Uma das inovações de Lusail, a nova cidade do Catar planejada para a Copa do Mundo de 2022, é o sistema automatizado de eliminação de resíduos: uma rede de tubulações vai transportar o lixo dos prédios para estações de tratamento e reciclagem fora da cidade. O objetivo também é diminuir ao máximo a circulação de caminhões de lixo.
A rede de esgoto tem 175 quilômetros de tubulações instaladas em um sistema composto por quatro estações. Ao criar centrais para a distribuição de ar-condicionado e água fria, o governo prevê emitir 65 milhões de toneladas de dióxido de carbono a menos a cada ano. Trata-se de uma busca por solução para um problema que afeta o país — o Catar ocupa a primeira posição no ranking internacional de emissão de gás carbônico per capita.
As ilhas artificiais atendem ao culto por luxuosidade e exagero — algo marcante no país. Dentro das Qetaifan Island já é possível observar residencias prontas, além de resorts e clubes de praia que aproveitam as águas do Golfo Pérsico. Uma marina com capacidade para 1,8 mil iates e barcos de luxo foi criada e, inclusive, já inaugurada na cidade — ainda que sua ocupação não tenha sido efetivada.
— Toda a vez em que a gente passa por ali (Lusail) tudo parece diferente da vez anterior. Há cinco anos, só havia deserto e a água (do Golfo). É impressionante como muda rapidamente. Aqui, eles não brincam — afirma o meia-atacante Rodrigo Tabata, ex-Santos, que joga no Catar desde 2011 e que foi convocado para defender a seleção do país em 2016.
Além das ilhas, o luxo e a tecnologia estarão presentes nos 22 hotéis e nos edifícios residenciais e comerciais, que terão controle automático de janelas, cortinas, iluminação, segurança e irrigação, entre outros sistemas inteligentes. Esses em fase final de construção.
Nas ruas, haverá totens interativos, onde será possível obter informações sobre a própria região, com seus eventos programados, além de mapas e os pontos de wi-fi gratuito. A cidade oferecerá uma rede de fibra ótica com velocidade de mais de 1 GB por segundo e câmeras de vigilância que devem garantir segurança, além de otimizarem o trânsito.
As cifras que o Catar pretende gastar na preparação do país para receber o Mundial já são históricas. De acordo com o planejamento inicial, serão desembolsados pelo governo R$ 785,4 bilhões — valor nunca antes gasto na história das Copas. Na Rússia, em 2018, foram investidos R$ 38,4 bilhões. O Brasil, em 2014, arcou com R$ 27,1 bilhões.
O tamanho da quantia só parece impressionar quem é de fora. Ao contrário do que se viu no Brasil pré-Copa de 2014, polêmicas envolvendo o uso do dinheiro público sequer são mencionadas pela população local consultada pela reportagem. Aliás, missão impossível encontrar um catari que reclame das decisões tomadas no país. Alguns se recusam a debater e outros trocam de assunto. Aqueles que falam, exaltam. Segundo eles, não há motivos para reclamação.
Apesar de ser um dos países menos conservadores do mundo árabe, no Catar a idolatria pela família real não abre margens para contestações. As decisões tomadas pelo mandatário do país, o emir Tamim Bin Hamad Al Thani, dono de toda a nação, não são criticadas. Nas fachadas de praticamente todos os locais públicos, a imagem do rosto de Tamim é estampada com orgulho.
— O governo quer que o país se desenvolva e é isso o que eles estão fazendo, com planejamento e organização — define o comerciante Abdullah Mohammed Al-Hajri.
O salário mínimo no Catar varia de R$ 7,5 mil a R$ 10 mil mensais. Os imigrantes, no entanto, podem ganhar menos — a maior parte recebe em torno de R$ 3,2 mil. Devido ao alto custo de vida, os valores em geral são considerados justos pela população. Ainda mais pelos imigrantes que, apesar de faturarem menos do que os cataris, em geral agradecem a oportunidade de trabalho no país.
— Na Índia, eu teria de trabalhar muito mais para ter o salário e os benefícios que tenho aqui. Temos acesso aos serviços públicos, que são de qualidade, e a um emprego digno — diz o motorista indiano Shaquefee Dev, de 51 anos, pai de uma menina de seis anos, que mora no Catar desde 2016.
Os sistemas públicos de educação e segurança atendem a toda a população — inclusive os imigrantes. Por isso, os habitantes demonstram confiança no governo para a realização de investimentos a médio e longo prazo, em projetos cujos resultados só serão percebidos mais adiante.
— No caso da Copa, eles olharam mais uma oportunidade de fazer o mundo voltar suas atenções ao país. E aqui você tem de tudo, boas escolas, boa saúde, segurança. Não há urgência de investimentos. O que eles precisam é serem notados. Por isso a aposta na Copa: eles querem deixar uma impressão magnífica, convencendo as pessoas a voltarem, ou ficarem de vez, por exemplo, em Lusail — finaliza o jogador brasileiro Wagner Santos, ex-Fluminense e que atualmente está no Al Khor, do Catar.
*A repórter viajou a convite da Federação de Futebol do Catar.