Na próxima noite de 9 de março, uma quarta-feira, às 21h40min, quando o San Lorenzo tocar na grama de primeiro mundo da Arena, na terceira partida do Grêmio pela fase de grupos da Copa Libertadores da América, uma luz será provelmente desligada mais tarde na fria madrugada do Vaticano. O papa Francisco, 79 anos, é fã do time argentino, o Ciclón, e acompanha os jogos por rádio, internet e TV com regularidade. Quando não pode se ligar, é conectado por seus auxiliares. Ele é o 12º jogador, o endereço das orações dos torcedores nos segundos mais dramáticos dos 90 minutos.
A qualificada ponte entre o clube, considerado um dos cinco grandes do futebol do país, com cerca de 4% do total da torcida - o popularíssimo Boca Juniors tem 40% - e o primeiro Sumo Pontífice de origem argentina se dá através de Marcelo Tinelli, 55 anos, o mais popular apresentador da TV local e vice-presidente do clube de 107 anos de vida.
Duas piadas portenhas indicam a proximidade entre o papa Francisco e Tinelli, tão popular na Argentina quanto os melhores jogadores de futebol.
1) Só duas pessoas têm o número do telefone celular do Papa, Deus e Marcelo Tinelli.
2) Antes dos jogos do San Lorenzo, o Papa avisa Tinelli quando o time dos dois vai perder. Um tenta contatar Deus e pedir ajuda. O outro ajoelha e reza. Mostra fé.
O Papa estava na Coreia do Sul quando o San Lorenzo levantou a primeira Libertadores, em agosto de 2014, em Buenos Aires. Assistentes o presentearam com a grande notícia.
Dezessete dias depois, Tinelli liderou um grupo que desembarcou em Roma, na Itália. Carregou outros dirigentes, todos envergando trajes escuros, o treinador Edgardo Bauza, hoje no São Paulo, e o capitão Bufarini, que presentou o Santo Padre com a camisa que vestiu no jogo do título. Nas costas do uniforme oficial se lia, "Francisco campeón". Todos ficaram espantados com a proximidade entre Francisco, 266.º Papa da Igreja Católica, e Tinelli. Especialmente depois que o torcedor número 1 recebeu uma réplica do troféu do mais importante torneio da América do Sul.
- O San Lorenzo forma parte de minha identidade - definiu Francisco, filho de torcedor do clube e que, quando criança, assistia aos jogos da sua paixão no estádio.
Feliz e antes de presentear a delegação do time do coração com uma imagem de Nossa Senhora, hoje tratada como relíquia na sede do clube, sussurou:
- Vocês são loucos de vir até aqui, de tão longe.
E então os segurou durante 40 minutos, o mundo congelou e o assunto só envolvia o San Lorenzo. Tinelli, que tem um filho que se chama Lorenzo, é tão popular que criou um "dicionário tinelliano". Um dos termos inventados por ele e difundido em seus programas de variedades, com entrevistas, danças de famosos, números musicais, com recordes de audiência, é "goma" ou alguém difícil de aguentar.
A gíria ocupou ruas, praças, escolas, restaurantes, estádios. Um torcedor chato, bobo, pode ser classificado como "goma", menos os da sua equipe, naturalmente. Sua influência entre os conterrâneos é tremenda.
O mais recente movimento de Tinelli é dar o nome de Estádio Papa Francisco à nova casa do clube de R$ 300 milhões, capaz de receber 40 mil pessoas. Será construído sobre o terreno que abrigavam o antigo estádio, conhecido como El Viejo Gasómetro. Numa comparação é como se o Grêmio erguesse um estádio onde se localiza o velho Olímpico.
Os dirigentes conseguiram recomprar o terreno depois de uma longa negociação. Tinelli, que luta para ser presidente da Associação do Futebol Argentino (AFA), classificou assim o acerto:
- Seguramente este é outro milagre do papa Francisco.
Quando o San Lorenzo visitar Porto Alegre em nove semanas, os gremistas precisarão ficar atentos às ligações telefônicas de Tinelli, especialmente durante o jogo, nos momentos mais tensos.
- Alô, papa Francisco?
*ZHESPORTES