O título gaúcho do Novo Hamburgo, vencendo Inter na final e Grêmio na semi, além da óbvia lição do menor suplantar o maior, carrega consigo casos de superação humana. São histórias de volta por cima, de insistência no sonho, de nunca deixar de acreditar. Para usar o jargão dos jogadores, o mundo gira na velocidade da bola.
Leia mais:
Cléber Grabauska: Novo Hamburgo faz história no Campeonato Gaúcho
Fé, tensão e glória: o título do Novo Hamburgo visto das arquibancadas
E agora, Noia? O que o futuro reserva para o Novo Hamburgo, campeão gaúcho
Porque é só esta expressão que explica o sentimento que nem o próprio Juninho consegue descrever. Um dos destaques do Estadual, o meia fraquejou há dois anos. Na Série C, penou no Icasa. Morando em Juazeiro do Norte, pegou um clube desorganizado, em queda livre – de quase ir para a primeira divisão, despencou para a quarta. Não recebia. Aceitou um convite do Novo Hamburgo para retornar pela terceira vez ao Rio Grande do Sul. Aos 30 anos, admite:
– Lá vivi o pior momento da minha vida, podemos dizer. Estava longe, situação complicada, estrutura. A gente até repensa as coisas, né?
Mas o Juninho não repensou. Ainda havia tempo para provar seu valor. Com a confiança de Beto Campos e da direção, a organização do clube e uma preparação mais forte, a 10 lhe caiu naturalmente.
– Minha família ficou emocionada. Todos torceram por mim, agora estamos colhendo os frutos – comentou o meia pernambucano, que, nesta colheita, vestirá o verde do Juventude na Série B nacional.
Vem do Recife também Branquinho. Apesar da identificação com o futebol gaúcho, o veloz atacante de 27 anos é torcedor do América-PE, uma espécie de segundo time do coração de todos os pernambucanos. Por sua identificação com o clube de sua terra natal, aceitou um projeto na Série D do ano passado recebendo um salário baixíssimo até para os padrões da quarta divisão. Como recompensa, seria o modelo para a gurizada da região que sonha em correr atrás da bola.
– Até passamos de fase, o que foi importante. Mas era uma estrutura pequena. Por isso, não tenho nada para falar mal do pessoal, sei da dificuldade que é – explica o atacante.
O pior não foi disputar a Série D no time pequeno. É que a ideia do América-PE era apenas um símbolo, mandato-tampão para a ponte final: uma transferência para a Arábia Saudita que lhe garantiria um fôlego financeiro e, quem sabe, até uma segurança para uma carreira internacional. Agora, aguarda a definição para o que vai fazer no segundo semestre.
– Mas olha como são as coisas. Se tudo tivesse funcionado, hoje meu currículo ainda seria "Branquinho, atacante de velocidade". Agora é "Branquinho, campeão gaúcho" – diverte-se.
O título, aliás, é o primeiro de primeira divisão da carreira do lateral-esquerdo Assis. Depois de parar os fortes lados direitos de Inter e Grêmio, o jogador de 31 anos reencontrou no Novo Hamburgo a alegria de correr atrás de ponteiros foguentos. Ano passado, o piauiense penou no sergipano Confiança, na Série C. Apesar de ter se destacado individualmente, sofreu com o time, que não se classificou, mas também escapou do rebaixamento.
– Para mim até foi bom, abriu portas, tanto que vim parar aqui. Mas sempre fica alguma coisa para trás, falando de dinheiro. Estamos acostumados. Não chegou a faltar, passar necessidade, porque estamos sempre correndo – explica o lateral.
Agora, espera o desfecho de uma série de negociações às quais tem o nome ligado. No momento, comemora com os companheiros, é mais tímido do que João Paulo, Jardel, Júlio Santos e Branquinho:
– Acho que nem sei bem o que está acontecendo. Talvez daqui a 20 anos a gente vá entender. Tipo o que ouvimos falar do Caxias do Tite (campeão de 2000) nos últimos dias, sabe?
A conquista, vale lembrar, veio pelos pés de Pablo. O zagueiro viveu os últimos dias de 2016 no São Carlos, da terceira divisão paulista. Apesar de jovem – tem 25 anos – é um nômade da bola: do Atlético-PR ao Novo Hamburgo foram quase uma dezena de times entre o interior goiano (Jataiense), o carioca (Duque de Caxias), o paulista (Mogi Mirim, São José) e o gaúcho (São Gabriel). Aprendeu nos duros caminhos interioranos.
De carreira internacional tem o volante Amaral. Antes de voltar ao Novo Hamburgo, passou pelo 3 de Febrero, do Paraguai. Apesar da boa estrutura e do salário em dia, o time não tinha a qualidade necessária para encarar o campeonato nacional. Foi rebaixado. E o pior: no ano seguinte, não conseguiu subir.
– No fim, foi uma experiência boa. Mas aqui é o auge, né? Nos preparamos para isso e como vínhamos ganhando desde o início, o título nunca saiu da nossa vista. Era nosso objetivo, e o alcançamos – comenta.
Ontem, vários foram premiados pela Federação Gaúcha de Futebol (FGF), em um reconhecimento ao mérito. E também à superação pessoal, à volta por cima e a nunca desistir.
– Estava falando com o Jardel justamente sobre isso. Quem de nós pensou, há uns cinco ou seis meses, quando estávamos penando por aí, que hoje estaríamos sendo premiados pelo título do Gauchão? – finaliza Assis, em uma frase que resume o conto de fadas do Novo Hamburgo.
Que, quem sabe, pode estar recém começando. Agora, vem aí a Série D.