Não foi o gol pelo Inter em final de Libertadores, nem o gol que o projetou com a camisa do Grêmio. São as suas palavras, as lições que tem a dar para jogadores de futebol, imprensa e torcida.
Que baita entrevista o Luiz Zini Pires fez para a ZH de ontem. Que baita cidadão, o Tinga. Tantas frases marcantes, tantas lições de vida. Seria bom que todos os jogadores lessem. E que a gente, os que ficam deste lado do gramado, desça um pouco do pedestal e reveja conceitos.
Não é que o futebol precise de mais Tingas; deve haver mais Tingas no futebol, nós é que não enxergamos direito, talvez com a visão turvada por inveja dos salários e das benesses de que eles desfrutam. Mas olhem tudo o que o Tinga passou, tudo o que ele fez. Só com coração de pedra fica-se incólume à entrevista, que, em mim, despertou grande compaixão por essa profissão cheia de luz e sombra.
Sim, Kleber Gladiador ganha R$ 640 mil limpos só para treinar; mas para cada Kleber há milhares de Tingas, crescidos em lugares e situações difíceis, muito cedo apartados da família e dos amigos, tentados pela fama e pelo dinheiro gordo (quem de nós teria mesmo cabeça para conter os impulsos?). Virando algumas páginas, surgiu outro exemplo de como o esporte salva trajetórias, de quem soube valorizar as lições dos pais, no belo papo do Diogo Olivier com o Magrão. Ele rememora a infância na favela ("Perdi amigos para o crime. Alguns morreram. Outros foram presos. Ajudei pessoas a sair desta vida com o que o futebol me deu"), diz que faz questão de levar a família para conhecer suas origens e critica "muito moleque que mal começou cheio de pinta, já querendo mostrar que tem grana, virando o rosto para entrevista".
Voltando ao Tinga, para terminar. Lindo o que disse sobre a mãe e sobre trabalho: "Sempre me recordo destes dias de infância e adolescência. Essa foi a minha base familiar, que foi muito boa, mesmo com meu pai separado de nós. A mãe trabalhava o dia inteiro. Ainda estão nos meus ouvidos as frases dela nas manhãs dos finais de semana: 'Não faz barulho, deixa a mãe dormir um pouco, tenho que trabalhar mais tarde'". O Zini pergunta: foi difícil? "Muito, mas às vezes havia umas recompensas, pequenas, mas definitivas. Ela chegava em casa com uma sacola, com comidas diferentes, frutas, potes de iogurte. Era um luxo distante. Isso ficou na minha cabeça. Pensava: 'Trabalhar é legal. A mãe sai para trabalhar e traz coisas boas. Quando crescer, vou trabalhar'."
Parabéns, dona Nadir, e obrigado por dar ao mundo o Cidadão Tinga.