
O Pedro Bial, não o do Big Brother, mas todos os outros, tem um programa novo. Nem tão recente assim, me dizem enquanto escrevo. Redação de jornal é um Google, com a vantagem de ser de carne e osso. Você grita a dúvida por sobre o computador e alguém responde mais rápido do que entrar com busca. O programa é o Na Moral, e a proposta é abordar temas polêmicos oferecendo olhares diferentes. Em um deles, discutia-se os limites do humor. Onde termina a piada e começa a ofensa, a diferença entre graça e falta de respeito, o riso como reforço do preconceito. Renato Aragão, o palhaço genial, era um dos convidados.
O eterno Didi lembrou que, nos Trapalhões, nos anos 70, fazia brincadeiras hoje impensáveis na TV. Chamava o lendário Mussum de preto, às vezes entrava até gorila do texto dos esquetes. E Mussum adorava o mé. Lembram? Hoje, incentivar o consumo indiscriminado de álcool é incorretíssimo. As mortes no trânsito por embriaguez, a maioria de jovens, não nos dão outra alternativa senão o rigor máximo. Renato e os convidados - Hélio de la Peña, do Casseta e Planeta, e Gregorio Duvivier, do Porta dos Fundos - riram das cenas de outrora. Eu, de minha parte, gargalhei em casa. Não havia maldade nelas, já que o quarteto os Trapalhões eram uma família. Mas o próprio Renato admitiu: hoje, aquelas piadas não teriam graça. Outros tempos, outro contexto.
Vale o mesmo para o Bom Senso FC. Antes dele, Barcos podia tentar enganar o árbitro fazendo um gol de mão pelo Palmeiras, no Beira-Rio. Com ele na equipe precursora do movimento, não mais. Seria o cúmulo da incoerência. E o zagueiro Cris? Não dá para vê-lo sentado de braços cruzados antes de a bola rolar e, minutos depois, descobrir que ele pediu para o Cruzeiro amaciar contra o Vasco. Júlio Batista perdeu o direito de responder a Cris, mesmo de brincadeira, "vai lá e faz o terceiro de uma vez". Dentre os benefícios que o Bom Senso FC pode legar ao futebol brasileiro, e isso só acontecerá se os jogadores derem o exemplo, é o combate ao cai-cai.
Ninguém aguenta mais tanta simulação de falta. É um vício tupiniquim. Acontece menos lá fora. Aqui, quando o atacante entra na aérea, perde mais tempo imaginando como encenar a queda do que em fazer o gol. Não é regra geral, mas em todas as rodadas acontecem ao menos uns 10 lances do gênero. É muito. Não precisa o árbitro inflar o peito de arrogância e punir com cartão amarelo qualquer queda que não seja pênalti. Futebol não é tênis. Há contato. Mas em última instância, simular falta é isso: valer-se de uma mentira para obter resultado. Os fins justificando os meios. A barbárie, portanto.
Eu nunca celebrizei o gol de mão de Maradona contra a Inglaterra, na Copa de 1986, um dos clássicos da enganação no futebol. Prefiro lembrar de outro gol dele também no México, partindo do seu campo e driblando a guarda do Palácio de Buckingham inteira antes de empurrar para a rede. Há quem coloque, neste episódio, a Guerra das Malvinas e o ambiente de comoção nacional pelas mortes dos soldados argentinos. Na verdade, o crime maior quem cometeu foi a ditadura que tomou de assalto a Casa Rosada. A sandice de mergulhar um país de terceiro mundo em um conflito contra uma potência militar naval já nasceu derrotada. De qualquer maneira, havia um ambiente de dor e humilhação na Argentina, com milhares de jovens inocentes mortos. Jovens que lutaram contra os ingleses. Então, la mano de Diós carrega um pouco este sentimento.
Como ensinou Renato Aragão no programa do Bial, são outros tempos. O que antes se aceitava, agora não se aceita mais. Sempre pode haver algum exagero e radicalismo nestas transposições de época, mas não é o caso das simulações de falta. O Bom Senso FC e seus líderes somam pontos quando erguem a voz contra os salários atrasados do Náutico. O movimento em si é um marco. Se acabasse hoje, já teria produzido bons frutos. Mas sua credibilidade junto ao torcedor aumentará em progressão geométrica quando também lamber algumas de suas feridas. Gol de mão não é obra de Deus. Simular falta é fraude. Simples, assim.