O aroma cítrico de incenso atraía os passantes para a sala de aula localizada no fim do corredor da Escola Estadual de Ensino Fundamental Ministro Poty Medeiros, no bairro Rubem Berta, em Porto Alegre. Ali, cadeiras e mesas foram deslocadas para as extremidades e deram lugar a pequenos blocos de tatame, formando um grande retângulo. Ao som de um mantra, o ambiente recebeu, às 8h30min desta segunda-feira (2), a primeira metade da turma de terceiro ano que faria a prática de ioga semanal.
Os pequenos, de oito e nove anos, estavam falantes no corredor, mas, assim que chegaram naquela espécie de templo improvisado, ficaram quietos. Na sequência, acomodaram os calçados em um canto e formaram duas filas diante do instrutor voluntário de ioga Marco Aurélio de Mello, 49 anos. Já acomodados, os 15 estudantes disseram "namastê" (saudação indiana que pode ser traduzida como o "divino em mim reconhece o divino em você") e deram início à prática da milenar arte originária da Índia.
As aulas fazem parte da rotina dos alunos desde o final de março, quando as professoras dos turnos da tarde e da manhã relataram para os membros do conselho escolar as dificuldades que tinham com os pequenos. Raros eram os dias em que não havia alguma briga ou desentendimento. Além disso, dos 29 alunos que chegaram ao terceiro ano, 20 apresentavam severas dificuldades na hora de ler e escrever, destaca a professora Débora Martins, 41 anos.
— Eles eram muito agitados e, por isso, não conseguiam se concentrar nem aprender o conteúdo. E não sabiam ler ainda. Agora, eles estão mais tranquilos, pedem desculpa, não brigam, conversam, se mostram mais dispostos a ajudar o colega. Dos 20 que não sabiam ler, agora só dois apresentam dificuldades — conta a professora.
O relato de Débora é confirmado pela estudante Isabela Marmontel, oito anos.
— Quando a professora saía, a sala virava uma zona. Era muita bagunça — relembra a menina, que jura não ter se envolvido nas estripulias, mas admite que era agitada antes de as aulas de ioga começarem a ser ministradas na instituição.
Ajuda na concentração
Os resultados observados pela professora Débora e por Isabela são resultado da ioga, segundo Marco Aurélio. Graduado em Educação Física e envolvido com a prática desta arte desde os 16 anos, o instrutor, que é pai de dois alunos matriculados na escola, explica que a ioga trabalha três partes do corpo: a física, a mental e a energética:
— Essa arte instiga a concentração, o foco, a redução da ansiedade e a meditação. A professora expõe o conteúdo, e a reflexão sobre o novo assunto já começa. Além disso, favorece o convívio mais harmonioso. Elas aprendem a se relacionar, a dialogar mais e a expor o que sentem.
Rafael de Souza, oito anos, exibe um sorriso tímido ao falar do mestre que o ensina uma lição diferente a cada semana:
— Ele é muito legal, chama a atenção para que a gente faça tudo certo e melhore. E o que ele ensina nas aulas me ajuda a ficar mais quieto. Agora, eu consigo copiar tudo o que a professora escreve no quadro.
Do plano à prática
A execução da iniciativa foi possível graças ao trabalho voluntário do instrutor, que faz parte do conselho escolar da Poty Medeiros. Na mesma reunião em que Débora desabafou sobre os problemas que enfrentava, ele sugeriu a ioga como recurso alternativo para acalmar e fazer as crianças desenvolverem a concentração e a reflexão.
Em menos de um mês, já estava acertado que as aulas aconteceriam todas as segundas-feiras, entre 8h30min e 9h30min, para os estudantes do turno da manhã, e das 16h às 17h, para os da tarde, explica Tiago Martins, diretor do colégio:
— Marco Aurélio já dava aulas de ioga para os nossos alunos na época em que existia o programa Mais Educação (iniciativa do governo federal que visava ampliar a jornada escolar das crianças por meio de atividades extracurriculares). A atividade foi descontinuada com o fim do programa, em 2014, mas voltou este ano por iniciativa da comunidade escolar e tem gerado ótimos resultados. As professoras falam das melhoras no comportamento dos alunos, e eles gostam bastante do professor.
Enquanto grande parte da turma reclamava de fazer uma das posições, Elvis de Oliveira, oito anos, disse que desencostar os membros inferiores do solo apoiando-se somente nos braços era fácil.
— Eu tenho muita flexibilidade e força nos braços, por isso, é fácil fazer aquela posição. E, quando meu irmão menor não fica por perto, eu gosto de treinar em casa para conseguir fazer tudo certo — gaba-se o guri.
Thuane do Nascimento, oito anos, mal havia feito o primeiro exercício de aquecimento e já pediu ajuda para tirar o agasalho. A pequena conta que gosta de fazer a posição do escorpião, que consiste em ficar de barriga para baixo, com o queixo encostando no chão e as pernas levemente levantadas em direção à cabeça.
— Tem umas (posições) que são difíceis, mas com treino a gente vai aprendendo — diz a menina espoleta, que completa:
— Antes, eu era mais agitada e tinha mais dificuldade para ler. Agora, melhorei bastante, não travo tanto.
Com os resultados obtidos na Escola Poty Medeiros, a Comissão Interna de Prevenção a Acidentes e Violência Escolar (CIPAV), ligada à Secretaria Estadual de Educação (Seduc), pretende criar um programa para difundir a prática de ioga em outras escolas da rede pública do Estado.