Fanática pelo Grêmio quando criança, a zagueira Mônica deu seus primeiros passos no Inter e agora será a única representante do RS na Copa do Mundo, que se inicia em 20 de julho na Austrália e na Nova Zelândia. O início no futebol foi quando tinha 14 anos. À época, fez seu primeiro teste no clube de coração. O resultado não foi positivo e a oportunidade inicial veio, justamente, do grande rival.
— Eu era muito, muito, muito fanática quando pequena. E, hoje, sou atleta profissional de futebol. Fiz o teste com 14 anos e tentei primeiro no Grêmio. Não rolou, não deu certo, não me quiseram. E aí eu fui lá no Inter e o clube abriu as portas para mim, falou "tu vai ficar um tempo nessa categoria, que era a escolinha, e se tu provar que tem talento, em uma ou duas semanas tu sobe para o sub-17", o que seria participar da base do Inter. E foi assim que aconteceu — complementa:
— Eu pegava dois ônibus, saia de Gravataí, ia para Porto Alegre sozinha. Voltava, minha mãe me pegava e me levava para a escola. Ficamos assim uns dois meses, aí ela chegou um dia para mim e disse "minha filha, tu tem de dar certo no mês que vem, porque não dá mais para a mãe pagar a mensalidade (da escolinha)". E aí, deu certo, foi no momento. Fui para o sub-17, algumas semanas depois subi para o principal e fui pouco a pouco, participava alguns minutos, às vezes jogava, às vezes não. Aí, entendi que podia, que esse era meu caminho.
Depois do clube colorado, seguiu evoluindo e construindo uma carreira de sucesso no futebol. Transferiu-se para o Marília, no interior de São Paulo, e na sequência teve sua primeira experiência fora do país, no Neulengbach-ÁUS. O currículo ainda conta com Ferroviária, Flamengo, Orlando Pride-EUA, Atlético de Madrid-ESP e Corinthians.
Agora, ela mora na Espanha e defende o Madrid CFF. Mesmo assim, ainda arruma tempo para acompanhar o futebol feminino gaúcho. De longe, torce para que a dupla Gre-Nal e o Juventude sigam se desenvolvendo e, no futuro breve, tornem-se referências na modalidade.
Eu gostaria muito de ver o Grêmio, o Inter e o Juventude sendo referência no futebol feminino no Brasil
MÔNICA HICKMANN
zagueira da Seleção Brasileira
— Eu gostaria que tivéssemos muito mais, que de fato disputássemos em estrutura com equipes como Corinthians e Palmeiras. Esse era meu desejo, eu gostaria muito de ver o Grêmio, o Inter e o Juventude sendo referência no futebol feminino no Brasil. Mas eu vejo grandes pessoas por trás dando essa força e mostrando que pode acontecer, que pode dar certo — afirma.
Com 36 anos, Mônica é uma das atletas mais experientes na lista da técnica Pia Sudhage. No currículo a disputa de duas outras Copas (2015 e 2019), além de Olímpiadas, Copa América e Pan-Americano. Mesmo com toda essa bagagem, não vinha fazendo parte do ciclo pré-Copa e, portanto, não tinha a expectativa de ser convocada.
— A minha expectativa era zero (de estar na Copa do Mundo). Eu já tinha colocado na minha cabeça, há uns dois anos, que passou. Vivi momentos maravilhosos. Agora, a geração estava mudando e ok. O desejo é sempre continuar ali, continuo trabalhando para sempre estar evoluindo dentro do clube e estar pronta se acontecesse. Mas eu já tinha entendido que o momento tinha passado. Então, eu tirei da cabeça e falei "vou pensar aqui no clube e se acontecer bem, se não, segue a vida". Então, expectativa zero mesmo — conta.
A minha expectativa era zero
MÔNICA HICKMANN
zagueira da Seleção Brasileira, sobre estar na lista para a Copa do Mundo
Tudo mudou neste mês. Em junho, a CBF definiu que faria um período de treinamentos na Granja Comary com algumas atletas que atuam fora do país e já estavam de férias. O telefone de Mônica tocou, a técnica Pia explicou e ela acabou entre as 23 selecionadas.
— Eu recebi uma mensagem primeiro de que eu estava na lista larga, a lista das 30 ou 40 atletas que são possíveis convocadas. Até então, ok. Não deu esperança, porque no ciclo passado, da Olimpíada, eu também estava na lista. Então, pensei que fosse acontecer a mesma coisa. Estaria ali, mas não seria convocada. Aí passou, e uns dias depois a Pia disse que ia me ligar. Já tremi, fiquei nervosa — completa:
— Ela me ligou, escutei tudo que ela tinha para dizer, ela me explicou a situação, falou o que ia acontecer e me perguntou se eu gostaria de estar com elas nos dois períodos de treinamentos físicos. Ela frisou mesmo que o treinamento seria físico. Muito mais do que com bola, para preparar para a Copa. E ela disse: "Tu quer ter uma oportunidade de ir para a Copa?". E eu falei: "Claro". Estava muito agradecida pela oportunidade e ressaltei que aproveitaria ao máximo. E foi assim, do nada. A minha vida virou, em três dias eu tive que transformar todos os meus planos. Foi uma surpresa maravilhosa.
A convocação
Na última terça-feira (27), na sede da CBF, a técnica Pia Sudhage anunciou as 26 atletas que viajarão para Austrália e Nova Zelândia para representar a Seleção Brasileira em busca do título inédito. O nome de Mônica estava lá, mas o nervosismo era tanto que a zagueira preferiu nem acompanhar o anúncio.
— Fui para casa com esse sentimento de "não vou assistir (a convocação)". Eu não queria assistir, porque eu não sabia o que esperar, de verdade. Acho que era a primeira vez que eu realmente não sabia o que ia acontecer. Então, eu enchi meu dia de coisas e fiquei só esperando, se o telefone tocasse, ia ser ruim ou bom. Mas fiquei flutuando. Estou até agora sem acreditar muito, não caiu a ficha para mim — enfatiza.
Se a zagueira gaúcha não estava com a televisão ligada ouvindo a técnica sueca, seus amigos e familiares estavam. Logo que o nome foi anunciado, o telefone começou a tocar e as redes sociais se movimentaram.
— A minha maior alegria foi ver a reação das pessoas que me acompanham, de ver toda aquela galera que está ao meu redor todos os dias, e os que não estão (na rotina), mas estão sempre comigo. A minha alegria foi ver a alegria deles, a reação de cada um. Escutar as coisas boas que às vezes a gente esquece — relembra.
Mas se, por um lado, as pessoas próximas estavam extasiadas, muitos torcedores questionaram a escolha. A zagueira não vinha sendo convocada pela técnica Pia Sundhage e foi uma surpresa na lista final.
— Na verdade, eu nem vi muita coisa. Eu respondi as pessoas que mandaram coisas positivas para mim e nem vi nada negativo. Mas eu entendo a preocupação, porque tu vê a atleta participando do ciclo o tempo inteiro e tu espera que ela esteja na lista. Do mesmo jeito que, quando eu não estava, ficava pensando nos motivos de não ter oportunidade. Da mesma forma que, agora, vemos as atletas que fizeram parte do processo querendo estar. Isso faz parte do futebol. Eu super respeito. Não existe isso de "essa merece mais do que a outra" — finaliza:
— Todas nós trabalhamos para ter a mesma oportunidade, e na hora do "vamos ver" é a treinadora quem decide o que ela vai precisar no momento. Acredito que foi isso que ela pensou na hora de decidir, e fico super feliz de ter sido no último minuto essa confiança que ela me passou de que posso ser uma peça muito importante no grupo. Então, isso já me deixa cheia de gratidão.
Troca de experiência
A presença de Mônica na lista de convocadas foi justificada por conta da experiência. A bagagem em competições importantes com a camisa da Seleção Brasileira pesou para que seu nome estivesse entre os 23, junto das também zagueiras: Kathellen (27 anos), Lauren (20) e Rafaelle (32).
— Eu sempre falo que a gente aprende todos os dias. A experiência não quer dizer que tu saiba mais ou menos. É a vivência, o dia a dia, que faz com que tu aprende, ganha experiência. Eu já estou com a Lauren há um ano e meio (no Madrid CFF). Então, eu vi a evolução dela desde que chegou, porque uma coisa é estar no Brasil, a outra é estar na Europa, entender o ritmo, como a equipe joga — afirma.
Se com a mais jovem entre as zagueiras a relação é de troca de vivências, com as mais experientes não é diferente:
— Com a Rafa, também, uma baita zagueira. A Katheleen, também. Nesses últimos treinos, ficamos bem próximas também. E foi muito legal. No dia que saiu a lista, ela (Katheleen) e a Geyse me ligaram, e isso me deixou muito feliz. Elas estavam mais felizes pela minha convocação do que por elas. Isso é algo diferente, que esse grupo novo está trazendo e eu nunca vi. Essa união é muito importante e vai fazer toda a diferença lá (na Copa do Mundo).
Estrela pela Rainha
No último ano, a seleção da Argentina correu e lutou por Messi na Copa do Mundo. Afinal, o craque não merecia se despedir da grande competição sem tê-la conquistado. Agora, essa história de sucesso é referência para as gurias do Brasil. Em 2023, Marta se despedirá das Copas do Mundo. O sonho é que a camisa 10 da Seleção possa encerrar esse capítulo importante com a maior das conquistas.
— Eu vejo como uma honra para nós, poder estar mais uma vez ao lado da melhor do mundo. Não só uma vez, seis vezes melhor. Então, estamos pensando a mesma coisa. Estamos na mesma página e isso é muito importante dentro de um grupo, e saber que vamos poder brigar e trazer essa estrela para coroar essa carreira linda que a Marta tem, tudo que ela representa para nós, é um objetivo ainda mais bonito. Não só uma medalha, ou só um troféu, ou uma estrela, é uma história. E isso faz toda diferença — afirma.
O entendimento, também, é de o Brasil vive seu melhor momento para a disputa de uma Copa do Mundo. Os últimos jogos da Data Fifa, com empate com Inglaterra e vitória sobre Alemanha, servem de motivação para a busca da primeira estrela na camisa.
— Eu acredito que a Seleção Brasileira está preparada. Essa mescla de energia das mais novas com a calma e a tranquilidade das mais experientes é muito incrível. Acho que é um equilíbrio muito bom, uma sintonia. Eu não estava nesse ciclo, mas acompanhei das meninas que jogavam comigo e estavam sempre sendo convocadas, e foi um trabalho muito bem feito, bem preparado. Eu tenho certeza que essa Seleção está preparada para o que tiver que acontecer — completa:
Eu vejo essa Seleção preparada para buscarmos algo realmente grande
MÔNICA HICKMANN
zagueira da Seleção Brasileira
— A gente tem de acreditar e estamos trabalhando em cima dessa estrela, porque sabemos que não vai ser fácil, que vai ser um jogo de cada vez, mas é pensando num objetivo grande. A nossa meta é a estrela. Eu vejo essa Seleção preparada para buscarmos algo realmente grande.
Último teste
Agora, neste domingo, às 10h30min, o Brasil terá seu último teste antes de embarcar para a Austrália. O jogo será diante do Chile, no Estádio Mané Garrincha, em Brasília.
— Estamos vivendo um momento lindo e vamos fazer esse último amistoso para nos preparamos para a Copa. Então, esperamos o torcedor com toda essa energia, com toda essa emoção, para sairmos com a vitória e um resultado positivo no geral, para chegarmos na Copa do Mundo prontas para conquistar a estrela.