Após o empate no Gre-Nal da Arena, o Inter será obrigado a recomeçar a sua trajetória rumo a uma posição mais digna no Campeonato Brasileiro contra um de seus mais complicados adversários dos últimos anos: a Chapecoense.
Desde que o clube do oeste catarinense ascendeu à Série A, ao final de 2013, o Inter soma apenas uma vitória em seis partidas. Ganhou justamente no primeiro encontro de Primeira Divisão, em 2014, mesma temporada na qual levou 5 a 0 na Arena Condá, com o atacante Rafael Moura fardado de Dida e sofrendo o quinto gol, em cobrança de pênalti.
Em 2016, meses antes da tragédia de Medellín, o Inter estreou a campanha que o levaria ao descenso no Brasileirão empatando em casa por 0 a 0 com a Chapecoense. Naquela partida, que marcou o último jogo de Alisson pelo Inter, Paulão teve um pênalti defendido pelo goleiro Danilo _ um dos 71 mortos na queda do voo 2933 da boliviana LaMia, em 29 de novembro. No jogo da volta, na abertura do returno, em Chapecó, os donos da casa venceram por 1 a 0.
Pois é justamente contra este clube com histórico de recomeço que o Inter tentará buscar retomar a sua campanha no Brasileirão. Antes da partida dessa segunda-feira no Beira-Rio, porém, a Chape terá pela frente a disputa da vaga às quartas de final da Copa do Brasil, contra o Atlético-MG. No jogo de ida, empate em 0 a 0, em Belo Horizonte. A inédita classificação à próxima fase do torneio já vai assegurar o orçamento para o semestre dos catarinenses. No Brasileirão, a Chapecoense vem de uma surpreendente vitória por 3 a 2 sobre o líder, Flamengo.
Da reconstrução ao sonho
- A cidade estava devastada ao final de 2016.
A frase é de Rui Costa, ex-executivo de futebol do Grêmio, e que, menos de um mês depois da tragédia de Medellín foi contratado para ajudar na reconstrução da equipe da Chapecoense.
- O que a direção fez aqui foi algo extraordinário. Todos pensavam que o clube tinha terminado. A direção foi muito corajosa ao não aceitar benefícios, como proteção para não ser rebaixado em 2017. Quatro meses depois, se conquistou o Catarinense e o clube estava classificado para a Libertadores, no campo. É coisa de filme. Ao final, houve comoção porque o clube se reconstruiu. Foi uma reconstrução coletiva _ comenta Rui Costa.
Os "ex" para todos os lados
Ao enfrentar a Chapecoense, o Inter vai se deparar com alguns ex-colorados. O goleiro Jandrei e o atacante Leandro Pereira jogaram nas categorias de base do clube. O atacante Wellington Paulista foi titular do Inter, e o lateral-esquerdo Alan Ruschel está emprestado pelo Inter ao clube catarinense. O técnico Gilson Kleina jamais treinou o Inter, porém, uma curiosidade: foi ele quem montou o ataque da Ponte Preta de 2016, com William Pottker e Lucca.
Já no lado colorado, quatro jogadores atuaram pela Chapecoense: Rossi, Fabiano, Lucca e Camilo.
O time-base da Chapecoense: Jandrei; Apodi, Thyere, Douglas e Bruno Pacheco; Amaral, Márcio Araújo, Canteros e Arthur; Guilherme e Leandro Pereira.
O ano antes da grandeza
O grande projeto da Chapecoense é permanecer na Série A em 2018. Caso consiga se manter na elite pelo quinto ano consecutivo, o clube catarinense poderá alçar novos voos. Pelo novo contrato da TV, que levará em conta desempenho e ranking para aumentar o valor a ser pago aos clubes, a Chapecoense terá um incremento de 40% em sua arrecadação. O sonho da Chape, virando o ano, é erguer um CT.
O clube hoje arrecada cerca de R$ 75 milhões ao ano (a previsão orçamentária da dupla Gre-Nal, por exemplo, é superior a R$ 300 milhões para cada clube). Somente a passagem à semifinal da Copa do Brasil bancaria a folha do futebol pelo ano todo (cerca de R$ 12 milhões de premiação da CBF). Por isto, a partida contra o Inter é fundamental para as pretensões catarinenses.
Blocão de nove, Chape e Inter
Rui Costa entende que o Brasileirão colocará até dois grandes clubes na Segunda Divisão de 2019. Acredita que, no momento, Grêmio, Flamengo, Corinthians, Palmeiras, Santos, Atlético-MG, Cruzeiro, Botafogo e São Paulo formam a elite nacional - ainda que nem todos com chances de título. Por enquanto, Chapecoense e Inter ocupam a mesma faixa territorial da tabela: a fronteira do Z-4. A partida da noite de segunda-feira no Beira-Rio será de drama para ambos.
- O Inter está em processo de recuperação. Fez um jogo possível na Arena, fez o certo, somou um ponto, recuperou a confiança. Caso consiga se fortalecer, pode buscar até mesmo vaga à Libertadores mais adiante. Foi o que fizemos aqui, depois de tomar uma goleada (5 a 1 para o Atlético-PR, na estreia do Brasileirão, seguido por três empates e a vitória sobre o Flamengo) - analisa Rui Costa. - Praticamente abdicamos de jogar porque estava na nossa programação. Se não podíamos ganhar, então ao menos não perderíamos. O elenco do Inter tem muita qualidade, está mordido. Vai tentar ganhar e bem de nós. Mas a Chapecoense está acostumada a estas adversidades - acrescenta o executivo.
Sem mágoas
Logo após à tragédia de Medellín, houve grande inconformidade da população de Chapecó com a atitude de dirigentes e jogadores do Inter. À época, declarações equivocadas e a atitude dos jogadores ao pedir para que o Brasileirão não prosseguisse pareceram, aos olhos da opinião pública nacional, desculpas na tentativa de escapar do rebaixamento. Ainda sob a forte comoção da tragédia, o Inter passou a ser mal quisto em Chapecó. Mas isto passou. Muito pela atitude da direção atual de ceder Alan Ruschel à Chapecoense, a fim de seguir carreira no clube e junto à comunidade local.
A volta de Follmann I
Dos três jogadores da Chapecoense que sobreviveram à queda do voo (além do jornalista Rafael Henzel, da comissária Ximena Suárez e do técnico aeronáutico Erwin Tumiri), o ex-goleiro gaúcho Jackson Follmann é quem já segue outra carreira. O zagueiro Neto ainda tem esperança de voltar a jogar a partir do ano que vem, enquanto o lateral-esquerdo Alan Ruschel é reserva na equipe. Follmann teve a perna direita amputada. Há um ano e três meses colocou uma prótese. Hoje, trabalha no clube, foi nomeado Embaixador da Chapecoense, está finalizando o curso de Gestão no Futebol, na CBF, e é uma espécie de relações públicas da IPO (Instituto de Prótese e Órtese), responsável por conversar com pessoas que vão colocar próteses, a fim de auxiliá-las nesta nova etapa da vida.
Em agosto, será uma das presenças da Chapecoense no amistoso que o clube disputará em Turim com o Torino (que em 1949, viveu tragédia semelhante à da Chape, quando o avião que retornava de Lisboa com o time do Torino, uma das maiores formações da história do clube e base da seleção italiana na época, se chocou contra a catedral de Superga, em Turim, matando toda a delegação), a fim de celebrar a abertura oficial da temporada 2018/2019.
- Hoje, consigo até bater uma bolinha, na minha velocidade, porque como perdi parte do osso do pé esquerdo, tenho uma haste de 26 centímetros na perna, o que me impede de correr. Mas, por vezes, chego a participar do dois toques com o time - conta Follmann, de 26 anos.
A volta de Follmann II
Depois de vivenciar um milagre, sobreviver ao acidente aéreo, de passar mais de 20 vezes pelo bloco cirúrgico e de ficar 57 dias hospitalizado, como foi recomeçar?
Eu tinha duas opções: ficar cabisbaixo e entrar em depressão ou erguer a cabeça e seguir em frente. Seria injusto reclamar de algo que me aconteceu diante de pessoas que perderam tudo no acidente. Agradeço todos os dias o milagre que aconteceu conosco. Passei por um trauma muito grande, mas sempre me apeguei à família e aos meus verdadeiros amigos. Eles me dão força.
Qual a sua responsabilidade como Embaixador da Chapecoense?
Represento o clube em eventos. No Brasil e no Exterior. Vou com frequência aos hospitais de Chapecó, visito pessoas que estão internadas, converso com elas, tento ser um bom exemplo, tento inspirar estas pessoas. Sei da responsabilidade que tenho e do que represento para a comunidade. Sei o que significa a minha presença, a do Neto e a do Alan no dia a dia das pessoas em Chapecó. Acho que fiquei mesmo para ajudar o próximo.
Você ainda sente dor?
Não tenho dor, mas desconforto. O tornozelo esquerdo incha quando eu fico muito tempo em determinada posição. A cervical, onde tenho um parafuso perto da nuca, também incomoda, dependendo do movimento que eu faça. Não posso ficar muito tempo olhando o celular, com a cabeça abaixada, por exemplo.
Apesar de todo o sofrimento você parece bem, parece ter se adaptado rápido a esta nova vida.
A recuperação vai muito da cabeça da pessoa. Faço quase tudo o que fazia antes, consigo dirigir, jogar um pouco bola, mas agora na linha, faço natação, musculação, cursos. Enfim, tento seguir a vida da melhor maneira possível. Nos hospitais e na rua, a coisa que as pessoas mais me perguntam quando conversam comigo é se eu vou virar atleta paraolímpico. Agora não. Talvez no futuro.
Como é a sua relação com Neto e Alan Ruschel?
Ah, eles viraram a minha família, meus irmãos. Estamos juntos todos os dias. Eu estava com o casamento marcado para 16 de dezembro de 2016, 10 dias antes do acidente. Acabei casando em 20 de outubro do ano passado (com a gaúcha de Ijuí Andressa Perkoviski). Neto e Alan foram os padrinhos. Sabemos da importância que um tem para o outro. Um sempre vai apoiar o outro.
O curso que vocês está fazendo na CBF se encerra em outubro. O que pretende fazer depois?
É um recomeço, para que eu possa caminhar com as próprias pernas. Tenho uma vivência no futebol, pretendo seguir no esporte, mesmo como gestor. A minha ideia é ficar em Chapecó mesmo, até pelo carinho de todos aqui.
Como representante da Chapecoense, e mesmo como estudante, você é obrigado a rotineiramente viajar em aviões. Como é isto para você?
Pegar avião se tornou uma necessidade. Não há o que fazer. Só evito pegar voos noturnos. Sempre que possível eu evito. Nosso acidente foi de madrugada, ainda hoje me causa um desconforto, volta tudo na cabeça, realmente sofro muito para voar à noite.