Este texto faz parte da cobertura da Copa do Mundo. A seção 'A Copa da minha vida' é publicada diariamente no caderno digital sobre o Mundial do Catar
Ao contrário de imensa maioria dos brasileiros, não era íntimo do futebol. Até pela minha preferência pelo atletismo, eu e a bola tivemos uma relação um tanto afastada até a Copa do Mundo de 2018, quando finalmente nos aproximamos. Eu estava nos Estados Unidos estudando, e acompanhar e torcer pelo Brasil longe de casa me aproximou do país onde nasci de uma forma emocionante e, creio, definitiva, além de me fazer compreender o alcance dessa paixão pelo futebol. Devo à bola isso, mas antes de contar o caso propriamente dito, voarei no tempo até a minha infância.
O futebol está tão intrinsicamente enraizado nas nossas cultura e sociedade que é impossível separá-los. É o esporte mais popular do mundo e, especialmente no Brasil, é bombardeado a todos, sem distinção, desde a maternidade. É, longe das demais, a modalidade de maior visibilidade em todos os meios de comunicação, a que desperta os maiores amores. É apresentado e difundido, principalmente em ano de Copa, de uma forma que é impossível não ser tocado.
Comigo, foi diferente.
Desde criança, dentro de casa, o futebol esteve presente principalmente por causa do meu pai e de eventos como a Copa, mas, por incrível que pareça, eu nunca fui "incentivado" a jogar futebol como a maioria dos meus amigos. Posso contar nos dedos as vezes que lembro de jogar ou brincar de bola com o meu pai em casa. Não lembro nem de ter jogado na rua com outras crianças. Portanto, não cresci pensando em ser jogador de futebol.
Ou seja, eu e ela, a bola, estivemos distantes durante a minha infância (apesar de ela continuar entrando pela TV, pelas páginas dos jornais e pelas ondas das rádios). Ocasionalmente, eu assistia aos jogos do Grêmio, mas nunca fui um torcedor fanático e não tinha o costume de frequentar os estádios aqui em Porto Alegre ou de me reunir para torcer. Também assistia aos jogos do Brasil em Copas, mas sem a empolgação dos amigos. Via para "cumprir tabela".
O momento que tudo mudou foi quando eu tive que acompanhar a minha primeira Copa do Mundo longe do Brasil, em 2018. Eu estava nos Estados Unidos, onde morei por quatro anos na cidade de Kent, em Ohio, para concluir a minha graduação em Relações Internacionais. Como todo mundo sabe, os norte-americanos não apreciam muito o nosso futebol, tanto que criaram um próprio e chamam o nosso de "soccer". Então, o fato de ter uma Copa do Mundo prestes a acontecer não chamava muito a atenção da população de lá. A vida seguia normalmente. Até que me mobilizei para torcer do jeito de sempre, no meu ritmo habitual. Ou seja, sem fanatismo. Então, me organizei para assistir aos jogos em algum bar ou restaurante, mas sem todo aquele compromisso.
Não havia muitos brasileiros em Kent. Portanto, não esperava ter muita companhia. No dia da estreia da nossa Seleção, fui a um restaurante com temática esportiva e me surpreendi com a cena logo que entrei. O local estava cheio, havia por volta de 70 pessoas e muitas camisetas verdes e amarelas. Parecia uma torcida organizada do Brasil, mas com um detalhe: nenhum dos torcedores era brasileiro.
Fiquei realmente chocado. Pessoas de vários lugares do mundo torcendo para o meu país em um restaurante no interior de Ohio era algo quase inacreditável. E foi uma coisa que me emocionou profundamente. Eu me flagrei pensando em como um esporte tem o poder de engajar pessoas de outras nações, de raças e credos completamente diferentes, para torcer para uma seleção ao ponto de agirem como se nascidos naquele país fossem... Até hoje é difícil de encontrar uma explicação racional para isso.
Quando o Brasil fez o primeiro e único gol daquela partida (contra a Suíça, em Rostov do Don, que terminou com um empate por 1 a 1 no placar), foi indescritível. Os gritos, a vibração, a alegria, fizeram eu me sentir em casa e, naquele momento, eu realmente entendi que é mais que um esporte. Naquele momento, ali, no interior de Ohio, longe de casa, do meu pai, da minha família e dos meus amigos, a minha relação com o futebol mudou para sempre. Foi precisamente naquele dia que eu entendi o amor dos brasileiros pela bola e me tornei um fervoroso torcedor da nossa Seleção.
Naquele dia, voltei para casa diferente. Havia sido tocado pelo futebol. A vida andou. Eu me formei em Kent, voltei para o Brasil, retomei os treinos na Sogipa, disputei uma Olímpiada e, agora, não perco um jogo da nossa Seleção.
E vâââââââmo Brasil!