
Neste início de ano letivo, as escolas tiveram de lidar com um novo desafio – a legislação que restringe o uso de dispositivos eletrônicos nos colégios. Um mês após a implementação das medidas, professores relatam que já observam efeitos positivos, dentro e fora da sala de aula, com a diminuição do uso de celulares pelos alunos.
Cada instituição de ensino tem autonomia para criar suas próprias regras, mas uma coisa é unânime entre os docentes ouvidos pela reportagem: os estudantes estão mais atentos e participativos nas aulas, além de estarem interagindo mais entre si.
— Ao que tudo indica, teremos um bom ano, em relação à aprendizagem. Tem sido bem tranquilo. Quando eu peço para guardar o celular eles guardam, não tem aquela insistência de querer ficar pegando escondido o celular na mochila. Vejo que eles estão mais atentos, mais questionadores — conta o professor de Física Tiago Kunz, do Colégio Protásio Alves, na Capital.
A expectativa é de que as restrições ao uso do celular permitam que os alunos melhorem o desempenho neste ano. O dispositivo vinha sendo um empecilho na aprendizagem. De acordo com Kunz, os estudantes passavam muito tempo jogando jogos no celular, inclusive durante as aulas. Aos poucos, eles estão se acostumando com as restrições e criando uma relação mais saudável com os smartphones.
Na prática, só será possível analisar esses efeitos após o período de provas e avaliações. Antes, a escola não tinha medidas concretas para controlar o uso de eletrônicos. Agora, a orientação é que o celular fique desligado dentro da mochila durante todo o período das aulas, exceto no intervalo.
Ao que tudo indica, teremos um bom ano, em relação à aprendizagem. Tem sido bem tranquilo.
TIAGO KUNZ
Professor do Colégio Protásio Alves
Outras instituições estão adotando medidas mais rígidas, como o Colégio Anchieta, também em Porto Alegre. A partir deste ano, a escola ampliou a proibição do celular inclusive nos recreios. Desde 2024, a instituição já vinha implementando normas para controlar o uso dos aparelhos.
— No início, percebemos um pouco de estranhamento em relação ao recreio. Mas passou rápido. Eles estão retomando brincadeiras antigas no momento do intervalo, jogando bola, levando jogos de tabuleiro. Eles acabam usufruindo mais das áreas abertas e interagindo mais, fortalecendo os laços de amizade — afirma o professor de Matemática Cassiano Oberosler da Silva, orientador de Convivência Escolar do 7º ano no Colégio Anchieta.
Ele observou que os estudantes vêm exercitando mais a leitura. Ao terminarem uma atividade, em vez de pegarem o celular para passar o tempo, os alunos pegam livros, muitas vezes. No ano passado, foram realizadas ações de conscientização e foram instalados escaninhos em todas as salas de aula do colégio, onde os estudantes devem deixar os celulares guardados durante o período de aula.
Eles estão retomando brincadeiras antigas no momento do intervalo, jogando bola, levando jogos de tabuleiro.
CASSIANO OBEROSLER DA SILVA
Professor no Colégio Anchieta
Conforme a professora Cristina Kremer Garcia, orientadora de Convivência Escolar do 8º ano, ao longo do mês, os alunos foram se adaptando às regras. Agora, eles deixam os dispositivos nos escaninhos “automaticamente”, conta Cristina, sem que os professores tenham que cobrar.
Driblando a dependência
Nem todas as crianças e adolescentes têm facilidade para abandonar o uso do celular no ambiente escolar. Para muitos, essas restrições impõem desafios e podem até afetar a saúde mental. Por isso, as escolas vêm criando estratégias para driblar as dificuldades. No Colégio La Salle Canoas, por exemplo, a coordenação da escola vem promovendo espaços de escuta com os estudantes que têm maior dependência do aparelho.
— Identificamos que alguns estudantes poderiam sofrer com esse problema, esse vício. Então, estamos mantendo o olhar atento aos estudantes que têm essa forte vinculação com o celular, que têm ansiedade ou outros problemas. Chamamos eles para conversar para entender como estão lidando, como podemos ajudar — explica a professora e orientadora educacional Paula Schaedler.
Identificamos que alguns estudantes poderiam sofrer com esse problema, esse vício. Então, estamos mantendo o olhar atento aos estudantes que têm essa forte vinculação com o celular.
PAULA SCHAEDLER
Professora no Colégio La Salle Canoas
A Rede La Salle vem divulgando postagens sobre a “nomofobia”, medo irracional de ficar sem o celular ou sem uma forma de se comunicar com o mundo, podendo causar ansiedade e irritabilidade. Até o ano passado, a escola de Canoas não tinha restrições concretas ao uso do celular. Agora, a orientação é deixar o celular desligado dentro da mochila durante a aula.
No Colégio Monteiro Lobato, em Porto Alegre, existe desde o ano passado o projeto Reconecta, que busca melhorar a relação das crianças e jovens com o celular, sobretudo com as redes sociais, abordando temas como cyberbullying e saúde mental.
Quando a iniciativa começou, os professores chegaram a notar resistência por parte dos alunos, sendo que alguns apresentaram até mesmo sintomas físicos, como dor de barriga, dor de cabeça e irritabilidade.
— Fomos dialogando com eles, focando não na perda do tempo no celular, mas sim nas coisas que eles poderiam ganhar com isso. Ano passado já percebemos, e agora mais ainda, que eles estão dialogando e participando mais — conta a professora de Física e Projetos de Vida, Marina Valenzuela.
Conforme a professora, o rendimento dos alunos em sala de aula melhorou. Ela destaca que é necessário ensinar os estudantes a lidarem com o tédio, tendo em vista que o celular é a principal forma de entretenimento, e apresentar novas alternativas para que eles ocupem o tempo de outras formas.