Aproveitando a popularidade das redes sociais, profissionais como médicos, advogados e arquitetos, entre outros, têm utilizado plataformas como o Instagram para se fazer conhecer, conquistar clientes/pacientes e acelerar o crescimento.
Há profissionais já estabelecidos que preferem confiar no bom e velho boca a boca para divulgar seu nome, mas não há como negar que o uso das redes sociais está mudando a dinâmica do mercado de trabalho em diferentes áreas.
Pesquisa do Datafolha divulgada em dezembro mostra que 96% dos brasileiros têm pelo menos uma conta em rede social. Segundo o relatório Digital 2024: 5 Billion Social Media Users ("2024 digital: 5 bilhões de usuários de mídias sociais", em tradução livre), divulgado em janeiro de 2024 pelas empresas We Are Social e Meltwater, o país está em terceiro lugar no ranking mundial de tempo gasto em redes sociais. Os brasileiros passam em média três horas e 37 minutos por dia nas plataformas.
Consultório "superlotado"
Um dos profissionais que aproveitam esse cenário é a pediatra Angela Rech Cagol, 50 anos, sendo 25 atendendo crianças. Em 2012, ela se mudou de Caxias do Sul para Bento Gonçalves, onde precisou recomeçar do zero. Até então, focava a oncologia pediátrica.
Como não encontrou espaço para a especialidade na nova cidade, voltou às Unidades Básicas de Saúde e a fazer plantão no pronto-atendimento da prefeitura. Sentiu, então, necessidade de divulgar seu nome.
Foi convencida por colegas a trabalhar melhor o marketing no Instagram. No início de 2020, quando contratou uma assessoria, tinha 200 seguidores. Agora, acumula mais de 5,6 mil.
Angela lembra que começou a ser incentivada a gravar vídeos, responder dúvidas nos stories, elaborar pequenos manuais de nutrição e cuidados com a saúde, entre outros tipos de conteúdos.
A pediatra conta que acompanha quais assuntos estão mais badalados por colegas, além de observar as epidemias que estão atingindo as crianças. Ao encontrar o tema, lança o assunto para a assessoria e combina como vai fazer o material. Conforme Angela, o processo não é trabalhoso, pois tem uma equipe para apoio.
Com a divulgação, as mães passaram a procurá-la. Foi de cinco consultas em um dia para até 25.
— Hoje, meu consultório está superlotado. Se ligar para marcar consulta comigo agora (final de dezembro), só tem para abril — afirma. — Quando pergunto às mães se têm acesso ao meu Instagram, elas respondem: "Sim, doutora, adoro seguir você por lá, você posta muitas dicas".
Marketing impulsiona crescimento
Com 13,8 mil seguidores no Instagram, a advogada Isaura Ribeiro deixa claro seu foco na descrição na rede social: "Pagar pensão é o mínimo que um pai ausente deve fazer".
Considerando-se "advogada das mamães", ela atua no direito de família. Em sua página, o conteúdo varia entre cards com dicas, respostas a dúvidas, vídeos bem-humorados e memes relacionados a assuntos de sua área.
Natural de Esteio, ela tem 44 anos e seu escritório se localiza em Porto Alegre. É advogada há seis anos. Durante mais de duas décadas, trabalhou na área de crédito e cobrança, até que se interessou pelo direito.
Quando se encaminhava para a formatura, paralelamente começou a estudar marketing digital. Algo que fez por necessidade, como pontua:
— Pensei: "Sou de família humilde, não tenho padrinhos, não tenho escritório. Como vou começar? Tenho que começar de algum lugar". Assim que saí da faculdade, comecei a fazer minha divulgação na base da tentativa e erro. No fim, deu certo. Temos bastante clientes.
Isaura produz sozinha o conteúdo de suas redes. Estima ter feito mais de 10 cursos de marketing e redes sociais. Garante que não é uma rotina exaustiva hoje em dia por ter aprendido a trabalhar com agenda. Em um dia, cria a maior parte das publicações do mês.
Porém, a advogada recorda que, após o primeiro ano, não dava conta de lidar com todo o marketing e os processos dos clientes. Trabalhava até tarde todos os dias. Foi quando passou a trazer outros parceiros para integrar seu escritório.
"Cartão virtual"
Isaura sublinha que hoje muitas mães chegam ao escritório após acompanhar as postagens no Instagram.
— A cliente vai no profissional de que se lembra. Por isso, tem que ter material publicado com frequência — aconselha. — Antigamente se distribuía um cartãozinho, que ia parar na gaveta. Hoje a gente tem essa oportunidade de distribuir um "cartão virtual", que pode aparecer todo dia na tela da pessoa.
Segundo Isaura, o marketing é o carro-chefe do escritório. Sem esse trabalho, a advogada crê que não seria viável um crescimento tão expressivo.
— Na nossa profissão, a gente leva uns 15 anos para cumprir o ritual de se firmar no mercado. Começa com pouquinhos clientes, vai no escritório do tio, começa por baixo como estagiário, sofrendo muito e ganhando pouco. Hoje, temos um escritório com CNPJ, recolhendo os tributos certinhos — celebra.
Alguém de confiança
Nem todo mundo sente a necessidade de divulgar seu trabalho nas redes sociais, especialmente aqueles que já estão consolidados há mais tempo em suas áreas.
É o caso de Sérgio Roithmann, chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Moinhos de Vento, oncologista clínico e professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
Aos 65 anos, sendo 30 de oncologia, o médico se limita a usar as redes sociais para "divertimento pessoal", como define. Ele frisa que a "melhor clínica se faz pela opinião e pelo respeito dos próprios colegas". Ou, no caso, o bom e velho boca a boca.
— Com essa grande quantidade de informação que existe nas redes sociais, tem muita coisa boa, mas também coisa ruim. Ainda acho que a melhor maneira de poder chegar ao profissional médico confiável é ouvir a opinião de alguém de confiança — pondera.
Roithmann não crê que o médico deva ser alheio à comunicação. Contudo, acrescenta que o público deve procurar referências.
Fatores decisivos
Com a ascensão dos profissionais influenciadores, há uma mudança significativa no mercado de trabalho. É o que aponta Tati Meuser, relações públicas e fundadora da agência de influenciadores Sou In.
Ela lembra que, antes, as empresas investiam exclusivamente em publicidade tradicional e em carreiras mais lineares. Hoje, os influenciadores ocupam um papel híbrido, unindo expertise técnica a uma habilidade de engajamento, que transforma seus nichos de atuação em plataformas de marketing direto.
— Essa mudança valoriza competências como comunicação autêntica, criação de conteúdo digital e a capacidade de construir comunidades. O mercado está sendo redefinido para aceitar não apenas diplomas, mas também soft skills (habilidades sociais) e presença online como fatores decisivos para o sucesso — explica Tati.
A psicóloga Thaline da Cunha Moreira, consultora do PUCRS Carreiras e vice-presidente da Associação Brasileira de Orientação Profissional e de Carreira (Abraopc), salienta que a forma de comercializar produtos e serviços vem se alterando nos últimos anos com a chegada dos influenciadores.
— Um profissional que não quer ficar para trás na concorrência precisará contar com uma boa estratégia de divulgação e criação de conteúdo que influencie as pessoas a adquirir o seu serviço ou produto. Caso não se sinta confortável nessa posição, precisará de alguém que faça isso por ele — afirma a psicóloga.
Ética e valores da profissão
Tati complementa que todos podem se beneficiar de ter uma presença digital estratégica. Ela ressalta que a concorrência em muitas áreas está cada vez mais acirrada, e o público busca profissionais que, além de serem competentes, também sejam acessíveis e capazes de transmitir confiança.
— Ser um influenciador não é sobre ter milhões de seguidores, mas sobre criar uma rede de contatos e compartilhar conteúdo relevante que agregue valor ao seu público. Isso pode ser feito de várias formas: dando dicas, mostrando bastidores do trabalho ou até explicando conceitos técnicos de maneira acessível — salienta Tati. — No entanto, é importante que essa presença digital esteja alinhada com a ética e os valores da profissão.
Para profissionais que desejam divulgar seu trabalho sem se tornar influenciadores digitais, ela recomenda estratégias como investir em um perfil no LinkedIn, explorando recursos como a publicação de artigos; participar de eventos como palestras e feiras, que são oportunidades de networking; e criar uma presença online institucional, como um site com informações sobre o serviço e formas de contato.
É importante que essa presença digital esteja alinhada com a ética e os valores da profissão
TATI MEUSER
Relações públicas e fundadora da agência Sou In
Risco de pagar mais caro
Conforme Karlá Apráto, consultora de carreira, especialista em gestão de pessoas e fundadora do site Karreira.com, as redes sociais estão cada vez mais no centro das decisões, seja para contratar um freelancer ou para comprar um produto. Ela realça que especialmente os millennials e a geração Z estão acostumados a resolver tudo online.
Só que, como Karlá observa, há o risco de se pagar mais caro porque profissionais influencers podem ser mais requisitados.
— Um estudo (da EY-Parthenon) revelou que 78% dos consumidores brasileiros confiam em recomendações de influenciadores digitais. Isso significa que, quando um influenciador recomenda algo, o consumidor tende a confiar mais e, por consequência, pode estar disposto a pagar mais por esse serviço.
Encontrando um equilíbrio
Tati reconhece que a presença nas redes sociais pode, sim, tornar-se um fardo para muitos profissionais. Essa pressão de seguir tendências e atender expectativas pode levar à exaustão emocional e mental.
— É essencial estabelecer limites claros e encontrar um equilíbrio entre vida profissional, pessoal e digital. Planejamento estratégico e delegar a gestão de redes para profissionais capacitados são medidas que podem ajudar a aliviar essa carga, permitindo que o foco principal permaneça na qualidade do trabalho oferecido — conclui.
Thaline acrescenta:
— É importante que os profissionais que querem vender o seu negócio pelas redes saibam usar com parcimônia essas redes. Ter momentos offline, de troca com as pessoas no presencial, é de suma importância não só para a saúde mental da pessoa, mas também para o negócio.