Tenho certa cisma com algumas expressões do futebol. Já tratei delas. Chavões. É jogo de seis pontos quando uma vitória só vale três, os descontos que na verdade são acréscimos ou correr atrás do prejuízo, esta uma inédita corrida masoquista. Mas tem outra categoria que bebe da mesma fonte. São as explicações de vestiário. Com um pouco de segurança e firmeza no discurso, explica-se que Elano e Zé Roberto podem jogar juntos no Grêmio ou que Ronaldo Alves deve ser titular do Inter. Um exemplo imaginário, a título ilustrativo:
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"O resultado não diz o que foi o jogo. O primeiro gol foi de bola parada, bem quando estávamos com mais volume e criando chances. Observe que não teve essa de entrar tocando na nossa área, não! Nossos zagueiros são muito bons! Quem disse que não temos zagueiros? Pois, sim. Acontece que eles aproveitaram a única oportunidade que tiveram. Mérito deles, e não culpa nossa. Entende? O segundo gol teve um erro do árbitro lá no início da jogada. Foi falta. Pode ver na TV. O terceiro? Bem... o time se abriu, claro que se abriu. O quarto gol foi consequência do terceiro, e o quinto uma óbvia decorrência do quarto, aí sim, quando estávamos desorganizados, mas desorganizados pela nossa grandeza de buscar a virada até o fim. Basicamente, por isso perdemos de 5 a 0".
Há dirigentes que supõem que sua função é essa: dar entrevistas. Criar frases de efeito, desviar a atenção com uma boa sacada, mostrar criatividade para justificar o injustificável e, assim, ganhar elogios por estar ''dando a cara para bater''. Grêmio e Inter perderam para Criciúma e Flamengo. Derrotas duras de engolir. O Criciúma por ser o Criciúma. O Flamengo por ser o Flamengo mais comum dos últimos 20 anos. Lá pelas tantas, eis que surge a campeã de audiência das desculpas. Mais na Arena, já que os gols do Criciúma saíram a partir da misteriosa, poderosa e insuperável "bola parada".
Se a vitória vem de bola parada, é jogada ensaiada. Pensa que não se trabalha no treino fechado? Aqui se trabalha, como diz Muricy Ramalho, ainda que certeza mesmo só espionando de helicóptero e com o binóculo do Renato. Mas se é a derrota que nasce de bola parada, melhor. Prova do time bem postado. O adversário teve de recorrer ao chuveirinho, um reles expediente aleatório (aí não é mais jogada ensaiada, treino exaustivo, etc). Técnico também gosta muito da bola parada, pois lhe dá a chance de afirmar: "Eu avisei: tem a bola parada de fulano. Eles (os jogadores) sabiam, mas..." Como a história está cheia de especialistas nas duas áreas, feito o argentino Daniel Passarella nos anos 70 e 80, é uma conversa que funciona.
A bola parada pode ser usada na saúde ou na doença por um motivo: é impessoal. Mesmo que o zagueiro pule e perca no alto para o centroavante, sempre se poderá alegar que a cobrança veio com malícia, em curva, e aí não havia como chegar antes e espaná-la. Até quando Balduíno, o jogador que mais vezes disputou o clássico entre Avaí e Figueirense, conseguia o cabeceio, ficava aquela dúvida sobre quem, na distribuição de tarefas imediatas da aérea, deveria marcá-lo. Balduíno tinha 1m60cm. Passou pelo Grêmio. Era intrépido como Osni, sucesso no Vitória e no Bahia, e seu 1m56cm. Isso tudo nos anos 70. Lembro de um Fantástico em que o Leo Batista narrou: "...e o pequeniiino Osni de cabeça fechou o placar!".
Enfim. O fato é que a bola parada é o embargo infringente do futebol. Perdoa tudo. Eu mesmo, aqui na Redação de ZH, darei um jeito de adotá-la como argumento quando assassinar uma concordância ou uma regência.