Roger Machado não costuma conceder entrevistas que fiquem apenas nos assuntos do campo. Em manifestação ao portal GE.com, publicada nesta sexta-feira (26), o treinador do Grêmio falou sobre sua luta contra o racismo e acredita que sofre críticas exageradas pelas manifestações políticas que realiza. Em abril, ao ser perguntado sobre racismo no Brasil, Roger declarou que pessoas se sentem autorizadas a se manifestar de forma preconceituosa a partir de posturas e "pontos de vista do líder da nação".
Na entrevista publicada nesta sexta-feira, o técnico admitiu que seria mais cômodo para sua carreira não fazer manifestações sobre racismo, mas afirmou que não abre mão disso e que precisa colocar seu lado cidadão acima do ambiente do futebol.
— Sem dúvida (seria mais fácil não se manifestar politicamente). Mais do que silenciar, talvez pactuar, fazer parte do poder eminente. Me tornar jogador de futebol me deixou mais branco. Fui aceito com mais naturalidade para circular em ambientes diferentes, pela força do esporte. O sistema, por vezes, se adapta, permite que alguém passe pela fresta da porta, justamente para validar o discurso da falta de oportunidades. Isso me gera problemas outros. Por vezes, a crítica exacerbada está amplificada pelas minhas posições. Mas eu não nasci jogador de futebol. Sou cidadão antes. Tenho o direito de me manifestar sobre os assuntos que me tocam, que eu acredito poder falar. Eu tenho certeza de que o sistema revida. Eu busco muitas vezes ser mais inteligente. É uma adaptação de sobrevivência nesse lugar — declarou.
— Eu não consigo entender como um país que foi criado ética e moralmente em cima da escravidão de indivíduos, e que até hoje não conversou devidamente sobre o tema, possa acreditar que isso está resolvido. Muitos acreditam que discutir gera mais discriminação. Até agora, não se discutiu e não se resolveu nada. Atribui-se muitas vezes o desequilíbrio social, a desigualdade entre brancos e negros no Brasil, a uma questão econômica. Silenciar, para mim, é confirmar. Não é resolver — completou.
Roger Machado fez uma reflexão sobre o racismo no futebol, onde falou que acredita que fora do campo a cor da pele ainda é uma barreira para que alguns profissionais negros.
— O futebol é um microcosmo do que somos como sociedade. No futebol, muitas vezes isso é amplificado. Ele tanto amplifica quanto cristaliza, o que permite que a gente enxergue até com um pouco mais de facilidade. Quando falo que o futebol se traduz como microcosmo, talvez o campo seja o espaço mais democrático de todos. No campo, a gente tem 50% de brancos e 50% de negros. Só que quando o campo acaba para ambos, nessa estrutura social do futebol, a gente olha para o topo da pirâmide e vê que os filtros começam a aparecer. Isso sempre me chamou a atenção e passou a me incomodar depois que virei treinador. Naquele espaço, muitas vezes era só eu que estava ali. Não tinha essa mesma proporção de representatividade que o campo dava. Isso, para mim, mostra que temos um filtro, e esse filtro é a cor — seguiu Roger.
O treinador gremista ainda explicou sua posição política. Ele disse se considerar de esquerda, mas não acredita em socialismo ou comunismo.
— Depende do espectro. Esquerda e direita são um espectro muito grande. Eu sou um homem de esquerda, sim, mas não acredito no socialismo, tampouco no comunismo. Eu não acredito no Estado único. Acredito que quem gera emprego, quem empreende, quem deposita seu capital intelectual tem o direito de ter uma fatia maior do processo. Mas não acredito na exploração dessa mão de obra. Não acredito em um Estado que comande todo o processo, mas também não acredito em um país que tenha 500 empresas estatais. Não sou tão liberal ao ponto de não ter o Estado atuando em lugares determinantes — disse, e acrescentou:
— Não acredito que ter soberania nacional é ter apenas um exército forte para garantir tuas fronteiras. No mundo em que a gente vive, se não tiver um sistema financeiro forte, um sistema de tecnologia, de capacidade de gerar energia, tu também vai ficar dependente do capital externo. Não sei se nesse ambiente em que vivo todo mundo ou a maior parte pensa diferente. Mas faço futebol com minha ética de vida. Acredito que se as oportunidades fossem dadas de forma igualitária à grande maioria, aí, sim, a gente poderia medir as pessoas pelo mérito. Do jeito como estamos estratificados como sociedade, não tem como medir pelo mérito.