A sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à regulamentação da reforma tributária, realizada na tarde desta quinta-feira (16), formaliza o caminho para a criação de dois novos impostos que deverão substituir cinco tributos municipais, estaduais e federais existentes hoje.
De início, a assinatura presidencial terá pouco efeito na prática, mas oficializa uma série de prazos estabelecidos na legislação para implantar aos poucos esse novo modelo tributário brasileiro até 2033. A sanção ocorreu com veto de alguns pontos considerados "técnicos" pelo governo e incapazes de alterar o espírito da norma. Ainda assim, o Congresso dispõe de 30 dias para avaliar se derruba ou não os vetos.
Conforme o advogado tributarista e coordenador do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, Rafael Pandolfo, como principal novidade, o novo modelo institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, em substituição a tributos estaduais e municipais), e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS, que tomará o lugar de tributos federais).
Em compensação, deixarão de existir, futuramente, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS, estadual), o Imposto sobre Serviços (ISS, municipal), além do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do Programa de Incentivo Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), federais.
— O primeiro ponto a se destacar é que se trata de uma transição longa para os contribuintes: um processo que envolve uma década e a concomitância dos regimes antigo e novo — afirma Pandolfo.
Isso quer dizer que, ao longo dos próximos anos, os novos tributos irão paulatinamente tomar o lugar dos antigos. Mas a cobrança dos impostos criados pela nova lei só terá início, ainda em fase de teste e com alíquotas bastante reduzidas, a partir de 2026. A partir daí, os percentuais serão ampliados, enquanto os dos tributos atuais serão diminuídos. A legislação prevê que o processo de transição será encerrado somente em 2033.
Será implementado, ainda, o Imposto Seletivo, apelidado de "imposto do pecado", que incidirá sobre itens prejudiciais à saúde ou ao ambiente.
A alíquota média geral cobrada sobre o consumo deverá ser a mesma prevista desde o início da proposta, ou seja, 22%. Já a alíquota-padrão, que é a referência geral sobre a aplicação ou não de desconto, ainda será definida — mas ficará acima desse patamar.
A lei prevê um limitador para essa alíquota-padrão. Sempre que a taxa de referência ameaçar ultrapassar um índice de 26,5%, medidas de redução seriam acionadas.
Ainda em 2025, haverá um pequeno conjunto de mudanças, como o fim da incidência de PIS/Pasep e Cofins de produtores, importadores e distribuidores sobre a receita bruta na venda de álcool, inclusive para uso combustível (veja outras alterações mais abaixo).
Em termos legislativos, o próximo passo será colocar em vigor o Projeto de Lei Complementar 108/2024. Entre outros temas, essa legislação implementará o Comitê Gestor do IBS e regulará o processo administrativo de cobrança desse imposto, além da distribuição da arrecadação do IBS.
O cronograma das mudanças
Veja um resumo de quando serão implementadas algumas das medidas do novo modelo tributário:
2025
- Fim da incidência do PIS/Pasep e Cofins de produtores, importadores e distribuidores sobre a receita bruta na venda de álcool, inclusive para uso combustível (atualmente, varia de 1,5% a 3,75%).
- Fim da possibilidade de regime especial de apuração e pagamento do PIS/Pasep e Cofins para produtores, importadores ou distribuidores de álcool.
- Pessoas jurídicas ou titulares de holdings patrimoniais que realizem locação, cessão ou arrendamento de imóveis puderam optar por um regime de transição da reforma tributária que garante alíquota de 3,65% de Imposto (IBS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A opção por esse regime transitório pode ser vantajosa do ponto de vista fiscal. Para usar o regime alternativo, os contratos deveriam estar vigentes antes da publicação da nova lei.
Segundo o advogado Edmundo Cavalcanti Eichenberg, do escritório Eichenberg Lobato Abreu (ELA), "apenas contratos de locação firmados até a data da publicação da nova lei poderão manter a carga tributária atual".
Novas locações, formalizadas após a publicação, já deverão estar sujeitas, progressivamente, às incidências de IBS e CBS
EDMUNDO CAVALCANTI EICHENBERG
Advogado
2026
- Começa a cobrança da alíquota de teste do IBS e da CBS, no percentual de 1% (0,9% de CBS e 0,1% de IBS). O valor recolhido poderá ser compensado com tributos federais (PIS, Cofins, CSLL, imposto de renda etc.) ou restituído, conforme a situação, conforme o advogado Rafael Pandolfo.
- Entram em vigor demais regras da reforma tributária cujo prazo não foi definido.
2027
- Terá início a cobrança regular da CBS, com a consequente extinção do PIS e da Cofins. Entra em vigor o Imposto Seletivo. Já o IBS será cobrado à alíquota estadual de 0,05% e à alíquota municipal de 0,05%, com redução equivalente de 0,1% da CBS.
- Fim de uma série de regimes especiais de incentivos e tributações.
- Passa a encaminhar 18% da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
2029 a 2032
- Começa a redução gradativa do ICMS e do ISS em um décimo ao ano, compensada com o crescimento proporcional e gradativo do IBS. Em 2032, a alíquota do ICMS e do ISS equivalerá a 60% do valor nominal.
- Em 2029, serão concedidos à indústria da Zona Franca de Manaus créditos presumidos de IBS e de CBS relativos à operação que se destine ao território nacional.
2033
- O ICMS e o ISS serão extintos, e o IBS também será plenamente instituído.
- Fim da remissão dos créditos tributários decorrentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais.
Veja alguns dos principais itens da reforma
Não cumulatividade: o IBS e a CBS são marcados pelo princípio da não cumulatividade. As operações anteriores geram créditos a serem abatidos nas posteriores.
Cesta básica: a regulamentação determina a isenção total de impostos para alimentos considerados essenciais da cesta básica nacional, casos de arroz, feijão, carnes, farinha de mandioca, farinha de trigo, açúcar, macarrão e pão comum, mandioca, inhame, batata-doce e coco, café e óleo de babaçu, manteiga, margarina, leite fluido, leite em pó e fórmulas infantis definidas por previsão legal específica, além de óleo de babaçu, grãos de milho e de aveia e diversos tipos de queijo.
Redução de alíquotas: a lei traz regimes diferenciados, com redução de alíquotas do IBS e da CBS, por exemplo, a profissionais intelectuais, serviços de saúde e educação, produtos de higiene pessoal utilizados por pessoas de baixa renda, serviços e operações ligados à segurança nacional, segurança da informação e da segurança cibernética, produtos agropecuários aquícolas, florestais e extrativistas, produções nacionais artísticas, culturais, entre outros.
Split Payment: "pagamento dividido", em inglês. O valor pago pelo comprador é dividido entre credores tributários (referente ao valor dos tributos) e o vendedor (que recebe o valor líquido). O lojista não precisará recolher manualmente o imposto.
Cashback: devolução de impostos recolhidos a famílias de baixa renda, cadastradas no CadÚnico, a partir de alguns requisitos. A finalidade é diminuir o efeito regressivo da tributação.
Zona Franca: a lei assegura a manutenção do regime favorecido à Zona Franca de Manaus, além de prever tratamento diferenciado às Áreas de Livre Comércio.