Quem viu o zagueiro firme que vestiu com sucesso as camisas de Grêmio e Corinthians entre 2006 e 2010 talvez não pudesse imaginar que ali estava um futuro consultor financeiro. Pois William, que chegou a trabalhar ainda como dirigente e comentarista após pendurar as chuteiras, deixou o mundo do futebol há dois anos para mergulhar no mercado de investimentos. Ele conversou com GaúchaZH e contou como tem sido sua rotina neste período de distanciamento social.
O interesse de William por gestão de recursos vem de antes da chegada ao Grêmio. Quando defendia clubes pequenos teve de lidar com atraso nos salários e iniciou a faculdade de Ciências Contábeis. Começou ali uma caminhada que o levou até a Messem Investimentos, uma empresa que lida com a gestão de quase R$ 5 bilhões de seus clientes. Seu título nesse novo desafio está a caminho, ele espera levantar como uma taça o diploma da faculdade que retomou após deixar o futebol e que segue cursando a distância em meio à pandemia de coronavírus.
Confira o bate-papo com William:
Como têm sido esses dias de distanciamento social pelo coronavírus?
Como estou no mercado financeiro, a gente consegue trabalhar de casa pelo notebook. Isso é um privilégio neste momento, embora esteja trabalhando mais. O momento atual exige um trabalho maior no mercado financeiro, mas eu não reclamo. A gente precisa fazer uma assessoria e ajudar as pessoas na parte financeira, já que da saúde se cuida ficando em casa.
Como um zagueiro foi parar no mercado financeiro?
Quando eu jogava em times pequenos iniciei o curso de Ciências Contábeis, mas não cheguei a me formar. Desde lá me interessei por mercado de capitais, passei a ler mais sobre isso. Quando jogava em equipes grandes passei a administrar o que eu ganhava e também a ajudar meus companheiros. Ali vi que poderia ser uma profissão.
Quando os clientes te reconhecem, o assunto futebol acaba vindo?
Tem vezes que a pessoa não reconhece no começo porque eu trabalho com roupa social, é diferente. Quando eu falo mais, aí reconhecem e vira assunto porque futebol é uma paixão nacional. Reuniões que demoram 30 minutos com os meus colegas acabam levando uma hora e meia comigo porque falar de futebol é sempre bom.
O futebol ficou para trás na sua vida?
Eu estou muito feliz com o que estou fazendo. Como dirigente há um desgaste muito grande porque o futebol exige 24 horas do teu dia. Quando você é jogador tem os momentos de descanso, mas na parte diretiva tem de cuidar de tudo. Comentarista é menos desgastante, mas o mercado financeiro tem a vantagem de não trabalhar final de semana e feriado. Não vou dizer que nunca voltaria, mas estou muito mais tranquilo podendo conviver com a minha família. Tenho uma filha de 3 anos e esses momentos são importantes. O futebol tira muito o tempo da família.
No tempo que não está trabalhando, o que você tem feito neste período?
No tempo livre gosto de ver filmes e séries com a minha esposa. Gosto de ler algumas coisas fora do mercado financeiro, mas neste momento está um pouco mais difícil porque estou terminando a faculdade. Tem muita coisa a ser estudada, então não tenho tanto tempo.
Antes da quarentena, você ainda jogava futebol com os amigos?
Eu tenho muito receio de me lesionar. Eu nunca gostei de departamento médico. Fazer fisioterapia era muito chato. Sei que hoje não teria disciplina para fazer. Então lesionar seria ruim. Acabo preferindo ir para a academia e correr. O futevôlei, sim, é algo que eu gosto. Isso vou fazer quando passar o isolamento.
Viu alguns dos jogos antigos?
Vi trechos de alguns jogos do Grêmio e do Corinthians. Nos grupos de WhatsApp sempre vejo amigos brincando e tirando sarro. Mas o jogo que vi um pouco mais foi a final do Paulista de 2009 entre Corinthians e Santos. Meu pai que fica vendo todos. Para a gente que jogou parece que é um sonho. Eu vejo e parece algo distante.
Para zagueiro também é complicado porque os gols é que marcam mais, não é mesmo?
Isso também é verdade. Um jogo que eu gostaria de rever é aquele Grêmio e São Paulo da Libertadores de 2007, que vencemos por 2 a 0 no Olímpico. Era um jogo difícil porque perdemos por 1 a 0 no Morumbi e não podíamos levar gol em casa. Para o zagueiro é um desafio muito forte porque você joga com erro zero. Lembro que terminei essa partida até com dor de cabeça de tanto que tive que me concentrar. Aí no vestiário, o Seu Verardi, uma pessoa que eu admirava muito, chegou e disse: "parabéns, nunca vi uma dupla de zaga jogar tão bem quanto vocês hoje". Claro que ele deve ter visto outras atuações, mas falou isso porque queria mostrar o quanto o Teco e eu tínhamos jogado bem naquela noite.
Que lembranças você tem da passagem pelo Grêmio?
A experiência no Grêmio foi maravilhosa para mim. Foi a primeira equipe de Série A que eu defendi. Tive algumas sensações inéditas e únicas. Lembro da estreia contra o Vasco, a gente tomou um gol e a torcida começou a cantar ainda mais. Eu estranhei porque em time pequeno a torcida normalmente murcha quando toma um gol. Aquilo foi um cartão de visitas. Até hoje tenho a sensação de estar voltando para casa quando vou a Porto Alegre. Tenho lembranças especiais das pessoas e da cidade.
O que te marcou naquele time?
A gente ficou em terceiro no Brasileirão de 2006. Foi uma campanha muito boa para quem estava retornando da Série B. Em 2007 fomos campeões gaúchos e chegamos na final da Libertadores. O nosso time tinha muita transpiração. A gente acreditava que o adversário teria de ser muito melhor para conseguir nos vencer. E foi isso que aconteceu durante todo o tempo que eu estive no Grêmio. O time para nos vencer tinha que ser muito bom ou estar em um dia iluminado.
Foi o que aconteceu na final da Libertadores?
Os placares foram um pouco exagerados. Aqui no Olímpico, o Diego Souza acertou uma bola no travessão, o Schiavi outra na trave. Aí o Riquelme acertou um chute quase sem ângulo e abriu o placar. Ele era um grande jogador e eles tinham um grande time, mereceram, mas aquele é um vice que eu tenho muito orgulho. Claro que queria ser campeão, mas olhando para os times que a gente deixou pelo caminho se vê que fizemos uma grande campanha.
O Diego Souza estava naquele time de 2007 como meia e hoje é o centroavante do Grêmio. Imaginava que ele poderia atuar nessa posição?
O Diego amadureceu em alguns aspectos. Ele sempre foi muito competitivo, mas quando você é mais jovem isso te atrapalha em alguns momentos. Ele sempre foi um jogador muito forte fisicamente, que arrastava os adversários naquela Libertadores. Na medida em que foi perdendo essa força, o Diego aprendeu a lidar e os treinadores souberam ajustar o posicionamento. Ele chuta forte, protege bem a bola e é um grande cabeceador. Esse novo posicionamento vai ajudar a prolongar a carreira dele. O Grêmio pode tirar muito proveito disso.