Há meses sem aulas e, diante do avanço da pandemia, ainda sem perspectiva de retorno das atividades presenciais, alguns municípios estão se mobilizando para promover meios de levar educação aos estudantes em suas casas – apesar das dificuldades comuns à rede pública.
Enquanto muitas redes municipais têm deixado essa adaptação a cargo de iniciativas desenvolvidas pela Secretaria Estadual da Educação (Seduc) – entre elas a realização de aulas preparatórias para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e a formação continuada de docentes para que possam dar aulas remotas –, outras preferem apostar em estratégias próprias, adequadas à realidade de cada município.
Criação de ambientes virtuais de aprendizado, capacitação de professores e até atendimento individualizado a alunos são algumas dessas ações estratégias que têm sido adotadas pelas prefeituras gaúchas, com maior ou menos sucesso, na tentativa de avançar no ensino em meio ao necessário distanciamento social.
Em Esteio, na Região Metropolitana, onde as aulas na rede municipal não são esperadas para antes de agosto, foi lançado um programa emergencial de educação com o objetivo de assegurar a manutenção do vínculo escolar e a continuidade do processo educativo. A iniciativa prevê, além da disponibilização de atividades online, a ida até a casa dos estudantes por professores visitadores, visando atender a alunos sem acesso à internet vindos de famílias em situação de vulnerabilidade social.
Na casa da autônoma Gabriela Andriotti, 29 anos, três de seus quatro filhos estão matriculados em uma escola municipal de Ensino Fundamental. No início desta semana, pela terceira vez no mês, a família recebeu a visita de um professor para ajudar as crianças em suas atividades – todos eles com máscaras. Animada com a presença do professor Marcelo Azevedo, a pequena Ellen, oito anos, ia e voltava da sala com uma folha em que aprendia mais sobre números e como escrevê-los.
— Dois! — exclamou ela, ao descobrir um resultado.
— E como é que eu escrevo dois? Olha como a professora fez. Olha o desenho no dado e o que a gente tem aqui. É o mesmo desenho? — pergunta o professor.
— Sim! — afirmou Ellen, voltando para suas atividades.
Ellen e o irmão gêmeo, Lucas, estão no 3° ano do Ensino Fundamental, enquanto Kaoan, seis anos, recém começou na escola e o caçula, Alexsander, de um ano e cinco meses, apenas acompanha as lições dos irmãos de longe. Sem internet de boa qualidade em casa, Gabriela depende das atividades que busca na escola semanalmente para manter o aprendizado dos filhos. A ajuda de um professor contribui especialmente nas questões em que ela e o marido têm mais dificuldade de auxiliar as crianças.
Marcelo, o professor que visitava a família naquela tarde, é formado em Filosofia, mas ajudava em questões de Matemática e Português. Isso porque as visitas domiciliares, feitas por educadores da rede municipal de Esteio que se inscreveram para participar no projeto, recebendo remuneração adicional, não são focadas em uma matéria específica, mas em prestar auxílio em geral aos estudantes.
— Eles gostam bastante. É sempre bom ter a ajuda de uma pessoa que sabe ensinar. A gente tenta fazer o que pode, mas não sabe ensinar, não é a mesma coisa — explica a mãe dos estudantes.
A expectativa é de que de 2 mil a 3 mil crianças sejam beneficiadas por essa iniciativa. O atendimento depende da concordância dos pais ou dos responsáveis pelos estudantes e tem duração de aproximadamente uma hora por semana com cada aluno, período que pode variar. Além de atuar diretamente na orientação do estudante, o professor visitante pode exibir os conteúdos online da Secretaria Municipal de Educação e acionar, por videochamada, o professor regente da disciplina ou da área específica para sanar dúvidas do aluno.
Ambiente virtual e distribuição de livros
A passos lentos, Porto Alegre e Região Metropolitana têm tentando emplacar iniciativas como esta para ajudar alunos da rede municipal. Na Capital, foi lançada, no início do mês, um ambiente virtual com o intuito de beneficiar 40 mil alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental de 58 escolas municipais. Na etapa inicial do projeto, serão envolvidos cerca de 13,5 mil estudantes.
"É importante ter a consciência de que hoje estamos entregando algo que é parte do futuro, que foi acelerado pela pandemia mas que ficará para sempre para Porto Alegre. Sobretudo um legado que deixaremos para as crianças mais humildes, futuros jovens e cidadãos que construirão a nossa Capital e que precisam estar preparados para as exigências de um mundo mais digital e tecnológico”, afirmou, na época, o prefeito Nelson Marchezan.
Em Alvorada, houve distribuição de livros e kits escolares para todos os alunos matriculados, a fim de dar suporte às atividades domiciliares, além da distribuição de atividades domiciliares impressas para alunos que não têm acesso à internet, entregues aos responsáveis na escola – prática também adotada pela maioria dos municípios consultados pela reportagem.
O município lançou, ainda, um Portal da Educação para divulgação das atividades domiciliares das escolas e compartilhamento de conteúdos a serem usados por elas, além de suporte às famílias, busca de contatos das escolas e informações gerais da Secretaria Municipal de Educação.
Ritmo de oferta das atividades ainda é baixo
Mas as redes municipais que conseguem implementar iniciativas como essas com frequência ainda são minoria. Pesquisa recente do Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB) identificou que, apesar de 82% das redes municipais no Brasil terem alguma estratégia para oferecer aulas ou conteúdos pedagógicos aos estudantes durante a pandemia, a periodicidade de oferta dessas atividades é diária apenas em cerca de 30% dos municípios. Em sua maioria, as ações são realizadas semanal ou quinzenalmente.
— É importante a transmissão de conteúdo, cumprir minimamente a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), diminuir os danos no processo de aprendizado. E tão importante quanto isso é manter os vínculos dos alunos com as escolas e fazer com que a família se mantenha engajada nesse processo. Há necessidade de uma série de estratégias pelas redes pra mitigar esses problemas, e identificamos que, em todas as redes que apresentaram bons resultados, há um conjunto idêntico de fatores que se repetem — explica o presidente do CTE-IRB, Cezar Miola.
Entre as principais práticas identificadas pelas redes municipais de ensino estão o uso do WhatsApp para comunicação entre governo, escolas, professores, alunos e seus responsáveis, e também para envio de conteúdos curtos. Para aqueles que têm acesso à internet, há disponibilização de conteúdos em sites e plataformas sociais, como YouTube e Facebook. Ocorre, ainda, a utilização de plataformas, como Google Classroom, para videoaulas em tempo real.
Já para quem não tem acesso à internet, a pesquisa apurou que as práticas mais comuns incluem a entrega de conteúdos impressos na própria escola ou, para aqueles com dificuldade em buscá-las, a entrega nas residências.