A todo momento aquela angústia retorna: Juninho Pernambucano pode estar dirigindo, escovando os dentes, treinando, acordando em casa. Mais cedo ou mais tarde ela aparece, inconveniente.
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- É desagradável, incomoda muito. É uma dúvida que martela na cabeça: "Será que eu paro? Será que continuo?" Não sei bem o que fazer - conta o meia de 38 anos, ídolo do Vasco e de todos os clubes em que atuou.
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Juninho ainda joga em alto nível, mas, como qualquer atleta de sua faixa etária, começa a pensar no que Paulo Roberto Falcão definiu como "a primeira morte". Falcão dizia que só o jogador de futebol morre duas vezes - a primeira, quando para de jogar.
Desaparecem os gritos da torcida, não há mais glamour na rotina, a imprensa muda de foco, os altos salários se acabam. E, com mais da metade da vida pela frente, o jogador vai fazer o quê?
- Sempre me preocupei muito com isso. Mas até hoje não sei direito - confessa Juninho.
O leitor pode pensar que, depois de ganhar fortunas, procurar trabalho é dispensável. Não é bem assim. O ex-zagueiro William, que defendeu o Grêmio e o Corinthians, viu tanto colega falindo que abriu uma consultoria financeira voltada para atletas.
Afinal, William ressalta, se o jogador quiser ele compra jatinho, helicóptero, lancha, mulheres, amigos e troca de carro cinco vezes por ano. Só que ainda terá quatro ou cinco décadas para viver, em um padrão de vida que certamente vai despencar.
- Essa questão da grana é a que mais me preocupa - garante Paulo Cesar Tinga, 35 anos, volante do Cruzeiro de origem pobre. - Ou eu guardo dinheiro, ou a coisa degringola ali adiante.
Tinga vive um "processo de desaceleração para diminuir a dor", é assim que ele chama. Como sabe que vai se aposentar em pouco tempo, no máximo em dois anos, tem evitado luxos e qualquer coisa que o relacione ao estrelato. Acredita que, assim, o baque emocional será menor. O primeiro exemplo parece bobo: nada de Twitter nem Facebook.
- Depois que eu parar de jogar, vou escrever o que no Twitter? Que estou jogando pingue-pongue com meu filho? Nenhum site de notícias vai repercutir essa bobagem.
Quando vai jantar com a família, sempre reserva mesa. Porque, se chegar sem marcar hora, sabe que o dono do restaurante fará o diabo para acomodá-lo - mas ele dispensa a mordomia, precisa se acostumar com um tratamento normal.
Tinga parou de frequentar programas TV, não aceita ingresso gratuito para familiar no estádio, circula a pé em Belo Horizonte. E, de uns tempos para cá, começou a jogar tênis para conhecer outro tipo de gente: advogados, médicos, jornalistas, gente que nem gosta de futebol.
- É que o futebol te enfia em uma bolha. Você só enxerga futebol, futebol, futebol - diz Gilberto Silva, do Atlético-MG, que aos 36 anos pensa em encerrar a carreira "no fim deste ano, talvez no ano que vem, quem sabe em 2015". - Não fomos treinados para pensar no depois.
Juninho, preocupado, ressalta a correria da rotina:
- A gente viaja duas vezes por semana, não tem sábado nem domingo, treina todo dia. Dizem que deveríamos fazer algo no tempo livre, mas ou você se dedica integralmente ao futebol, ou não consegue sucesso. E agora tem que pensar em outra coisa para fazer. É dolorido, é complicado.
Mas Gilberto Silva deu um jeito. Quando jogava na Grécia, aos 32 anos, entendeu que era hora de se preparar para o pós-carreira. Na concentração do Panathinaikos, abriu o notebook e se inscreveu em um curso online: Iniciando um Pequeno Grande Negócio.
Imprimiu as apostilas e, enquanto, os colegas zanzavam pelo hotel, o volante frequentava no computador as aulas ministradas no Brasil. Depois desse curso, decidiu fazer outro. E outro. E mais outro.
- Eu precisava buscar novos conhecimentos, visões diferentes. Como grande parte dos jogadores no Brasil, não tive muito estudo quando era jovem - conta Gilberto Silva, que foi estofador de sofás e agora é dono de uma incorporadora de imóveis em Minas Gerais.
Certa vez, ao falar sobre a dor de parar de jogar, Sócrates frisou que "não é o jogador que abandona o futebol, é o futebol que abandona o jogador". Ele se referia ao famoso peso da idade, que só chega aos 50, 60 anos para a maioria dos profissionais.
O meia Paulo Baier, maior artilheiro do Brasileirão na era dos pontos corridos - são 95 gols desde 2003 -, reconhece suas limitações aos 38 anos. Diz que, se treinar hoje, talvez amanhã nem participe do coletivo. Não consegue viajar sempre com o Atlético-PR, fica "destruído" (palavra dele) dois dias depois de qualquer jogo.
- É engraçado que, quando a gente joga em casa, eu enxergo de dentro do ônibus o torcedor chegando ao estádio e, se algum músculo estava doendo, nem sinto mais dor nenhuma. A adrenalina sobe, o cara se sente bem. Isso vai fazer falta demais - afirma Baier, que já conversa com a direção do Atlético-PR para assumir um cargo no clube em 2015.
O único entrevistado que jura nem pensar em aposentadoria é o gremista Zé Roberto, 39 anos. Diz que guarda o máximo de dinheiro que pode, reconhece que o físico clama por mais descanso, mas garante que vive um dos melhores momentos da vida.
- Ontem mesmo fui perguntar para o doutor se é possível reverter minha vasectomia. Me sinto tão completo, tão bem com a minha profissão, que estou pensando em mais filhos - sorri o veterano.
A hora de parar
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Paulo Germano
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