A goleada sobre o Fluminense foi uma resposta necessária do Inter, mas só um primeiro passo na missão de recuperar a confiança da torcida após a decepcionante eliminação na Copa da Sul-Americana. Com apenas o Brasileirão pela frente, o desafio de Mano Menezes será dar repertório ao time, que superou os cariocas com uma maneira de jogar que havia funcionado nas vitórias sobre os poderosos Flamengo e Atlético-MG, no Beira-Rio.
Contra o Fluminense, o Inter teve como estratégia adiantar sua marcação e pressionar a conhecida saída de bola de Fernando Diniz, que busca aproximações e passes curtos para avançar ao campo de ataque. A ideia foi desarmar e chegar ao gol defendido por Fábio em jogadas de transição rápidas.
Nas próximas duas rodadas, porém, o cenário já deve mudar. Diante de Avaí e Juventude, clubes que brigam contra o rebaixamento, o Colorado voltará a ter o desafio de propor jogo, algo que não funcionou na eliminação na Sul-Americana para o Melgar e também na goleada sofrida para o Fortaleza, no Castelão, pelo Brasileirão.
— Se estamos contratando jogadores de velocidade, vamos ser um time essencialmente de transição. Mas um trabalho a longo prazo vai completando a equipe e construindo para saber se comportar contra times fechados. O Palmeiras levou um ano e meio para chegar a esse estágio. Vocês lembram que existiam críticas ao treinador, que é vencedor e competente, por isso no primeiro ano. No segundo já não era um time de transição e está melhor no terceiro. Não vou pedir três anos. Vamos trabalhar para construir. Estamos há 100 dias aqui e fizemos muitas coisas — declarou Mano após a goleada sobre o Fluminense.
O Inter vai enfrentar Avaí (Ressacada) e Juventude (Beira-Rio) nas próximas segundas. Depois, o Colorado irá encarar Corinthians (Arena Corinthians) no domingo, 4 de setembro. A CBF ainda não divulgou a tabela detalhada do Brasileirão após o compromisso com o Timão, mas há a garantia de que Mano terá semanas cheias de treinos entre esses três jogos.
É nesse período que Mano tentará tornar o Inter um time com mais capacidade para enfrentar equipes fechadas. Ao projetar essas alternativas, novamente sem citação ao nome, o treinador se referiu ao comandante do Palmeiras Abel Ferreira.
— Temos uma semana para trabalhar, depois teremos outra antes do jogo com o Juventude. Vamos ter a possibilidade de trabalhar melhor as construções das jogadas, as posturas diferentes da equipe quando o adversário está com linhas baixas. Vocês ouviram uma aula semana passada de que tem que colocar gente dentro do bloco, não pode jogar apenas por fora. Vamos trabalhar isso — declarou, com clara referência à análise feita por Abel Ferreira após o Palmeiras eliminar o Atlético-MG da Libertadores, quando apontou problemas da equipe de Cuca para atacar o seu time, que teve dois homens expulsos na partida.
Colunista tático do ge.globo, o jornalista Leonardo Miranda ressalta que a preparação de movimentos ofensivos é algo que demanda tempo e que vai além da qualidade individual. É preciso um trabalho coletivo e coordenado para encontrar espaços em defesas cada vez melhor montadas no futebol atual.
— O Mano tem razão no que ele fala. Muitas vezes, temos a impressão de que o ato de atacar no futebol é algo que vem só do talento dos jogadores. Mas atacar é um exercício de criar espaço na defesa do adversário. E, para isso acontecer, é preciso ter jogadas trabalhadas, que o Mano chama de construção, que são basicamente um funcionamento coletivo. A bola sai lá de trás, passa pelo meio, chega até o ataque... isso envolve ter movimentação coordenada, de jogadores com papéis, sabendo o que fazer para abrir espaço para o companheiro. É uma verdadeira engrenagem que leva tempo para se desenvolver — avalia.
O comentarista dos canais ESPN Paulo Calçade ressalta que a construção de movimentações ofensivas para furar bons sistemas defensivos demanda tempo, o que costuma ser um adversário dos treinadores no futebol brasileiro.
— A resposta é bem simples, porém de difícil execução. (Para furar retrancas) É preciso trabalhar os diferentes aspectos ofensivos. Até pouco tempo se ouvia treinador falar "eu organizo meu time atrás e na frente os jogadores resolvem". Isso é fazer parte do trabalho. O Guardiola citou isso em entrevista outro dia, que ele procura organizar taticamente as ações ofensivas para tirar o melhor dos jogadores. Não adianta demonizar a tática. A tática só vai favorecer a qualidade técnica do jogador. Mas precisa de treinamento, desenvolvimento. Jogando quarta e domingo é impossível. É por isso que os sistemas defensivos prevalecem e os times vivem em crise no Brasil. Agora não adianta ter uma semana e achar que no próximo jogo vai estar tudo funcionando perfeitamente. Isso demora mais que uma semana. O treinador também deve saber aproveitar esse tempo. O Mano bebeu da fonte, foi na Uefa, em Portugal. Ele conhece os caminhos. Se usa ou não é outra coisa, mas o conhecimento ele tem — aponta Calçade.
O tempo para treinos também servirá para Mano buscar alternativas táticas. Contra o Fluminense, ele apostou em um novo esquema com o uso do 4-1-4-1 com Johnny e Mauricio como titulares. O técnico deixou aberta a possibilidade de usar Pedro Henrique e Wanderson juntos, algo que havia demonstrado resistência em entrevistas anteriores. São variantes que poderão ser testadas nos próximos dias já o Inter agora terão alto tão raro no futebol brasileiro: semanas cheias para treinamentos.