No último capítulo da série, acompanhe a rotina de Anderson Daronco e Leandro Vuaden. Assista:
No sábado de 11 de abril, o árbitro Anderson Daronco apitou a louca semifinal do Gauchão entre Brasil-Pel e Inter, em que foi necessário um inédito intervalo de 45 minutos até que o Batalhão de Choque da BM controlasse a briga entre a torcida xavante no Estádio Aldo Dapuzzo, em Rio Grande.
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Na quarta-feira seguinte, dia 15, Daronco embarcou para São Paulo, e um representante da Conmebol o apanhou no aeroporto de Congonhas e o conduziu para um hotel estrelado no bairro Moema destinado à arbitragem do jogo do dia entre Corinthians e San Lorenzo, pela fase de grupos da Libertadores. Foi apresentado ao árbitro peruano Víctor Carrillo e a seus auxiliares. Jantaram juntos no hotel e dali não saíram, incomunicáveis. É assim o procedimento entre os árbitros Fifa em jogos internacionais.
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- Não tive contato com ninguém que não fosse da arbitragem envolvida no jogo - contou Daronco, que trabalhou como quarto árbitro na Arena Corinthians.
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Apenas Daronco e Leandro Vuaden convivem com a dureza do Gauchão e o prestígio de exibir o escudo mágico onde se lê Referee Fifa. Além deles no Estado, o árbitro Jean Pierre Lima conquistou a condição de aspirante Fifa, o que ainda não lhe dá direito de fazer competições internacionais. O escudo garante taxas gordas, suficientes para manter o árbitro livre de outra atividade.
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Na Libertadores, entre taxas e diárias, árbitro, assistente e quarto árbitro ganham cada um o mesmo US$ 1,4 mil por jogo (cerca de R$ 4,5 mil), com a passagem paga pela Conmebol. Além disso, em competições nacionais, o Fifa recebe taxas diferenciadas. No dia 3 de maio, Daronco apitou a final do Campeonato Potiguar entre ABC e América-RN, em Natal. Só de taxas ganhou R$ 4,3 mil, que equivale ao pago na final de uma Copa do Brasil.
Assim é possível viver sem a necessidade de negociar folgas, de trabalhar à noite para compensar viagens ou de perder o fim de semana recuperando horários desmarcados.
Até lá os árbitros enfrentam estradas nas madrugadas e ralam em estádios pouco apresentáveis. Mesmo os Fifa encaram a rotina do campeonato regional, como a peleia do Aldo Dapuzzo na semifinal de 11 de abril.
Naquele sábado de confusão, Daronco acessou o vestiário do Aldo Dapuzzo por um túnel de 60cm de largura, tão estreito que ele se obrigou a passar de lado. Apitou ali o jogo mais conturbado do campeonato.
Aos 34 anos, desde 2008 como árbitro da CBF, há três anos vive apenas do apito, embora seja formado em Educação Física. Desde que veio a indicação à Fifa em janeiro, Daronco vive a expectativa da escala na Libertadores. Trabalhou em quatro jogos como quarto árbitro, incluindo dois jogos do Inter contra La U e The Strongest no Beira-Rio. Até agora não teve a sorte do paulista Luiz Flávio de Oliveira, 37 anos, outro estreante Fifa, que já apitou um jogo desta Libertadores.
- Foi uma estreia tranquila demais para uma Libertadores - contou Luiz Flávio, ajudado pela goleada de 5 a 1 do Boca Juniors sobre o Deportivo Zamora, na Venezuela.
Enquanto isto, com a ansiedade de um principiante, Daronco aguarda a sua vez.
Vuaden renova forças dirigindo trator
Na quarta-feira de 18 de março, o árbitro Leandro Vuaden chegou correndo ao aeroporto Salgado Filho para viajar a Medellín, na Colômbia. Tomaria o voo direto até a Cidade do Panamá e de lá faria conexão para apitar Atlético Nacional e Barcelona de Guayaquil.
Experiente árbitro, com mais de 20 jogos internacionais desde 2009, quando entrou na Fifa, estava mais preocupado em garantir um lugar no corredor. Com 1m89cm de altura, não faria sete horas seguidas espremido em
poltrona de janela.
- Se for necessário, não me importo de pagar U$ 40 por uma acomodação mais confortável na saída de emergência - disse.
Mas a funcionária da empresa aérea já o conhece e não cobrou pela deferência. Se fosse jogo de Eliminatórias da Copa do Mundo ou de torneio de seleções, teria direito à classe especial, espaçosa. Depois do encontro do Estádio Atanasio Girardot, Vuaden voltou ao hotel antes da meia-noite e às 5h estava no aeroporto para voltar ao Brasil. Desembarcou às 23h no Salgado Filho e foi pagar o estacionamento.
- Dei azar. Àquela hora, o pessoal deixava o show no Pepsi On Stage e fiquei uma hora na fila. Cheguei a Estrela quase 3h - contou Vuaden.
A peregrinação continental foi estafante, mas por trás do transtorno está o prestígio do escudo no peito. Problema maior aconteceu duas semanas depois, ao apitar Brasil-Pel e Lajeadense, em jogo único pelas quartas de final do Gauchão, Vuaden teve de sair escoltado pelo Batalhão de Choque da Brigada Militar no intervalo.
Recém havia marcado um pênalti contra o Brasil na frente da torcida xavante.
Vuaden já foi vendedor e "recuperador de crédito", ou seja, cobrador, de loja de material de construção. Recentemente, tinha uma empresa de eventos que prestava serviços de arbitragens para terceiros, mas deixou tudo para trás e hoje só vive do apito. Como é árbitro Fifa, desde 2009, sua taxa da final do Gauchão foi de R$ 9 mil.
Outros três árbitros gaúchos são candidatos à turma de cima. Luiz Teixeira Rocha, Diego Real e Daniel Bins estão a caminho, mas dependem de escalas mais seguidas neste e nos próximos campeonatos brasileiros. Os gaúchos em ascensão foram poucos utilizados no Brasileirão de 2014. Jogos em Santa Catarina tiveram apito de Estados mais distantes.
Não foi o caso dos consagrados. Vuaden trabalhou em mais de 50 jogos no ano passado, 22 deles no Brasileirão, apesar de ter sido preterido na Copa do Mundo. Em abril, ele não completou o teste físico aplicado pela CBF, que serve para a Fifa. Alegou não estar ouvindo os comandos das corridas de pista e se recusou a continuar. Quando solucionaram o som, ele já havia desistido. Agora aguarda data de novo teste para só então voltar a apitar a Libertadores e o Brasileiro.
- Se eu não trabalho, não recebo - disse.
Se sobrar tempo, mais vezes vai trabalhar na propriedade dos pais em Roca Sales, a 33 quilômetros de Estrela, onde mora. Em 20 hectares de milho, soja, aipim, hortaliças e gado de leite e de corte, Vuaden se renova dirigindo o trator da família. Se ficar em casa, vai mexer com marcenaria, a outra paixão.
*ZHESPORTES
Especial
Vida de árbitro: os Fifa vivem só do apito
O último dia da série apresenta Anderson Daronco e Leandro Vuaden, juízes que não precisam de outro emprego
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