
Milhares de famílias em todo o Brasil, mas, em especial, no Rio Grande do Sul, vão sentar no sofá na noite desta quarta-feira (22) para vivenciar uma rotina diferente quando o assunto é Gre-Nal. Pela primeira vez em 111 anos e 424 clássicos, não terá torcida no estádio para acompanhar um duelo entre Inter e Grêmio.
Às 21h30min, a partida será iniciada no Centenário, em Caxias do Sul. Os torcedores, porém, não poderão ir ao campo de jogo, tampouco reunir os amigos ou correr para um bar. Desta vez, por conta da pandemia do coronavírus, o jeito para acompanhar a partida que marca o retorno do Campeonato Gaúcho após 129 dias de paralisação será ligar a televisão na RBS TV, o radinho na Rádio Gaúcha e curtir cada lance de casa.
Churrasco, pizza, pipoca, refrigerante, cerveja, está tudo liberado entre aqueles que moram juntos. A festa para o vencedor — se houver um — terá de ser da porta para dentro. No primeiro Gre-Nal sem torcida, a energia que normalmente emana das arquibancadas será enviada de cada sofá, cadeira, poltrona ou onde quer que você esteja assistindo ou ouvindo o jogo.
Por isso, GaúchaZH buscou três famílias: uma colorada, outra gremista e uma mista para mostrar como eles acompanharão ao jogo desta noite. Mesmo à distância, a expectativa é alta. O tempo sem ver o time do coração entrar em campo será liquidado logo com o principal clássico do Estado. E ninguém quer saber de empate. Todos querem uma vitória da sua equipe. Confira:
O churrasco dos colorados

A família do consultor de vendas Moisés Santos dos Santos, 42 anos, é acostumada a ir ao Beira-Rio. Sócios do Inter, não perdem um jogo do time em casa. Nesta noite, mesmo com mando de campo do clube colorado, a partida será no estádio Centenário, em Caxias do Sul. E não terá público, devido à pandemia do coronavírus. Portanto, a rotina precisará ser outra.
Acompanhado das filhas Mariani e Rafaelli, além do genro Demétrio, que moram com ele em Gravataí, farão um churrasco para celebrar a volta do Inter aos gramados. A saudade do clube do coração é tanta que a vontade de Moisés era ficar com a camisa colorada o dia todo.
— A expectativa por assistir em casa, sem torcida, sem a família reunida, só nós, é muito angustiante e diferente para a gente — conta ele, que tem tatuagens do Inter pelo corpo e foi até mesmo membro de torcida organizada do clube.
A paixão pelo Inter vem de família. Os avós paternos foram roupeiros do time na década de 1950, quando o estádio dos Eucaliptos ainda era a casa colorada. Esse sentimento, claro, foi herdado pelas filhas.
— Como estamos neste momento de pandemia, vamos acabar assistindo ao jogo na sala, reunidos, fazendo o famoso churrasco — diz Mariani, de 20 anos, que faz aniversário amanhã e espera uma vitória no Gre-Nal como presente.
Apreensivos para ver o Inter depois de quatro meses sem jogos, eles esperam uma partida disputada, mas com vitória colorada. O placar: 2 a 0, com dois gols de Guerrero, que ainda não balançou as redes no clássico.
Até mesmo Débora Argiles, noiva de Moisés, que precisou viajar a Torres para resolver assuntos familiares, acompanhará a partida de lá.
— Vou assistir ao jogo aqui na praia. Mas estou pronta, na expectativa do Gre-Nal da volta do Gauchão. Estou muito feliz com isso — ressalta.
O jogo terá outra motivação especial para a família. Há uma semana, morreu de infarto Jorge Luís Santos do Amaral, companheiro de estádio e primo de Moisés, aos 53 anos. Por isso, o clássico que marca o retorno do time após o longo período de inatividade também representa a primeira partida sem o parceiro de arquibancada. Em homenagem a ele, o que pedem é uma vitória.
A pizza dos gremistas

Dia de jogo do Grêmio é dia de ir ao estádio para a família de Graziela Queiroz, 46 anos. Ainda mais, quando o assunto é Gre-Nal. Mas a rotina que antecede o clássico para ela e os filhos Michael, 22 anos, e Fabrício, 20 anos, começa bem antes da data da partida. Como não são sócios, precisam ir em busca de ingressos ou carteirinhas.
Nesta quarta, porém, eles não serão os únicos que não poderão ir ao estádio assistir ao clássico. Todos os jogos neste retorno do Campeonato Gaúcho serão sem torcida — e com restrições até mesmo para os clubes, imprensa e demais envolvidos na realização das partidas. Por isso, este será um Gre-Nal diferente.
— A ansiedade é maior por não podermos estar lá, sentindo a atmosfera do jogo, da volta do estádio, aquele clima, aquela emoção. Com certeza é diferente. O dia vai ser longo até chegar a hora do Gre-Nal — fala Michael.
As incontáveis horas até o apito inicial do clássico serão na sala de casa. A preocupação, que desta vez não será com ingresso, ficará por conta do sabor da pizza que irão encomendar no bairro Bom Sucesso, em Gravataí.
— Vamos assistir ao jogo na sala, reunidos, e para acompanhar vamos seguir a tradição de sempre quando ficamos em casa que é pedir uma pizza — conta Graziela.
Para os filhos irem aos jogos do Grêmio, já passou por situações inusitadas. Mas o Gre-Nal dos 4 a 1, em 9 de novembro de 2014, não sai da lembrança da professora. Fabrício, o mais novo, conseguiu ingresso para o clássico, mas ela não. Levou o guri até a Arena e vivenciou a partida de uma forma diferente.
— Fiquei no carro, no estacionamento, ouvindo os gritos da torcida e ouvindo o jogo pelo rádio, curtindo aquela emoção e vibrando sozinha — recorda Graziela.
Sobre o jogo de hoje, a família dispensa favoritismo. Acreditam que o longo período de inatividade das equipes tornará o duelo bastante parelho. A expectativa, no entanto, é por uma vitória sofrida.
— Acho que vai ser um jogo muito pegado, como todo clássico. Mas o Grêmio tem o Cebolinha e a gente sempre espera que ele faça a diferença, porque joga muito. Aposto em uma vitória do Grêmio, 1 a 0 ou 2 a 1 — afirma Fabrício.
O primeiro Gre-Nal de Mariá

Quando Mariá nasceu, os jogos já haviam sido paralisados. A filha de Daniel Soares e Denise Machado da Silva completa 80 dias de vida nesta quarta-feira e, ainda que ela não vá se lembrar depois, assistirá seu primeiro Gre-Nal nesta quarta-feira, em Dois Irmãos. De branco, ela ficará isenta em meio ao pai colorado e à mãe gremista.
— Temos um regra aqui em casa que, quando ela tiver discernimento, vai decidir o time. A gente não vai influenciar, por isso ela vai ficar de branco, porque ainda não sabe para quem estará torcendo — explica Daniel, 35 anos.
Ainda que tenha combinado e não queiram influenciar na escolha da filha, a mãe acredita que ela será colorada. Isso porque, segundo Denise, 32 anos, o pai é mais fanático do que ela.
— Minha família toda é gremista, sempre torci, ainda mais em Gre-Nal. Costumava me reunir com as minhas irmãs, com o meu pai, mas o Daniel é fanático. Então, acho que vai dar uma forçadinha para ela ser colorada — rebate a mãe.
O certo é que, no primeiro jogo em que Mariá ficará sentada em frente à televisão para acompanhar o clássico ao lado dos pais, Inter e Grêmio voltarão a campo depois de 127 dias. De casa, Daniel promete fazer uma pizza para comer com a esposa. Beberá vinho, enquanto Denise ficará apenas no suco, já que está amamentando a filha que ainda não completou três meses.
A experiência será nova para a família. No último Gre-Nal, o primeiro válido pela Libertadores, Daniel estava na Arena e viu o empate em 0 a 0, marcado pelas brigas no final do jogo. Desta vez, ele e Denise terão como parceira Mariá, que sequer tinha vindo ao mundo à época daquela partida. Eles entendem que será uma situação inusitada.
— É diferente ver em casa. Será estranho não poder reunir a família em um Gre-Nal, não ter aquele calor humano — diz Denise.
— Normalmente eu vejo com mais gente, seja no estádio ou em algum outro lugar. Será diferente, não sei nem se concordo que o futebol volte agora, porque acho que não é justo com as outras pessoas que não podem realizar suas atividades. Mas clássico é clássico, temos de torcer e temos de ganhar — complementa Daniel.