficar. E vão ficar aí por mais, no mínimo, uns 10 anos dominando. E as próximas gerações também vêm com tudo. Hoje, o esporte mudou bastante sua imagem. Antes, os pais não queriam que seus filhos fossem surfistas profissionais, mandavam os filhos estudar engenharia, medicina, o que desse dinheiro. Com o alto nível que o esporte atingiu, a sociedade respeita mais e incentiva os atletas a se profissionalizarem. Isso não vai parar, não. O Medina, por exemplo, deve competir em alto nível até os 35 anos. Hoje, com 21, ele já dita o ritmo do esporte.
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ROSALDO CAVALCANTI, jornalista e surfista
Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelos surfistas em Pipeline?
Pipeline é o Maracanã do surfe. Todo surfista sonha em surfar lá. É uma onda mística. É lá que todo surfista deixa de ser menino para virar homem. O jeito que a onda sobe na frente do surfista é de uma maneira diferente. Em Pipe, diferente de qualquer lugar do mundo, você rema por trás da onda. Já houve casos de morte lá. O localismo lá atrapalha muito. O espaço que você senta para pegar a onda é um muito pequeno, deve ter uns 10m². Fica todo mundo concentrado ali e existe uma hierarquia dentro da água. Demora um tempo até o surfista conquistar seu espaço dentro da água. A melhor maneira de se preparar para Pipeline é estar dentro da água o maior número de vezes possível e testar pranchas para saber qual o melhor equipamento para cair.
Quem é o favorito para ganhar o título mundial? Dos brasileiros, qual está melhor preparado?
O favorito acho que é o Filipinho. Ele tem a vantagem do descarte. Aquela decisão em Jeffrey's Bay, na África do Sul, em que o Mick Fanning foi atacado por um tubarão e os dois finalistas (Fanning e Julian Wilson) ficaram com o 2º lugar, pode ter dado o título ao Filipinho. Talvez seja a final mais emocionante da história do WCT. Mais preparado, porém, acho que está o Fanning e o Gabriel Medina, que tem um jogo mental muito forte. Mas se eu tiver que dizer quem mais merece, e por quem estou torcendo, é o Adriano de Souza. Ele é o cara que mais treina, o mais determinado, disciplinado, na minha opinião, o que mais merece. Ele é muito dedicado.
A tempestade brasileira veio para ficar?
Certamente veio para ficar. Esta geração veio muito forte e tem muitos atletas de alta capacidade. Mas é importante lembrar das gerações anteriores à tempestade brasileira. Tem muitos grandes atletas que asfaltaram esse caminho pelo qual os surfistas atuais caminham. Eu acho que, se hoje existe a tempestade brasileira, é porque lá atrás várias gerações abriram essa porta. Hoje em dia, a grande mudança é que os atletas são cada vez mais atletas, são mais profissionais.
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BENJAMIN MARCUS, ex-editor da revista Surfer e escritor
Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelos surfistas em Pipeline?
Em termos de lesão e morte, Pipeline ainda é a mais perigosa do mundo. Machucou e matou mais surfistas do que qualquer outra onda. Gerry Lopez (ex-surfista) disse uma vez: "Pipeline é uma barbada se você conhece como surfá-la". Ele estava sendo um pouco exagerado, claro, porque sabe que ela não é uma onda fácil. Mas, nos tempos dele, existia poucos surfistas em Pipeline. Nos dias de hoje, Pipe é muito, mas muito, crowd, com 150 caras surfando em dias lotados. Isso faz a onda ser de difícil aprendizado para qualquer novo surfista. E isso traz uma vantagem para surfistas como John John Florence e Kelly Slater. Para eles, surfar em Pipeline com altas ondas é como sair da cama pela manhã. Esses dois backsiders (que surfam de costas para a onda), e outros, fazem a onda parecer uma barbada.
Quem é o favorito para ganhar o título mundial? Dos brasileiros, qual está melhor preparado?
É impossível dizer quem é o favorito. Mick Fanning e Gabriel Medina são, provavelmente, os mais competitivos e os mais determinados, mas tudo pode acontecer em Pipeline. Depende das condições. Eu não sei qual dos candidatos ao título fará melhor se (o mar de) Pipeline estiver grande e deformado. Talvez Owen Wright e Mick Fanning.
A tempestade brasileira veio para ficar?
Parece que a tempestade brasileira é mais poderosa que o El Niño. Para mim, com quatro representantes entre os 10 melhores, a tempestade brasileira veio para ficar. Os brasileiros não parecem que vão desaparecer tão cedo. Agora que Gabriel Medina e outros têm mostrado que os brasileiros podem ganhar um título mundial, isso vai encorajar uma geração de brasileiros a tentar o mesmo. Os brasileiros são motivados por dinheiro, família, orgulho e outras emoções.
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FÁBIO GOUVEIA, ex-surfista profissional
Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelos surfistas?
Acho que a maior dificuldade em Pipeline é o crowd. São os melhores havaianos e demais surfistas do mundo tentando um lugar ao sol. Pipe é, sem dúvida, a rainha do North Shore (costa norte) havaiano, e todos querem estar ali. A potência da onda é assustadora e desafiadora. Por ser próxima da beira da praia, faz do pico uma verdadeira arena, onde verdadeiros gladiadores lutam com os potentes tubos. Em dias grandes, o público sente até a areia tremer quando uma grande série entra no pico. A melhor maneira de se sair bem ali é praticando. O localismo existe e é forte. Acho que já foi pior, mas continua forte e assim sempre será. Respeito e atitude são essenciais. Já tive pequenos incidentes no North Shore, não em Pipeline. Mas foram por estar na frente de algum surfista local, por estar voltando de uma onda e atrapalhar alguém ou algo assim.
Quem é o favorito para ganhar o título mundial? Dos brasileiros, qual está melhor preparado?
Acho que o Medina tem ótimas chances. Mas o Mick também é bom lá. Filipe, apesar de novo, surfou bem no ano passado. O Mineiro também está mais à vontade na onda. Ou seja, fica difícil prever algo. Torço para o Mineiro, mas também para todos os brasileiros. Fanning é um competidor nato. Filipe vem em crescente. Mas acho que o Medina pode ser o melhor deles neste momento.
A tempestade brasileira veio para ficar?
Veio pra ficar e para fazer estragos. Por causa dessa geração, estamos vendo as marcas se movimentarem para fazer circuitos e eventos de base. O negócio vai durar, não tenha dúvida.
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