Multicampeão, Rafinha encara no Grêmio um desafio inédito na carreira. Aos 36 anos, o lateral-direito pela primeira vez convive com a pressão de lutar contra o rebaixamento por um grande clube. Em uma entrevista de 50 minutos concedida na última quinta-feira (21), o jogador enalteceu a importância dos atletas mais experientes neste momento de turbulência e fez um diagnóstico sobre os motivos que levaram o Tricolor a viver uma crise na temporada.
O atleta explicou ainda como foi a conversa dos atletas com o então técnico Luiz Felipe Scolari, sugerindo que a equipe passasse a adotar um futebol mais ofensivo, e garantiu que é uma liderança positiva no elenco tricolor. O capitão gremista disse inclusive que se inspira no alemão alemão Philip Lahm para ser um líder capaz de inspirar os companheiros a conquistar as vitórias necessárias para o Tricolor permanecer na Série A.
E os oito anos de Bayern não ficaram para trás. Frequentemente, o atleta troca mensagens sobre o seu momento no Grêmio com o goleiro Manuel Neuer, um dos seus melhores amigos no futebol, e que inclusive enviou uma mensagem ao lateral a pedido de GZH.
Confira a entrevista com o lateral-direito Rafinha
Contra o Juventude, foi possível ver a equipe com uma postura diferente. O que mudou, a partir da troca de comando?
A gente encarou o jogo contra o Juventude como uma decisão. Todos os jogos agora são uma decisão, mas esse era mais importante porque vínhamos de resultado negativos. Precisávamos desses três pontos em casa. A mudança de treinador influenciou, sentimos essas mudanças. Graças a Deus conseguimos esse resultado importantíssimo. A mudança de treinador deixou a gente para cima. Mas não acho que o trabalho (do Felipão) estivesse sendo mal-feito. É que os resultados não estavam aparecendo. Então, é normal acontecerem essas mudanças. Graças a deus deu certo. Todos os jogos eram importantes, mas esse era chave pra nos. Era chave vencer o Juventude pra voltarmos a pontuar e a encostar nos times que estavam na nossa frente e colocar a gente para brigar com esses adversários. Foi um espírito de motivação a mais que todos tiveram, do presidente ao vice, com discurso que empurrou a gente para frente, ao Mancini e ao comissão, que chegaram com ideias novas e fizeram com que todos se doassem um pouco a mais. E claro, com o apoio do torcedor, ficou muito mais fácil.
Rafinha faz diagnóstico sobre crise do Grêmio e projeta recuperação com Mancini: "Energia muito boa"
O discurso do novo vice de futebol Dênis Abrahão caiu no gosto do torcedor. Como as palavras vibrantes do dirigente impactaram no vestiário?
Sou a favor desses discursos e de pessoas com palavras fortes e motivadoras. São pessoas vencedoras. Isso vem só para fortalecer. São palavras de motivação. O Dênis deixou bem claro que fora do campo ele vai resolver tudo para a gente. Que a gente só precisa se preocupar em jogar. Têm que ter essa cobrança e esses discursos fortes. Isso nos motiva. Ficamos felizes em ter pessoas assim que acreditam e confiam na gente. Isso só traz energia boa.
Já vivi grandes jogos e passei por momentos importantes e por jogos grandes. Isso é importante. Mas, para mim, isso (Z-4) é uma novidade também
RAFINHA
lateral do Grêmio
Ter vivenciado a pressão de disputar grandes jogos da Liga dos Campeões ajuda de alguma forma a encarar a pressão de fugir do rebaixamento?
São duas realidades totalmente diferentes. Já vivi grandes jogos e passei por momentos importantes e por jogos grandes. Isso é importante. Mas, para mim, isso é uma novidade também. Nunca passei por isso. Mas sabemos como lidar. Às vezes, quando as coisas não estão dando certo, sabemos como se comportar. Passei por jogos grandes e difíceis, brigando por títulos. Mas, neste momento, sabemos sair melhor dentro do campo devido à experiencia de já ter vivido momento difíceis. Não é um momento fácil para ninguém, nem para os mais experientes e nem para os mais jovens. Mas a experiência é importante, pois a gente consegue passar tranquilidade e coragem para os mais jovens.
Você acredita que, neste momento de tensão pelo qual passa o Grêmio, os jovens podem ter sentido mais a pressão? A experiência pode ser um diferencial no time?
É importante ter uma mescla de jovens e experientes. Mas, às vezes, o jogador jovem joga 89 minutos bem, falha em um minuto por um descuido, tomamos o gol e acabamos perdendo a partida. Eu acho que o jogador experiente neste momento é mais concentrado, mais ligado e atento mais aos detalhes. A mescla é importantíssima. Sem os mais jovens, não iremos dar conta. Precisamos deles no elenco. Mas o jogador experiente neste momento acho que leva um pouco de vantagem. O jogador mais acostumado a situações difíceis sabe lidar melhor com esse momento. Mas sou a favor de que se tenha essa mescla entre atletas jovens e experientes. Nós já passamos por muitos momentos importantes na carreira e podemos ajudá-los neste momento.
Qual o teu diagnóstico sobre o momento do Grêmio. Por que a equipe chegou a esta situação na tabela do Brasileirão?
É complicado dizer. O nosso começo no Brasileirão foi muito ruim. Não é uma desculpa, mas tivemos aquela situação de perder vários jogadores por conta do coronavírus. Logo depois, a comissão técnica também pegou. Ficamos praticamente um mês fora e sofremos um pouco ali. No Brasileirão, quando você não começa bem. Sofre para recuperar. E nós demoramos muito a vencer. Fomos ter a primeira vitória contra o Fluminense lá no Rio. A vitória veio muito tarde. Apesar de termos um elenco forte, não podemos no Brasileirão ficar muito tempo sem pontuar. E nós ficamos.
O grupo sentiu a saída do Renato e a mudança de método de trabalho, após as chegadas de Tiago Nunes e Felipão?
O Grêmio vinha de cinco anos só com o Renato, com muitas conquistas e um futebol espetacular. O grupo já conhecia o Renato e era acostumado com o método de trabalho dele. Foi difícil. O Tiago Nunes chegou e teve um início maravilhoso, com várias partidas sem perder. Ganhamos Estadual. Mas aí teve... Não é desculpa. Frisa bem aí que não é desculpa. Mas a parada do coronavírus atrapalhou muito a gente. Perdemos força. Apesar do trabalho maravilhoso, o Tiago Nunes não fez vitórias, o que acabou culminando na saída do Tiago Nunes. Veio o Felipão com um método de trabalho mais conservador. O Felipão vinha fazendo um trabalho bom, mas não vinham as vitórias. Mesmo fazendo bons jogos, no final tomávamos um gol e perdíamos. Perdemos vários jogos em que o adversário chutava uma bola no gol e fazia o gol. E a gente martelava, finalizava o jogo inteiro, e a bola não entrava. Foram fases. Mas isso não é desculpa para nada. Nós somos os culpados pelo Grêmio estar nessa situação. Somos os principais, porque nós jogamos. Mas o momento que passamos eu espero que tenha acabado. Espero que agora tenhamos reencontrado o bom futebol e encontrando o caminho das vitórias, com o Mancini, que nos trouxe uma energia muito boa.
Procede que os jogadores do Grêmio entendem que o time rende mais jogando de forma ofensiva, devido às características dos jogadores? É verdade que vocês expressaram essa opinião ao Felipão?
O Grêmio tem muitos jogadores rápidos, de transição e de muita técnica. Os jogadores se sentem mais confortáveis assim. Não é que a gente propôs isso para o Felipão. Ele se preocupava com a marcação, mas não proibia a gente de jogar. Mas como ele adotava um time mais conservador, mais defensivo, nós não tínhamos tanto poder para atacar. Conversamos muitas vezes entre nós para que a gente pudesse entrar em um consenso para que tivéssemos mais poder ofensivo. Mas nós não pedimos ao professor Felipão para jogar assim. Nós queríamos, junto com as ideias do Felipe, jogar de forma mais ofensiva. É o futebol do Grêmio que é assim. Não é do Renato, do Tiago ou do Luiz Felipe. O Grêmio sempre marcou forte, mas nos últimos anos o Grêmio se tornou time de muita qualidade, que sempre jogou para frente. É uma coisa que está no DNA. Quando temos um treinador que gosta mais de um modelo defensivo e conservador, é claro que a gente acaba priorizando a parte defensiva. Teve sim esse diálogo. Conversamos com o professor Felipe para que a gente pudesse agregar esse poder ofensivo junto com as ideias dele. Mas ele era o nosso comandante. Quem decidia era ele. Estávamos ali para fazer o que ele queria. Ninguém quis mudar sistema de jogo nenhum. O treinador era ele. Só queríamos acrescentar algumas ideias com as ideias dele para que pudéssemos ter essa flexibilidade para atacar mais durante as partidas.
Como surgiu a ideia de você jogar na lateral esquerda? Você tem saudade de jogar na direita?
Sou lateral-direito de origem, mas já joguei muitas partidas na esquerda pelo Bayern, pelo Schalke 04 e pelo Olympiakos. A minha posição de origem era a lateral direita, mas estou sempre à disposição para ajudar. O Felipe disse que queria me colocar na esquerda. Eu sou funcionário do Grêmio e estou aqui para ajudar. Ele me colocou contra o Cuiabá, fui bem e ele me deixou ali. Foi quando começamos a fazer uma sequência boa de jogos. O Vanderson está com uma sequência boa. O Grêmio tem laterais-direitos e esquerdos de muita qualidade, como Vanderson, Victor Ferraz, Leonardo Gomes, Cortez, Diogo Barbosa e Guilherme Guedes. Qualquer um que entrar pode dar conta do recado. Mas estou feliz de poder ajudar.
Você se tornou capitão do Grêmio neste momento complicado. Como é o seu estilo de liderança?
Sou um cara muito exigente. Cobro dos mais novos e dos mais velhos, sempre da mesma forma e com as mesmas palavras. Estamos ali fazendo o bem pelo Grêmio, independentemente de quem joga. Quando você é o líder, você tem poder para cobrar do mais experiente, do camisa 10 ao menino que está subindo agora. Para algumas pessoas, isso pode soar de forma diferente. Tenho 18 anos como profissional e nunca tive problema com nenhum treinador. Cobro todos de forma igual. Atuei por oito anos no Bayern, fui o terceiro capitão e todo mundo me respeitava. Joguei no Bayern, no Schalke 04, no Genoa, no Flamengo, no Olympiakos e nunca tive nenhum problema. Sou uma pessoa do bem. Sou um líder positivo e que transmite coisas boas e está sempre querendo ajudar, esse sim sou eu. E só cobro os companheiros dentro de campo, pelo resultado e para que a gente melhore a cada dia. Não me meto na vida de ninguém. Eu mesmo me cobro para que eu possa melhorar. O futebol não é mais o mesmo. Só com talento não se ganha nada. Precisamos correr muito. Essa é a minha cobrança com os meus companheiros, como eles me cobram também muito. E assim estamos sempre nos cobrando e nos ajudando, pois o nosso ambiente é muito bom.
O Grêmio sempre marcou forte, mas nos últimos anos o Grêmio se tornou time de muita qualidade, que sempre jogou para frente. É uma coisa que está no DNA.
Entre todos os atletas com quem você já conviveu, quem é o líder que mais te inspira como capitão?
Um cara com quem convivi muitos anos e é o maior exemplo de liderança se chama Philip Lahm. Ele era o meu concorrente na lateral direita, capitão do time e da seleção e sempre que eu estava com o contrato por renovar, ele pedia pra diretoria para renovar o meu contrato. Não só o meu, mas de todos que ele via que vestiam a camisa do clube, colaboravam e estavam ali pra ajudar e faziam o bem par o clube. Ele tinha um bom ambiente com todos e tinha uma liderança natural. Aprendi muita coisa com ele. Era muito boa praça e dentro de campo todos reconhecem a qualidade dele.
E o Guardiola conseguiu inclusive arrumar uma maneira de você e o Lahm jogarem juntos.
Sim, o Guardiola o botou no meio-campo e me botou para jogar. Para você ver a força do Guardiola. Nos primeiros meses, ele sofreu críticas até de onde não esperava. “Você está louco? Tirar o capitão da seleção alemã da lateral para por o Rafinha na direita?” E ele respondeu: “o meu time é Rafinha e mais 10”. Isso foi muito importante para minha carreira. Trabalhei por três anos com o Pep e aprendi muito com ele.
A direção do Grêmio prepara um aumento na premiação aos jogadores em caso de permanência da Série A. De que forma esse tipo de medida aumenta a motivação do grupo?
É um incentivo a mais, mas vejo que nós não temos motivação maior do que colocar o Grêmio no lugar que ele merece que é a primeira divisão. Não tem dinheiro que pague isso. É uma motivação a mais. A diretoria está sempre procurando proporcionar as melhores situações para nós. Mas, para a gente, não existe motivação maior do que jogar no Grêmio e deixar o Grêmio na primeira divisão. Claro que é um incentivo a mais e que ficamos felizes que a diretoria está fazendo de tudo pra nos deixar mais motivados nos jogos, mas a motivação tem que vir da gente mesmo em fazer o melhor nos próximos jogos para deixar o Grêmio na primeira divisão.