Deanna Barch fala rápido, como se não quisesse perder tempo em meio à substancial tarefa que tem nas mãos. Ela é uma das pesquisadoras da Universidade de Washington que estão trabalhando no primeiro diagrama interativo do cérebro humano vivo, em funcionamento.
Para construir esse diagrama, ela e seus colegas estão fazendo varreduras do cérebro e avaliações cognitivas, psicológicas, físicas e genéticas com 1,2 mil voluntários. A coleta de informações já avançou mais de 30% do programado. Posteriormente, os dados serão analisados e incorporados em um mapa tridimensional e interativo da estrutura e funcionamento de um cérebro humano saudável, com um nível de detalhamento de 1,5 milímetro cúbico.
Deanna nos explica quais são as dimensões da tarefa, e as razões para a realização, em uma pequena sala onde há vários monitores na frente de uma janela que dá para uma sala adjacente com um aparelho de ressonância magnética, no prédio de Psicologia. Ela pede que um assistente de pesquisa mostre uma imagem.
- Está tudo aqui - diz ela, tranquilizando um repórter que acaba de sair do aparelho, e cujo cérebro está em exibição.
E de fato está, no que se refere às partes envolvidas: córtex, amígdala, hipocampo e todas as outras regiões e sub-regiões onde se dão as lembranças, o medo, a fala e o cálculo. Entretanto, essa é apenas uma primeira rodada: uma imagem estática, em preto e branco. Há horas de exames e testes ainda por fazer, embora o repórter esteja fazendo apenas uma demonstração e não a rotina completa.
Cada um dos 1,2 mil indivíduos cujos dados cerebrais formarão o banco de dados final vai gastar umas boas 10 horas ao longo de dois dias para ter seu cérebro digitalizado e fazer outros testes. Os cientistas e técnicos passarão pelo menos mais 10 horas analisando e armazenando os dados de cada pessoa para construir algo que a neurociência ainda não tem: um banco de dados que poderá ser usado como referência para traços de personalidade, genética e habilidades cognitivas. E ele ficará online, em um mapa interativo disponível para todos.
A Dr. Helen Mayberg, médica e pesquisadora da Escola de Medicina da Universidade de Emory, que tem usado a pesquisa com ressonância magnética para desenvolver um tratamento para a depressão com estimulação cerebral profunda - uma técnica que envolve a realização de uma cirurgia para implantar um dispositivo semelhante a um marca-passo no cérebro - é uma dos muitos cientistas que podem usar esse tipo de banco de dados como base para a sua investigação. Com ele, disse ela, ela pode perguntar: "como este nó tão fundamental se liga" a outras partes do cérebro, informações que irão informar futuras pesquisas e cirurgias.
O banco de dados e o mapa do cérebro são parte do Projeto Conectoma Humano, uma iniciativa de cerca de 40 milhões de dólares e cinco anos apoiado pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. Ele consiste em dois consórcios: uma parceria entre a Universidade de Harvard, o Hospital Geral de Massachusetts e Universidade do Sul da Califórnia para melhorar a tecnologia de ressonância magnética, e o projeto de 30 milhões de dólares do qual Deanna faz parte, envolvendo a Universidade de Washington, a Universidade de Minnesota e a Universidade de Oxford.
O Projeto Conectoma Humano faz parte de um número crescente de grandes iniciativas colaborativas de coleta de informações que indicam um novo entusiasmo na neurociência, na medida em que os rápidos avanços tecnológicos parecem estar tornando real o sonho de revelar os segredos do cérebro humano.
Na Europa, o Projeto Cérebro Humano prometeu destinar um bilhão de dólares à modelagem computacional do cérebro humano. Nos Estados Unidos, no ano passado, o presidente Barack Obama anunciou uma iniciativa para impulsionar a pesquisa sobre o cérebro, concentrando-se, em primeiro lugar, no desenvolvimento de novas tecnologias. Chamado "Grand Challenge" ("Grande Desafio"), o projeto prometeu 100 milhões de dólares em financiamento para o primeiro ano de um esforço que deve durar uma década. O dinheiro parece de fato existir, mas pode vir de orçamentos já existentes, e não de um aumento de verba destinado aos órgãos federais envolvidos.
Inúmeras pesquisas já estão acontecendo - tanto que a paisagem da neurociência é quase tão difícil de compreender quanto o próprio cérebro. Só os Institutos Nacionais de Saúde gastam 5,5 milhões de dólares por ano em neurociência, em grande parte voltados para a pesquisa de doenças como Parkinson e Alzheimer.
Vários institutos privados se concentram em pesquisas básicas que podem não trazer retornos imediatos. Por exemplo, no Instituto Allen de Ciência Cerebral, em Seattle, na Fazenda Janelia, na Virgínia, que faz parte do Instituto Médico Howard Hughes, e em várias universidades, os pesquisadores estão tentando entender como os neurônios fazem cálculos - o que o cérebro de ratos, moscas e seres humanos faz com as informações que possui. O Instituto Allen gasta atualmente 60 milhões de dólares por ano e Janelia Farm cerca de 30 milhões de dólares por ano em pesquisas sobre o cérebro. A Fundação Kavli garantiu um investimento de 4 milhões de dólares por ano durante 10 anos, e o Instituto Salk, de San Diego, planeja gastar um total de 28 milhões de dólares em novas pesquisas na área de neurociência. E há outras iniciativas semelhantes nos EUA e no exterior.
Há um bom motivo para o atual entusiasmo: o acelerado progresso tecnológico que os mapeadores cerebrais mais otimistas comparam à capacidade cada vez maior de sequenciar o DNA, avanço que levou ao Projeto Genoma Humano.
A optogenética é uma nova técnica que tem se mostrado transformadora. Ele usa luz para ativar diferentes partes do cérebro em animais de laboratório para manipular os genes modificados. Avanços poderosos na microscopia possibilitaram a filmagem da atividade cerebral em animais vivos. Um vírus da raiva modificado pode ter como alvo uma célula do cérebro e marcar todas as outras células ligadas a ela.
- Há inúmeras técnicas novas. E o fim não está realmente à vista - disse o Dr. R. Clay Reid, investigador sênior do Instituto Allen, que recentemente se mudou da Escola de Medicina de Harvard para lá.
Como professora da Universidade de Washington e líder de uma das cinco equipes de lá que estão trabalhando no Projeto Conectoma Humano, Deanna concentra a sua investigação na forma como as particularidades do cérebro de pessoas saudáveis estão relacionadas a diferenças de personalidade ou modos de pensar.
Por exemplo, contou ela, as pessoas que realizam tarefas de memorização no aparelho de ressonância magnética podem diferir em termos de competitividade e compromisso com uma boa execução do teste. Isso deve se mostrar na atividade das partes do cérebro que têm relação com a emoção, como a amígdala. No entanto, ela ressalta que o objeto do Projeto Conectoma não é encontrar as respostas para essas perguntas, mas fornecer uma base de dados para que outros possam tentar fazer isso.
Quase 500 pacientes passaram por toda a série de testes, que equivale a cerca de 5 mil horas de trabalho para Deanna e outros que estão trabalhando no programa.
Até o momento, foram liberados os dados de 238 indivíduos. Eles estão disponíveis gratuitamente em um banco de dados baseado na Web e um software chamado Workbench.
Ninguém espera que o cérebro revele os seus segredos rapidamente ou facilmente. Os neurocientistas estão acostumados a não alcançar os objetivos que tanto almejam, mesmo quando parece haver uma grande possibilidade de sucesso. A ciência pode vir a entender os neurônios, as regiões do cérebro, as conexões, a avançar na compreensão do mal de Parkinson, do mal de Alzheimer ou da depressão, e até mesmo a decifrar o código ou os códigos que o cérebro usa para enviar e armazenar informações. Contudo, como qualquer neurocientista adverte mais cedo ou mais tarde ao discutir as perspectivas de avanço, não vamos "dar conta da questão do cérebro" logo - não vamos explicar a consciência, o eu e os mecanismos precisos que produzem um poema.
Talvez o maior desafio seja o fato de que as funções cerebrais podem ser vistas em muitos níveis, desde um detalhe de uma sinapse até regiões cerebrais trilhões de vezes maiores. Podemos estudar impulsos elétricos, aspectos bioquímicos, a estrutura física, as redes de todos os níveis e entre esses níveis. E existem mais de 40 mil cientistas em todo o mundo tentando desvendá-los.
Podemos não revelar os segredos do cérebro tão cedo, mas a esperança fervorosa da neurociência é algum dia alcançar uma solução desse tipo, pelo menos em termos científicos.
Neurociência tecnológica
Projeto Conectoma Humano pretende criar primeiro diagrama interativo do cérebro humano vivo
Cientistas trabalham na construção de um banco de dados que poderá ser usado como referência para traços de personalidade, genética e habilidades cognitivas
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