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O início das aulas na rede estadual foi adiado, nesta semana, em razão da onda de calor no Rio Grande do Sul. A decisão levou em consideração que o calor intenso prejudicaria o retorno do ano letivo e que nem todas as escolas estaduais estão preparadas para temperaturas acima de 40°C. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, neste cenário de eventos climáticos extremos, é imprescindível garantir o conforto térmico nas instituições.
Conforme relatório do Centro de Inovação para a Excelência em Políticas Públicas (Ciepp), lançado em 2024, o Rio Grande do Sul tem apenas 18,6% das salas de aula das escolas estaduais com ar-condicionado (23,3 mil). O estudo aponta que o RS está entre as três piores redes estaduais em climatização de salas de aulas, com São Paulo (2,7%), Minas Gerais (8,4%).
Quanto às salas de aula em escolas municipais do RS, 62% contam com ar-condicionado (42,1 mil). Porto Alegre figura entre as capitais com dados mais preocupantes. O levantamento indica que somente 11% das salas de aula das escolas municipais são climatizadas (1,4 mil). A pesquisa foi feita com base em dados do último Censo Escolar do Ministério da Educação, de 2023.
Para o coordenador da pesquisa e diretor do Ciepp, Jhonatan Almada, o problema de infraestrutura nas escolas se deve a três principais fatores:
- precarização da educação
- desconexão entre políticas e pesquisas
- desigualdades nas instituições
— Expandimos a rede escolar e praticamente universalizamos o acesso. Mas isso se deu em uma rede de escolas precaríssimas, que foram sendo remendadas e repuxadas ao longo do tempo, preservando a única característica comum: a sala de aula. Tudo mais que caracteriza uma escola moderna nunca se materializou para todos, e a climatização é uma dessas coisas — afirma Almada.
Nessa segunda-feira (10), a secretária da Educação do RS, Raquel Teixeira, afirmou que 633 escolas da rede têm aparelhos de ar-condicionado, das 2,3 mil instituições – 27,3%. Conforme a titular da Secretaria da Educação (Seduc), em entrevista a Zero Hora na semana passada, a enchente atrasou os planos de modernizar a infraestrutura das escolas:
— A gente ainda não pode ter ar-condicionado em todas as escolas, porque o RS tem uma rede elétrica muito antiga que não suporta computador e ar-condicionado, por exemplo, em algumas escolas. A SOP (Secretaria de Obras Públicas) tem uma programação para modernizar a rede elétrica de todas as escolas, isso está no nosso radar desde o começo.
Por meio de nota, o governo do Estado informou que a SOP implementou mudanças que permitem reformar com agilidade a rede elétrica das escolas. Isso será possível, segundo o governo, porque a contratação simplificada passou a valer no RS, abrangendo as 2,3 mil instituições. "Nesse modelo, a licitação é feita por blocos de escolas e há um “catálogo de serviços” à disposição da SOP para atender às demandas com maior velocidade."
Consultada, a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (Smed) não respondeu aos questionamentos sobre a infraestrutura das escolas, até o momento. O espaço está aberto.
Impacto na aprendizagem
Conforme a neurocientista Livia Ciacci, parceira do Supera – Ginástica para o cérebro, todos os efeitos derivados do calor atuam como barreiras para a aprendizagem, como desconforto físico, fatiga, fraqueza e irritabilidade.
— Essas situações ligam o alarme de sobrevivência no cérebro, e a prioridade dele vai ser tomar decisões para diminuir esse desconforto. Então, a criança ou adolescente vai ficar mais agitado, eles vão tentar se refrescar se abanando. E isso, na verdade, vai aumentar a energia do lugar e vai esquentar mais — explica.
Ela ressalta que o calor desidrata, pode causar insolação e desmaios, e os estudantes, em situação vulnerável e em escolas sem infraestrutura digna e adequada, correm maior risco de passar por situações extremas. Isso afeta a cognição, prejudicando o desempenho de alunos e professores.
De acordo com o médico psiquiatra e professor da Universidade Feevale, Pedro Lombardi Beria, o calor excessivo compromete a função executiva do cérebro, também conhecida como controle cognitivo, que ajuda na concentração.
— Essa função está associada à capacidade de inibir impulsos e focar numa tarefa, como prestar atenção na aula, fazer um exercício, manter a atenção em um conteúdo. Com a exposição excessiva ao calor, essa função fica comprometida. Principalmente com temperaturas a partir de 40ºC — destaca.
Para crianças e adolescentes, que ainda estão desenvolvendo essa função, é ainda mais grave. Conforme a pediatra e professora da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Verônica Indicatti Fiamenghi, as crianças também têm mais dificuldade para controlar a temperatura do corpo, diferentemente de adultos. Por isso, é importante ter cuidados redobrados, inclusive no ambiente escolar:
— É preciso garantir que a criança beba água regularmente. Manter a hidratação frequente é fundamental. Outro cuidado é usar roupas leves, que sejam mais frescas, e evitar a exposição ao sol. Também ajuda manter os ambientes sempre arejados.
Áreas verdes contribuem
Um estudo elaborado pelo MapBiomas, a partir de perguntas do Instituto Alana, aponta que Porto Alegre está entre as capitais com maior proporção de escolas localizadas em áreas quentes em relação à temperatura média urbana. A capital gaúcha é a única da região Sul nessa situação. Cerca de 47,6% das escolas de Porto Alegre estão em locais que apresentam temperaturas superiores à média da cidade, com desvios de 3,57ºC ou mais.
O levantamento analisou 20 mil escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, em todas as capitais, considerando as particulares. Além da climatização, é necessário pensar em alternativas sustentáveis, que dispensem o uso de energia e garantam resiliência climática às escolas.
Uma das soluções para melhorar o conforto térmico é a criação de áreas verdes dentro das instituições e no entorno, sempre que possível.
— Temos que pensar em soluções que usam natureza como nossa aliada nesse enfrentamento. Garantir o sombreamento por meio de miniflorestas e o plantio de árvores pode ser muito mais eficiente e simples, para ajudar que as salas fiquem mais frescas, e os espaços abertos fiquem mais sombreados — diz Isabel Barros, especialista em infâncias e natureza do Instituto Alana.
Segundo a pesquisa, ainda faltam áreas verdes nas escolas em Porto Alegre, tanto dentro quanto no entorno das instituições, situação que é particularmente preocupante na Educação Infantil, com 43,5% das unidades sem áreas verdes. O relatório propõe o "desemparedamento escolar", que permite não somente aproveitar melhor os espaços externos para atividades pedagógicas, mas também para brincadeiras ao ar livre.