Marquinhos Xavier encerrou 2023 com 100% de aproveitamento à frente da seleção brasileira, não só em amistosos, mas na Copa das Nações. A competição realizada em São Paulo teve o Brasil como campeão diante do Irã, na final, em setembro.
A temporada foi de preparação para a Copa do Mundo do Uzbequistão, que ocorre entre 14 de setembro e 6 de outubro de 2024. Antes, para garantir uma vaga no Mundial, a seleção embarca para o Paraguai, onde joga a Copa América, em fevereiro. O formato do torneio ainda não foi confirmado, mas se sabe que são quatro vagas diretas disponíveis para os sul-americanos. O sorteio dos grupos será em 12 de janeiro, às 11h.
Em entrevista à GZH, o treinador da seleção canarinho avalia a última temporada e projeta os desafios que estão por vir no ciclo preparatório para a Copa do Mundo — desde 1989, quando a Fifa passou a organizar o torneio, o Brasil conquistou cinco títulos. Além disso, Marquinhos Xavier comenta o bom ano do Atlântico, time gaúcho campeão da Liga Nacional.
Qual foi a evolução apresentada pela seleção brasileira em 2023?
Pela primeira vez dentro do ciclo, a gente sentiu a importância dos resultados, mas, acima de tudo, da performance da equipe. Isso tem relação direta com cumprirmos o planejamento que tínhamos traçado em outubro de 2022, com amistosos e um data competitiva, onde iríamos ter a experiência do clima todo que envolve uma competição. Tivemos a oportunidade de repetir quase a mesma formação nas cinco datas Fifa. Isso deu para a seleção uma identidade maior. A gente sempre teve um problema quanto a isso. E o problema tem sido cada vez maior porque os jogadores estão fora do Brasil, muitos deles. Cerca de 80% da seleção é composta por jogadores que estão na Europa e na Ásia. Isso é um dificultador. Por outro lado, a gente conseguir reunir praticamente todos eles nesse período.
Taticamente, a seleção conseguiu avançar?
Em quatro datas, fizemos amistosos contra seleções fortes. A outra data a gente teve a Copa das Nações, contra seleções com um poderio importante. Terminamos a temporada vencendo todos os jogos. Por uma questão de obrigação, você precisa ganhar, mas o que me deixa feliz é o desempenho. Naturalmente, a gente já tem no nosso sistema ofensivo uma característica muito própria brasileira, mas foi onde a gente mais evoluiu.
Temos uma seleção de jogo muito individual. O que a gente ganhou foi a possibilidade de jogar mais coletivamente. A gente percebe uma distribuição de ações individuais mais um percentual muito maior de gols que passam por dois ou três atletas antes da conclusão. Eu sempre questionei muito para ver se a gente chega por via individual ou coletiva. É importante, mas não podemos ficar reféns da individualidade. Temos que surpreender de outra forma também. Houve esse avanço em função de conseguirmos repetir as convocações. São cinco datas no ano. Se a gente muda muito o padrão, você perde essa questão do entrosamento. Acredito que a gente pode melhorar defensivamente, embora o retrospecto seja favorável. Nos últimos dois amistosos, contra a Costa Rica, mantivemos a média de gols. Temos sofrido um por partida.
Saindo um pouco da seleção brasileira, tivemos dois anúncios importantes nesse ano. A criação do Campeonato Brasileiro de Futsal, em 2024, pela Confederação Brasileira de Futebol de Salão (CBFS) e o Talentos LNF, da Liga Nacional de Futsal, competição sub-20 que também começa em 2024. Como essas novidades podem beneficiar o futsal brasileiro?
Eu acredito que é importante ter mais uma competição. Isso vai dar oportunidade para muito mais pessoas. Poderemos tentar, de alguma maneira, buscar jogadores de outras regiões. Nós nos limitamos a uma região do país. A gente sempre teve jogadores oriundos do Norte e Nordeste, que fizeram muito sucesso, principalmente no rio Grande do Sul. Isso for se perdendo, levando em consideração que a Liga ficou muito concentrada no Sul e no Sudeste. O estado do Rio de Janeiro, por exemplo, foi muito importante para a renovação do futsal brasileiro, e não tem tido tanto espaço. As nossas regiões são muito ricas e precisam ser complementares. Outro aspecto importante é que o surgimento dessa nova competição faz com que a Liga veja que agora tem uma concorrência. Como tudo na vida, a concorrência desperta aqueles que estão numa zona de conforto a fazer algo a mais.
A Talentos já chega tarde. Eu fui uma das pessoas que sugeriu que nós tivéssemos uma liga de desenvolvimento. Chamaria de liga da Talentos. O nome pouco importa. O objetivo é que surjam oportunidades para atletas mais jovens. Eles, hoje, tem um período de incubação maior. No futebol, é difícil surgir um jogador de 17, 18, 19, 20 anos que se coloque e que as pessoas digam que está preparado para um nível de pressão. Tem que incubar um pouco mais. Tem jogadores que estão maturando perto dos 28, 29 anos.
Não sei te dizer se, diretamente, ela beneficia a seleção brasileira. A gente tem um funil. O atleta que se destaca no Brasil, rapidamente, acaba indo para a Europa. Os jogadores, que fazem muita diferença no futsal brasileiro, estão indo para mercados com a oferta financeira muito alta.
O Brasil ganhou a Copa das Nações com facilidade, o que também ocorreu no título do Sul-Americano Sub-20, no mesmo mês. Essa disparidade técnica também vai aparecer na Copa América?
A Copa América ganhou uma dimensão maior. Passa a ser a eliminatória da Copa do Mundo. Os times não vão jogar só pela Copa América, mas pelas vagas para o Mundial. As disputas devem ser mais acirradas. São quatro vagas por continente, e a gente tem bons candidatos. O êxito do Brasil tem que ser analisado não só sob o ponto de vista técnico, mas estratégico. O Brasil renovou muito a seleção para o Mundial de 2021. Dos 16 atletas que estavam no Mundial da Lituânia, 14 estavam indo pela primeira vez. Agora, a gente já tem essa renovação mais natural. As outras seleções, Colômbia, Paraguai, Peru e Venezuela, têm dificuldades de renovação porque o futsal não tem difusão dentro desses países. Em cada convocação, eu poderia convocar 14 jogadores diferentes dos que eu convoquei, mas aí se perderia o processo.
A Argentina passa por certa dificuldade de renovação, mas fecha essa lacuna com muita preparação. Hoje, dentro da AFA (Asociación del Fútbol Argentino), existe um espaço do futsal, que nós não temos ainda no Brasil. Hoje, dentro da CBF, não temos quadra de futsal com piso de treinamento padrão Fifa. A nossa convocação é itinerante. Acontece onde vai ser o jogo. Quando se fala em alto rendimento, qualquer detalhe é detalhe. Como para um atleta de salto com vara, tem que saltar com vara de boa qualidade, se não, não vai conseguir performar.
A Argentina tem investido muito, principalmente na base, sub-17, sub-20. Eles pegam essas categorias jovens e fazem treinamentos toda a semana. Por isso, nós temos hoje, com a Argentina, embater muito disputados em todas as categorias. De um lado, tem uma equipe com grande potencial técnico de renovação, que é o Brasil, mas que não treina com tanta frequência. Do outro lado, a Argentina, que não tem tanto potencial técnico, mas que treina bastante. Acho que seriam as duas referências.
O que dizer sobre o Atlântico, time do Rio Grande do Sul que venceu a Liga Nacional de Futsal em 2023?
O Atlântico chegou com meritocracia. Vinha jogando muito bem a liga, muito solto, com um ar de que estava confiante para aquilo. Parabéns ao Atlântico porque perseverou, não baixou a guarda, fez um investimento importante em atletas que vinham se destacando em anos anteriores. Contratou um treinador fantástico. A carreira do Paulinha Sananduva merecia isso. Ele faz um trabalho brilhante há muito anos, em várias equipes, até pela forma que o time joga, muito ofensivo, muito confiante.