Uma vez, desrespeitei um conselho que me deram quando comecei no jornalismo: "nunca devolve a bola que sai do campo".
Não foram poucas vezes que ela parou do meu lado, pedindo para ser chutada e eu agia como se não fosse comigo, tipo quando para uma mulher do teu lado e a tua esposa tá junto, sabe?
Até que uma tarde escaldante de 2006, cedi à tentação. De devolver a bola, falo.
Com os saudosos colegas Vicente Fazio e Claudio Damas, fizemos uma viagem terrível. O carro estragou em Pinheiro Machado, ficamos parados no sol do meio-dia a 80 quilômetros do nosso destino, a Pedra Moura, onde o São Paulo enfrentaria o Bagé.
Chegamos à cidade em cima de um guincho, abaixados para não sermos vistos dentro do carro pela PRF, sem almoço e com muito calor. Bagé parecia o deserto do Saara.
Quando a bola rolou, rapidamente os donos da casa abriram 2 a 0. No segundo tempo, nessas reviravoltas do futebol, o São Paulo empatou.
A torcida, irada, tinha descido as arquibancadas e ficado aglomerada no alambrado, atrás de mim. Na pressão do Bagé, a defesa afastou a bola para a lateral. Então, descumpri o conselho.
A bola vinha de mansinho na minha direção, o jogador correu até a linha e, sem me dizer uma palavra, me pediu para alcançá-la. Inexplicavelmente tentei dar um passe ao estilo Mario Sérgio, olhando para um lado e mandando para o outro. Chutei a bola e os conselhos que ouvi. Consegui dar um balão em mim mesmo. A bola voou sobre o alambrado e foi parar nos torcedores. Meu Deus, que bronca!
Os caras achavam que eu queria fazer cera. Na minha memória, eram, sei lá, 300 torcedores aglomerados e querendo minha cabeça. Até que tive a brilhante ideia de me virar e encará-los. Eles já tinham puxado o cabo do microfone e eu precisava reagir. Mirei num tiozinho e falei:
- Senhor, se eu tivesse habilidade estaria lá dentro e não aqui, como repórter.
Em vez de me matarem, eles passaram a rir. O tiozinho que me xingava passou a gargalhar tanto que, por pouco, não perdeu até a dentadura.
Causos do Interior
Jota Finkler: repórter não pode devolver a bola no Interior
Jornalista da Rádio Oceano FM, de Rio Grande, conta quando se atreveu a passar uma bola na Pedra Moura
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