Pouca gente lembra delas quando o assunto é Antártica, mas existem plantas vivendo tranquilamente no extremo sul do planeta. Tanta resistência está ajudando um laboratório em São Gabriel, na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), a encontrar nos genes da vegetação formas de ampliar o tempo de conservação de alimentos e aumentar a resistência de lavouras ao frio.
Pelo clima inóspito, as árvores da Antártica estão petrificadas. Lá, só crescem musgos, liquens e algas, monitoradas pelo Projeto Batista, um dos estudos mais antigos do Programa Antártico Brasileiro (Proantar). A vegetação em áreas de degelo é pesquisada desde 1986, quando os biólogos gaúchos Antonio Pereira Batista e Jair Putzke debutaram na região. Também participam das pesquisas Filipe de Carvalho Victoria, Margéli Pereira de Albuquerque, Jeferson Luis Franco, Thais Posser, Luis Fernando Roesch, Chariston Dal Belo e Valdir Stefenon.
Com a identificação de 110 espécies de musgos e 400 de liquens em diferentes áreas do arquipélago das Shetlands do Sul, onde fica a estação brasileira, o projeto passou a mirar a biotecnologia. Quer decifrar o genoma de plantas que suportam invernos sem luz, a -10°C, soterradas por camadas de gelo de até seis metros de altura.
- Se encontrarmos o gene que garante toda essa resistência, poderíamos criar grãos transgênicos que não morrem com as geadas ou adaptar culturas tropicais para o clima do sul do Brasil - explica Putzke, que é professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).
Genética antifrio
A grama Deschampsia antarctica, a alga Prasiola crispa e o musgo Polytrichum juniperinum estão entre as espécies estudadas em São Gabriel. Responsável pela parte de biologia molecular do projeto, Filipe Victoria explica que a pesquisa busca o gene que produz proteínas anticongelantes, a fim de sintetizá-las para emprego na indústria de alimentos e fertilização.
- A proteína pode ser usada em alimentos que precisam ser submetidos a baixas temperaturas, bem como na preservação de embriões e sementes - destaca.
A proteína anticongelante ainda tem a perspectiva de ser clonada para outras culturas. Assim, nasceriam lavouras de cana-de-açúcar, trigo, arroz e soja mais resistentes ao frio intenso, o que diminuiria perdas nas produções.
Os estudos moleculares também avançam com a alga Prasiola cripsa, encontrada nas fezes de aves em pinguineiras. Neste caso, foi percebido que o extrato da planta funciona como veneno, que, em alguns casos, pode servir como remédio. O professor Batista e sua equipe testaram a substância em células cancerígenas, que foram eliminadas.
- São estudos preliminares, mas os resultados chamaram atenção - diz Batista.
Testado em moscas e baratas, o mesmo extrato paralisou os insetos em cerca de 60 segundos. Quem sabe, da alga antártica surja um inseticida. Contudo, o caminho para ter todas essas tecnologias em casa é longo.
- É um trabalho de ciência básica, que exige paciência, pois são obrigatórios muitos testes. Leva, pelo menos, 20 anos para a tecnologia ser usada pelo ser humano afirma - Batista.
Genética antifrio
Cientistas querem aplicar segredos da genética antártica em lavouras brasileiras
Brasileiros frenquentam o continente gelado em busca de superpropiedades nas plantas
Guilherme Mazui / RBS Brasília
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