
O entendimento divergente de tribunais sobre a legalidade de contratos firmados por empresas e profissionais autônomos, a chamada pejotização, fez com que todos os processos que discutem o tema fossem suspensos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A determinação do ministro Gilmar Mendes, na segunda-feira (14), foi motivada pelo volume expressivo de reclamações constitucionais — uma classe processual — que envolvem decisões da Justiça do Trabalho.
Agora o Supremo irá julgar um caso específico de pejotização e usá-lo como balizador para futuras decisões do Judiciário, reconhecendo a repercussão geral do assunto.
No Rio Grande do Sul, a medida pode impactar cerca de 6,8 mil processos no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4). O dado é de um levantamento realizado pelo escritório Souto Correa Advogados, a pedido de Zero Hora, no software de jurimetria Data Lawyer. A consulta considerou ações com o tema da pejotização.
Ao longo de seis anos, o número de novos processos abertos subiu 250% nas varas trabalhistas gaúchas, pulando de aproximadamente 400 casos em 2019 para mais de 1,4 mil no ano passado. Somente em 2025, 313 novas ações foram protocoladas, conforme dados reunidos até terça-feira (15).
As comarcas de Porto Alegre, Caxias do Sul e Canoas são as que têm maior número de processos com o termo "pejotização". A maioria das ações está na fase de conhecimento, em que o juiz analisa o caso e decide se há elementos suficientes para julgar o réu. A liquidação é quando o valor a ser pago é definido, antes da execução — o cumprimento da sentença.
O escritório destaca os valores dos processos como uma particularidade envolvendo as ações trabalhistas do gênero. Enquanto o valor médio das causas gerais do TRT4 é de R$ 111,7 mil, o valor médio das ações de pejotização chega à média de R$ 413,1 mil. Nos casos já julgados, as condenações chegam a uma média de R$ 110,1 mil.
A pesquisa feita no Data Lawyer pode não representar com exatidão o total de processos, já que a ferramenta não é uma fonte oficial. Além disso, ações que tramitam em segredo de Justiça não são contabilizadas. O escritório Souto Correa comenta que, "de qualquer sorte, são números bem próximos da realidade e, sem dúvida, ajudam a contextualizar o atual cenário".
O reflexo que a decisão do Supremo causará no Estado está em análise no TRT4. Em nota, a Corte afirma que ainda é preciso saber como a suspensão deve ser feita em processos que envolvem mais de um direito trabalhista (leia a íntegra do comunicado abaixo).
Segurança jurídica
A divergência entre os tribunais faz com que os processos sejam levados até a última instância, prolongando o tempo de espera por uma decisão e acumulando demanda nas cortes. Para especialistas, a decisão do STF deve resultar em mais economia e celeridade, além de maior segurança jurídica.
— A suspensão dos processos economiza até mesmo o custo. Existiam casos em que uma decisão que ganhou em todas as instâncias da Justiça do Trabalho, um processo que levou de cinco a 10 anos reconhecendo o vínculo trabalhista, caía quando chegava na reclamação constitucional para o STF. Isso vai poupar um tempo considerável, porque esses processos já vão ter que tramitar seguindo o entendimento do STF — explica Eugênio Hainzenreder Júnior, advogado e professor de direito do trabalho na Escola de Direito da PUCRS.
Na visão do especialista, o cenário atual, em que não há um entendimento único sobre o tema, traz insegurança para todos os envolvidos.
— Quando uma empresa faz uma consulta e pergunta "eu posso fazer isso ou eu não posso?", eu tenho que dizer: "Depende". Depende de quem decidirá, depende de com qual julgador cair, depende de qual turma no TRT o processo vai. Porque cada um decide da forma que bem entende e isso traz uma insegurança jurídica para todos — relata o professor e advogado.
A advogada Manoela Pascal, do escritório Souto Correa Advogados, cita que empresas que atuam em âmbito nacional tinham resultados diferentes em processos similares. A decisão mudava conforme o tribunal de cada Estado ou a distribuição entre as turmas de juízes, segundo Manoela, que observa na Justiça do Trabalho do RS uma tendência "mais protecionista para o empregado".
— Em discussões que envolvem, por exemplo, a mesma empresa que tem uma atuação nacional, com os mesmos pedidos, ou seja, em que o trabalho era prestado sob as mesmas condições, as condenações no Rio Grande do Sul são muito superiores a outros tribunais — comenta Manoela.
Em nota, a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT) afirmou que alguns ministros do STF atuam "com um viés desrespeitoso e, quiçá preconceituoso, alimentando a sanha reducionista de direitos sociais e lançando à margem da proteção trabalhista os falsos autônomos, parceiros, pejotizados, plataformizados e demais contratados sob qualquer roupagem de direito civil, ajudando a estigmatizar o empregado celetista, hoje sob a alcunha de 'colaborador'".
O que diz o TRT4:
"O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) está avaliando, internamente, a melhor forma de cumprimento da decisão proferida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a suspensão, em todo o país, dos processos que tratam da licitude da contratação de trabalhadores autônomos ou pessoas jurídicas para a prestação de serviços — prática conhecida como 'pejotização'.
O tema será pauta de reuniões institucionais nas próximas semanas, incluindo o encontro do Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho (Coleprecor), que ocorrerá em Brasília, nos dias 23 e 24 de abril, e, em seguida, em reunião institucional, agendada para o dia 25 de abril. Também estão previstas discussões com representantes da advocacia e demais operadores do Direito.
O TRT-RS ainda não possui um levantamento específico sobre o número de ações atingidas pela decisão. No entanto, o Tribunal já iniciou a análise dos impactos da decisão, inclusive quanto à suspensão de prazos e aos desdobramentos práticos para a atuação da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul. A situação dos processos que envolvem, além do pedido de vínculo de emprego, outras pretensões, também será considerada nas discussões em andamento."