
Porcentagem de alunos que zeraram a redação mais do que dobrou de 2013 para 2014. Grande parte dessas notas deveu-se à fuga do tema. Os números que mais chamaram a atenção do Enem em 2014 não foram aqueles tão temidos da prova de matemática. Foram os da redação. Dos 6,2 milhões de estudantes que prestaram o exame,
529 mil (8,5%) a zeraram - enquanto apenas 250 conseguiram a nota máxima. A porcentagem de zeros mais do que dobrou em relação ao ano anterior, quando esse percentual alcançou 3,5%. O fato, divulgado no início da semana passada pelo Ministério da Educação, virou notícia em jornais de todo país e jogou luz sobre uma série de questionamentos em relação à qualidade do ensino nacional e sobre o que teria motivado mais da metade desses estudantes a entregar a prova em branco.
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Em coletiva de imprensa, quando foram apresentados os resultados, o novo ministro da Educação, Cid Gomes, atribuiu o baixo rendimento na redação ao fato de a publicidade infantil - tema da prova - não ser um assunto debatido o suficiente. Para o consultor educacional e professor universitário Júlio Furtado, essa justificativa faz sentido, já que, conforme as correções, grande parte das notas baixas deveu-se à fuga ao tema principal.
- Como o assunto do ano anterior (efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil) era muito difundido, os alunos tinham mais elementos para dissertar. Neste ano, muitos fugiram completamente à proposta por não conseguirem aplicar argumentos de diferentes áreas para elaborar a redação, e ainda não foram satisfatórios em outros critérios, como o domínio da língua portuguesa - complementa.
O especialista destaca que grande parte da responsabilidade por esse resultado vem da escola, que está falhando no desenvolvimento das competências exigidas na prova, sejam elas de capacidade argumentativa ou de domínio das normas da língua portuguesa.
- Temos de começar a pensar na escola e no quanto ela não está desenvolvendo, por exemplo, o uso da norma padrão da língua culta. Para esta geração Z, que compõe uma juventude muito digital, a escola precisa estimular ainda mais este uso - destaca Furtado.
A professora Maria Tereza Faria, do Universitário, concorda que a compreensão da proposta da redação foi um dos motivos para os resultados alarmantes desta prova - já que muitos alunos dissertaram sobre as crianças como agentes do consumo, e não como o alvo da propaganda -, mas não o único. Para Maria
Tereza, os zeros também se devem ao treinamento dos corretores, que a cada ano é aperfeiçoado e fica mais rigoroso.
- Esta é uma fotografia da nossa educação, infelizmente. Para elaborar uma redação satisfatória, é preciso ter muita leitura, muito treino. É necessário construir um repertório de vocabulário - complementa.
É o que também defende Luisa Canella, professora do Unificado. A especialista entende que os resultados não refletem, necessariamente, uma piora nas redações, mas sim um maior rigor e coerência na correção:
- Esta é uma deficiência que não é deste ano. É preciso dar parabéns à banca que parece ter corrigido, desta vez, as provas com mais seriedade. Não é que a qualidade tenha piorado, os números já deveriam ser assim desde o início.
Mais de 280 mil textos em branco
O que motivou um grande número de alunos a entregar a redação em branco - 53% do total dos que tiraram zero - também é alvo de discussão. Júlio Furtado atribui o resultado ao expressivo número de universidades que só usa a parte objetiva da prova em seus processos seletivos, e à alta parcela de alunos dos 1º e 2º anos do Ensino Médio que realizam o exame somente para testar seus conhecimentos. Para a professora de redação Luisa Canella, do Unificado, os números podem se justificar em âmbito nacional, mas não estadual:
- Até a edição do Enem de 2013, esse era um argumento válido, pois a UFRGS não considerava a nota da redação do Enem. Desde 2014, entretanto, o texto passou a contar pontos no processo seletivo e, por isso, acredito que, pelo menos aqui no Estado, as entregas em branco não tenham como pano de fundo essa justificativa.
Luisa explica que, diferentemente da correção das redações do vestibular - que somente são avaliadas se o aluno atinge um determinado percentual nas provas objetivas -, no Enem é possível avaliar o rendimento da redação de todos os alunos que prestam o exame e, por isso, os resultados negativos chamam tanto a atenção. Enquanto alguns especialistas defendem a eliminação da redação do Enem - devido ao alto custo e a complexidade da correção -, para Júlio Furtado esta ainda é a melhor forma de avaliar a capacidade argumentativa de um candidato.
- A redação é um grande revelador da competência do aluno, pois ela mostra se a pessoa tem condições de utilizar a língua portuguesa dentro de uma estrutura clara, argumentada e fundamentada. Ainda que demande uma grande estrutura para a correção das provas a nível nacional, acredito que ela é imprescindível - conclui.