Quando Anderson Daronco apitar o início da final do Gauchão, no Beira-Rio, Tiago Nunes realizará um sonho de todo gaúcho e gaúcha apaixonado por futebol: disputar um Gre-Nal. O santa-mariense de 41 anos tentou ser atleta, mas virou treinador. Antes de chegar ao maior clássico do Estado, passou pelas cinco regiões do Brasil e trabalhou em mais de 20 clubes. Nos próximos dois domingos, ele tentará superar o Inter na decisão do Estadual para alcançar seu primeiro título pelo Grêmio em menos de um mês no clube.
O futebol sempre esteve presente na vida do pequeno Tiago, que alimentou desde criança o desejo de ser jogador. Foi no Riograndense Futebol Clube, time do seu bairro, o Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Santa Maria, que tentou realizar o sonho. Como acontece com tantos garotos, não pôde ser atleta, mas não desistiu do esporte.
Ingressou no curso de educação física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e em 2001, aos 21 anos, retornou ao Riograndense como preparador físico. O clube a poucos metros de sua casa foi o berço da carreira de um desbravador da bola.
Tiago Nunes começou a peregrinando pelo Interior. Passou por São Luiz, Santo Ângelo e Pelotas. Depois, deixou o Estado e até retornou a sua cidade para trabalhar no rival do Riograndensente, o Inter-SM, onde ocupou também o cargo de diretor. No entanto, foi no Acre que recebeu a primeira oportunidade real como técnico.
No Rio Branco, sediado em uma cidade a mais de 4 mil quilômetros de sua Santa Maria, Tiago Nunes iniciou a carreira na casamata com título. Em 2010, conquistou o Campeonato Acreano. Primeiro capitão do atual comandante do Grêmio, o ex-volante Zé Marco lembra que o técnico impressionou nos primeiros treinamentos.
— Apesar de ser o primeiro trabalho, ele demonstrou que estava muito bem preparado, tanto taticamente quanto na gestão de grupo. Não tínhamos tido ainda a possibilidade de trabalhar com um profissional desse nível, ainda mais começando. Tiago sempre foi muito profissional, cobrava muito, mas também elogiava. Ele sempre foi muito leal, algo que no futebol é raro — recorda Zé Marco, que cita a confiança passada pelo iniciante.
— Eu tinha 28 anos, quase a idade dele. Tínhamos até jogadores mais velhos, mas ele ganhou a confiança de todos. Quando passamos pela semifinal (ao derrotar o Juventus), ele foi na arquibancada junto dos torcedores gritando que seríamos campeões. E fomos (batendo o Náuas). Ele não mudou com o sucesso, até hoje seguimos conversando — completa Zé Marco.
Retorno
Como tantos profissionais de pequenos clubes, Tiago Nunes passou por dificuldades. Em 2012, o Riograndense reapareceu na sua vida. Ou melhor, ele procurou o clube. Com uma carta, pediu uma nova oportunidade.
— Ele pediu a oportunidade, nós demos e foi uma grata surpresa. Tiago estava sempre estudando e conversando, querendo melhorar. O treinamento dele já era diferente — conta o ex-vice-presidente do Riograndense Dilson Siqueira.
O ano de 2012 marcou o centenário do clube, que voltaria a enfrentar o rival Inter-SM após longo período. Tiago Nunes levou o Riograndense à vitória, de virada, por 2 a 1.
— O Inter era um clube que vinha de disputar a primeira divisão. Nós tínhamos medo de levar uma goleada, a gente tinha pouco dinheiro para montar o time. Tiago conseguiu, com uma boa estratégia, vencer o clássico — recorda Siqueira.
Tiago Nunes deixou o Riograndense ainda em 2012. Em 2013, teve sua primeira passagem pelo Grêmio, onde conquistou o Gauchão sub-15 com nomes como Jean Pyerre e Darlan no time. Mas seu destino estava no Interior. Ele voltou a comandar pequenos clubes nos anos seguintes.
Em 2017, foi contratado pelo Athletico-PR. A história é conhecida. O gaúcho ganhou o Paranaense de 2018 com a equipe B e recebeu a oportunidade de substituir Fernando Diniz no time principal. Os títulos da Sul-Americana, naquele ano, e da Copa do Brasil, em 2019, vencida dentro do Beira-Rio, o transformaram em um técnico de elite no futebol brasileiro.
A passagem pelo Corinthians, em 2020, foi frustrante, principalmente pela falta de respaldo. Antes de chegar à Arena, recebeu proposta do Uruguai e chegou a planejar desbravar o futebol sul-americano em busca de novos desafios. Mas, antes que pudesse deixar o país, surgiu a possibilidade de substituir Renato Portaluppi no Grêmio. Agora, neste domingo, 16 de maio, ele realizará o sonho do garoto Tiago de disputar um Gre-Nal.
Renato deixa legado e também pressão
O primeiro Gre-Nal da decisão do Campeonato Gaúcho aparece para Tiago Nunes depois de apenas 23 dias da sua chegada ao Grêmio. Apresentado em 23 de abril, o treinador estreou no dia seguinte, contra o Ypiranga, em Erechim, com triunfo por 3 a 2. No total, são seis partidas pelo novo clube, com 100% de aproveitamento. O bom início — o melhor de um técnico desde Evaristo de Macedo, em 1997 —, no entanto, será colocado à prova diante do maior rival nos dois confrontos que valem o título estadual.
Além do pouco tempo de trabalho, Tiago tem no Grêmio o desafio de substituir o maior ídolo da história do clube. Se Renato deixou o comando da equipe desgastado com parte da diretoria após uma reta final de temporada 2020 ruim, e com a eliminação precoce na fase preliminar da Libertadores de 2021, os seus quatro anos e meio de Arena foram repletos de glória.
Depois de tirar o Tricolor da fila de 15 anos sem grandes títulos com a Copa do Brasil, em 2016, de conquistar o tri da Libertadores, em 2017, e o bi da Recopa Sul-Americana, em 2018, Renato reconduziu o clube na retomada da hegemonia estadual. O Grêmio, que não vencia o Gauchão desde 2010, levantou a taça em 2018, 2019 e 2020, um tricampeonato que não era alcançado desde os anos 1980.
Antes de seu primeiro Gre-Nal como técnico, Tiago Nunes tratou de ressaltar seu conhecimento da rivalidade. Com cautela no discurso, o treinador evitou admitir vantagens para seu time e tampouco apontar alguma superioridade para o rival na semana do clássico.
— Gre-Nal sempre é um jogo especial e tem que ser tratado assim. Quem é da aldeia sabe o quanto é valorizado e faz parte da nossa cultura desde sempre. É um jogo tão especial e importante que a superação e a força de vontade dos atletas acabam equiparando tudo. O importante é fazer um bom jogo, independente de viagens ou sequência de jogos — declarou.
Se o Grêmio ganhar o Gauchão, Tiago repetirá o feito de Otacílio Gonçalves, o "Chapinha", comandante do último tetra gaúcho do clube, em 1988. Com a experiência de ter trabalhado nos dois grandes do Estado, Otacílio destaca a importância de ter sucesso no Gre-Nal para qualquer treinador.
— A vitória em Gre-Nal te dá embalo, força e tranquilidade para o restante do trabalho. Se não ganha o Gre-Nal, começa a ter desconfiança de torcida, imprensa e no clube. Se ganha, todos te apoiam. Sempre foi assim, com qualquer técnico — aponta Otacílio Gonçalves.
A superioridade do Grêmio
O Grêmio não perde um Gre-Nal pelo Gauchão desde março de 2018, quando o Inter venceu por 2 a 0, no Beira-Rio, na volta das quartas de final. Mesmo assim, o Tricolor obteve a classificação porque havia goleado na ida, na Arena, por 3 a 0. Desde então, foram disputados sete jogos, com cinco vitórias gremistas e dois empates, em uma invencibilidade de três anos e dois meses no Estadual.
Outro detalhe no histórico positivo é que o Grêmio não sofreu nenhum gol nessas sete partidas. No total, o Inter tem uma seca de 653 minutos sem balançar as redes em Gre-Nal válido pelo Gauchão.
As maiores séries invictas em clássicos pelo Gauchão são de 12 jogos. O Inter atingiu essa marca entre outubro de 1982 e dezembro de 1985. O Grêmio, posteriormente, entre maio de 1987 e março de 1990.
Veja a atual série invicta do Grêmio em Gauchão
- 17/3/2019 - Arena - Grêmio 1 x 0 Inter
- 14/4/2019 - Beira-Rio - Inter 0 x 0 Grêmio
- 17/4/2019 - Arena - Grêmio 0 x 0 Inter (nos pênaltis: Grêmio 3 x 2)
- 15/2/2020 - Beira-Rio - Grêmio 1 x 0 Inter
- 22/7/2020 - Centenário (Caxias do Sul) - Grêmio 1 x 0 Inter
- 5/8/2020 - Arena - Grêmio 2 x 0 Inter
- 3/4/2021 - Arena - Grêmio 1 x 0 Inter
QUEM É
- Nome completo: Tiago Retzlaff Nunes
- Natural: Santa Maria (RS)
- Nascimento: 15/2/1980 (41 anos)
- Clubes: Corinthians, Athletico-PR, Veranópolis, Ferroviária, São Paulo-RG, Juventude (base), Colorado-PR, Grêmio (base), União Frederiquense, Bagé, Riograndense, Nacional-AM, Sapucaiense, Rio Branco-AC, Esporte Clube São Luiz, Luverdense-MT, Novo Horizonte-GO, Bacabal-MA, Santo Ângelo-RS, Pelotas-RS, São Luiz-RS, Camponovense-SC.
- Principais títulos: Campeonato Acreano (2010), Campeonato Paranaense (2018), Campeonato Paranaense (2018) e Copa do Brasil (2019),