
Na arrancada deste terceiro ano de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que regulamenta a reforma tributária. O projeto havia sido aprovado pelo Congresso no fim do ano passado. A reforma busca simplificar e tirar o peso dos tributos tanto da cadeia produtiva quanto dos consumidores.
Da criação de um novo imposto, que vai aglutinar cinco já exitentes hoje, até a tributação extra de determinados produtos e a devolução de parte do que é pago, as mudanças ainda geram dúvidas entre os contribuintes. Por isso, Zero Hora lança a série Me Explica? — Reforma Tributária, que esclarece, em quatro vídeos publicados entre esta quarta-feira (12) e sábado (15), os principais pontos da lei.
Os episódios
- Quarta-feira (12) — Reforma tributária: novos impostos, isenções, taxações extras e cashback; entenda as mudanças
- Quinta-feira (13) — Cesta básica ficará mais cara com a reforma tributária? Entenda
- Sexta-feira (14) — O que é o "imposto do pecado", criado com a reforma tributária?
- Sábado (15) — Cashback de imposto: como vai funcionar a devolução de tributos com a reforma tributária
O que é a reforma tributária?
A reforma tributária refaz a estrutura dos impostos sobre o consumo. Os atuais cinco tributos existentes no país darão lugar a um Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Esse IVA será duplo, com um braço administrado pela União e outro por Estados e municípios.
O governo federal cuidará da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que vai aglutinar o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Já Estados e municípios ficarão com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o Imposto sobre o Comércio de Mercadorias e Serviços (ICMS), de responsabilidade estadual, e o Imposto sobre Serviços (ISS), que é municipal.
Por que a reforma foi feita?
A reorganização da estrutura de impostos no país nasce da necessidade de simplificar e atualizar o sistema tributário brasileiro para uma realidade que já é vista em outros países. Hoje, o modelo do Brasil é considerado complexo, burocrático e oneroso em diversas etapas da produção.
A existência de muitos tributos acaba penalizando empresas e consumidores, com uma série de impostos atuando de maneira cumulativa em diversas etapas da cadeia produtiva.
O novo modelo, além de unificar os tributos, prevê o fim da cumulatividade, que estabelecia a cobrança em cascata, com o mesmo tributo sendo cobrado em diversas etapas da cadeia produtiva, tanto sobre os insumos como sobre o produto final.
Qual a alíquota do novo imposto?
A alíquota padrão do IVA deve ficar em torno de 27,84%, segundo cálculos preliminares. A elevação ocorreu após a inclusão de exceções para setores da economia e produtos. Como as alíquotas menores para um segmento precisam ser compensadas por alíquotas maiores sobre os demais, a taxa deve rodar sobre esse patamar.
A regulamentação cria um teto de 26,5% para a alíquota-padrão. No entanto, será feita uma avaliação em 2031 para verificar se as alíquotas finais do IVA, que entrarão em vigor em 2033, serão maiores do que 26,5%. Caso isso ocorra, o governo enviará um projeto para diminuir as exceções.
Esse texto precisa ser aprovado até o fim de 2032, para que a alíquota-padrão fique em 26,5% no ano seguinte. A partir de 2033, o sistema terá gatilhos automáticos para reduzir a carga tributária em cada situação que a taxa referencial ultrapassar o teto de 26,5%.
Quando começa a valer?
Ainda em 2025, alguns ajustes previstos começam a entrar em vigor, como o fim da incidência do PIS/Pasep e Cofins de produtores, importadores e distribuidores sobre a receita bruta na venda de álcool, inclusive para uso combustível. No entanto, as mudanças mais estruturais da reforma começam a ser implementadas de forma escalonada a partir de 2026.
No próximo ano, começa uma fase de ensaio dos novos impostos, com a cobrança da alíquota de teste do IBS e da CBS, no percentual de 1% (0,9% de CBS e 0,1% de IBS). O valor recolhido poderá ser compensado com tributos federais ou restituído. Também entram em vigor demais regras da reforma tributária cujo prazo não foi definido.
Entre 2027 e 2033, as alíquotas vão subindo gradualmente, com os tributos atuais deixando aos poucos de serem cobrados.
Principais pontos da reforma tributária
Não cumulatividade
Além de unificar os impostos, a reforma acaba com a cumulatividade, que é a cobrança em cascata, com o mesmo tributo cobrado em diversas etapas da produção, tanto sobre os insumos como sobre o produto final.
O IBS e a CBS contam com o princípio da não cumulatividade. As operações anteriores em cada etapa da cadeia produtiva geram créditos a serem abatidos nas posteriores.
Cesta básica
A regulamentação determina a isenção total de impostos para alimentos considerados essenciais da cesta básica nacional. Ou seja, ficam com alíquota zero. Na prática, a lei complementar inclui 22 produtos que não pagarão o futuro IVA. Além de contemplar produtos essenciais para a alimentação dos brasileiros de forma mais ampla, a lista também inclui itens regionais, como o mate e o óleo de babaçu:
- Açúcar
- Arroz
- Aveias
- Café
- Carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves e produtos de origem animal (exceto foie gras)
- Cocos
- Farinha de mandioca e tapioca;
- Farinha de trigo
- Feijões
- Fórmulas infantis
- Grão de milho
- Leite fluido pasteurizado ou industrializado, na forma de ultrapasteurizado; leite em pó, integral, semidesnatado ou desnatado; e fórmulas infantis definidas por previsão legal específica
- Manteiga
- Margarina
- Massas alimentícias
- Mate
- Óleo de babaçu
- Pão francês
- Peixes e carnes de peixes (exceto salmonídeos, atuns, bacalhaus, hadoque, saithe e ovas e outros subprodutos)
- Queijos tipo mussarela, minas, prato, queijo de coalho, ricota, requeijão, queijo provolone, queijo parmesão, queijo fresco não maturado e queijo do reino
- Raízes e tubérculos
- Sal
Alíquotas reduzidas
A lei também cria regimes diferenciados, com redução de alíquotas do IBS e da CBS. Profissionais intelectuais, serviços de saúde e educação, produtos de higiene pessoal utilizados por pessoas de baixa renda, serviços e operações ligados à segurança nacional, segurança da informação e da segurança cibernética, produtos agropecuários aquícolas, florestais e extrativistas, produções nacionais artísticas, culturais, entre outros estão nesse grupo.
"Imposto do pecado"
A lei cria o chamado imposto seletivo. Esse tributo diferenciado atua com uma alíquota extra sobre os seguintes produtos que prejudicam a saúde ou o meio-ambiente:
- Bebidas açucaradas
- Bebidas alcoólicas
- Bens minerais
- Concursos de prognósticos e fantasy sport
- Embarcações e aeronaves
- Produtos fumígenos (cigarros e relacionados)
- Veículos
Split Payment
O chamado "pagamento dividido", na tradução para o português, estipula que o valor pago pelo comprador é dividido entre credores tributários (referente ao valor dos tributos) e vendedor (que recebe o valor líquido). O lojista não precisará recolher manualmente o imposto.
Cashback
A reforma cria o chamado cashback dentro do sistema tributário. Essa ferramenta permite a devolução de impostos recolhidos a famílias de baixa renda, cadastradas no CadÚnico, a partir de alguns requisitos. A medida busca diminuir o efeito regressivo da tributação.
O cashback prevê 100% de devolução da CBS e de pelo menos 20% do IBS para a população de baixa renda sobre os seguintes itens: água, botijão de gás, contas de telefone e internet, energia elétrica e esgoto.
Zona Franca
A lei assegura a manutenção do regime favorecido à Zona Franca de Manaus, além de prever tratamento diferenciado às Áreas de Livre Comércio.
O presidente Lula não vetou artigo que incluía o setor de refino na Zona Franca de Manaus. Incluído pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator do texto no Senado, esse ponto beneficiou uma única empresa na Região Norte, a Refinaria da Amazônia (Ream).
Segundo secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, governo não vetou artigo para evitar que outras empresas fossem incluídas na Zona Franca.
Lazer
A regulamentação simplifica o cálculo do regime específico para os setores de bares, hotéis, restaurantes e parques, com alíquota reduzida em 40% e exclusão das gorjetas da base de cálculo. Já a venda de bebidas alcoólicas continua a pagar alíquota padrão. Quem compra produtos ou serviços desses segmentos não poderá deduzir créditos da CBS e do IBS, como contrapartida.
Mercado imobiliário
O texto determina desconto de 50% na alíquota geral nas transações do mercado imobiliário. Também prevê a isenção de IVA para pessoas físicas com imóveis de aluguel, desde que a renda das locações seja menor do que R$ 240 mil por ano e que os proprietários tenham menos de três imóveis alugados. Acima desses patamares, o proprietário, inclusive pessoa física, terá de incluir o IVA sobre o cálculo do aluguel.
Planos de Saúde
Permite que empresas considerem planos de saúde comprados para funcionários como crédito de IBS e CBS. Planos de saúde para animais domésticos terão redução de 30% na alíquota dentro do novo sistema tributário.
Medicamentos
Todos os medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e fórmulas produzidas por farmácias de manipulação terão desconto de 60% na alíquota de imposto. A lei também destaca 400 princípios ativos para tratamentos graves que terão alíquota zerada.
Outros itens médicos e de serviços de saúde terão alíquota reduzida em 60%, como produtos de cuidado de pacientes em casa, serviços de instrumentação cirúrgica e de esterilização. Medicamentos, vacinas e soros de uso veterinário também terão essa redução.
Nanoempreendedor
A lei cria o modelo de nanoempreendedor. Além do microempreendedor individual (MEI), o Congresso criou a figura do nanoempreendedor. Se encaixa nesse regime o profissional autônomo que fatura até R$ 40,5 mil por ano (R$ 3.375 por mês) — metade do faturamento do MEI. O nanoempreendedor poderá escolher entre ficar no Simples Nacional, regime simplificado para micro e pequenas empresas, ou migrar para o IVA, com alíquota maior, mas não cumulativa. Se optar pelo IVA, o nanoempreendedor deixará de contribuir para a Previdência Social.
Trabalhos por aplicativos
O imposto sobre a receita bruta de motoristas de aplicativos ou entregadores que utilizam plataformas nesses mesmos moldes incidirá apenas sobre 25% dos ganhos com corridas. Se esse percentual for menor do que R$ 40,5 mil por ano, o profissional também será enquadrado como nanoempreendedor.