A centenária Fruki, tradicional indústria de bebidas do Rio Grande do Sul, tem sua matriz no bairro Hidráulica, em Lajeado, no Vale do Taquari. A região, que já havia sofrido com um evento climático extremo em 2023, foi também uma das mais atingidas pela enchente de 2024, que, entre outros estragos, devastou a infraestrutura viária em várias partes do Estado. A localização da Fruki demonstra o desafio da reconstrução que persiste: sua sede fica a cerca de 10 quilômetros da ponte sobre o Rio Forqueta, na ERS-130, e a aproximadamente dois quilômetros da ponte sobre o Rio Taquari na BR-386, ambas destruídas pela tragédia de maio passado.
O ritmo de recuperação das estruturas de transporte do Estado após a enchente de 2024 é uma das áreas de monitoramento do Painel da Reconstrução, desenvolvido pelo Grupo RBS. As duas estruturas danificadas são exemplos de como a maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul ainda impacta a logística e o transporte em áreas fundamentais do Estado, mesmo oito meses depois.
Segundo o governo estadual, a enchente afetou 13,7 mil quilômetros de estradas gaúchas, sendo 5.288 quilômetros em rodovias federais e outros 8.434 quilômetros em trechos estaduais, incluindo danos a 14 pontes nessas vias. Tanto Piratini quanto Planalto projetam prazo de pelo menos dois anos para a recuperação total da malha rodoviária.
De acordo com monitoramento realizado por Polícia Rodoviária Federal (PRF), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) e Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), há ainda 41 pontos de bloqueio nas rodovias gaúchas, sendo nove de interrupção total do fluxo, todos em rodovias estaduais, e 32 bloqueios parciais, em estradas federais e estaduais. A maioria desses pontos fica na Serra, na Região Central e na região dos vales, como o do Taquari (veja no mapa abaixo).
— A fábrica de Lajeado abastece vários centros de distribuição pelo Estado, inclusive de Santa Catarina, e os desafios de logística são diários. Temos feito um grande esforço para manter a operação, mas sofremos com o aumento no prazo de atendimento, a alta do custo de frete devido aos desvios, a falta de veículos de terceiros, visto que parte foi vendida ou perdida na enchente, e a escassez de mão de obra logística, decorrente da evasão populacional da região — afirma Fabrício Gigena, gerente de logística da Fruki.
A reconstrução da ponte sobre o Rio Forqueta, localizada na RS-130 entre Lajeado e Arroio do Meio, foi iniciada em setembro, e apesar de ter previsão inicial de término em dezembro, deverá ser concluída somente em março. De acordo com a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), que realiza a obra, orçada em R$ 14 milhões, o atraso ocorreu por condições climáticas adversas durante a execução dos trabalhos.
A nova ponte terá 172 metros de extensão, em comparação aos 124 metros da velha estrutura. Serão duas faixas no pavimento principal, com espaço reservado a pedestres e ciclistas, que ficarão cinco metros mais altas em relação à ponte antiga. Segundo a EGR, cerca de 2,6 milhões de veículos, incluindo 613 mil caminhões e automóveis comerciais, cruzam o trecho anualmente.
A ponte sobre o Rio Taquari na BR-386 também tem previsão de conclusão até o fim de março, segundo a CCR ViaSul, que administra o trecho e realiza a obra. Por conta da interdição, conforme a concessionária, a travessia opera com uma faixa em cada sentido e uma terceira operando de forma reversível, alternando o fluxo conforme o movimento, ora sentido Capital, ora sentido Interior.
— Os bloqueios nas rodovias acarretam aumento de tempo no transporte, o dobro que era antes em alguns casos, e também elevação no preço nos fretes, pelo menos 10% em média a mais no valor, o que afeta muito a nossa competitividade — destaca Mauricio Ecker Fontana, diretor da Fontana S.A., empresa fabricante de produtos de higiene, limpeza e óleos químicos sediada em Encantado, também no Vale do Taquari.
Plano do governo estadual
Na última segunda-feira (20), o governo estadual anunciou um plano de ação para recuperar 11 rodovias e seis pontes estaduais, divididas em 15 lotes, com investimento de R$ 1,2 bilhão (veja quais são no mapa abaixo). Os recursos para as obras serão do Funrigs, fundo estabelecido após o governo federal suspender o pagamento da dívida do Estado com a União em razão da enchente.
— As regiões mais afetadas ainda são a Serra, os vales, como do Taquari, do Caí, do Rio Pardo, e também o centro do Estado, na região de Santa Maria. Essas estradas tiveram impactos em pontes e também em encostas, com deslizamentos, que são questões que demandam obras de maior complexidade para solucionar — afirma o diretor-geral do Daer, Luciano Faustino.
Do valor previsto, R$ 1,18 bilhão será investido na recuperação de rodovias, e R$ 65,6 milhões em pontes. Segundo destaca o Piratini, a escolha dos trechos foi baseada em sete critérios:
- situação da rodovia
- tempo gasto a mais em deslocamentos
- quantidade de afetados
- impactos na economia local
- impactos na saúde
- impactos na mobilidade urbana
- volume de circulação de veículos
— Passamos uma primeira etapa que foi de limpeza e recuperação da trafegabilidade possível dessas rodovias, para o que já destinamos cerca de R$ 300 milhões. Agora vem essa segunda fase, de reconstrução desses trechos mais críticos, que inclusive serão feitos de forma mais resiliente — complementa o diretor-geral do Daer.
O governo do Estado destaca também que as obras elencadas contemplam estudos do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), considerando projeções de mudanças climáticas e riscos associados a eventos extremos como o ocorrido em 2024.
Os contratos com as empresas que realizarão as obras já foram assinados, e após um período de 90 dias para apresentação dos projetos executivos, os trabalhos devem ter início.
Das seis pontes em rodovias estaduais que receberam este investimento, três — na VRS-843 em Feliz, na ERS-417 em Itati e na RSC-471 em Sinimbu — já tiveram a ordem de início das obras assinada, com previsão de conclusão dos trabalhos em 15 meses.
Ações do governo federal
Para realizar a recuperação completa das estradas federais gaúchas, incluindo pontes e demais trechos, o governo federal projetou investir inicialmente pelo menos R$ 1,185 bilhão, recurso regulado pela Medida Provisória nº 1.218/24, publicada em 11 de maio. Deste montante, até o momento, foram gastos R$ 187,4 milhões, com R$ 1,2 bilhão já empenhados.
Em nota, o Dnit "informa que as rodovias estão sendo reconstruídas de acordo com os projetos, e algumas intervenções aguardando projetos para iniciar a reconstrução. Não existe nenhuma interrupção total em nossa malha, apenas alguns pare e siga".
Em dezembro, foi inaugurada a nova ponte na BR-116, entre Caxias do Sul e Nova Petrópolis, com investimento de R$ 31 milhões. Já as pontes na BR-471 em Rio Pardo, na BR-153 em Cachoeira do Sul e na BR-287 em São Vicente do Sul tiveram as obras iniciadas e têm previsões de conclusão entre este ano e 2026.
Recuperação de hidrovias
Em novembro passado, também com recursos do Funrigs, o governo estadual anunciou investimento de R$ 731 milhões nas hidrovias no Estado, também drasticamente impactadas pela enchente. O objetivo é reconstruir e restabelecer as infraestruturas terrestres, de acostagem e de controle dos portos organizados, e também restaurar as profundidades de projeto dos canais de navegação sob a jurisdição da Portos RS, abrangendo o porto de Rio Grande, a hidrovia da Lagoa dos Patos, do Guaíba e seus afluentes.
— Cerca de 3% da carga que sai exportada pelo porto de Rio Grande atualmente chega por hidrovias. A recuperação desse modal, que hoje está muito limitado, é fundamental, e o seu reforço pode fazer com que se torne ainda mais utilizado, até porque é uma fonte de transporte mais barata, mais sustentável e alternativa que pode aliviar as rodovias — defende Paulo Menzel, presidente da Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura (CâmaraLog).
Investimentos previstos
- Dragagem do acesso ao porto de Rio Grande. Custo: R$ 436,9 milhões. Prazo de conclusão: 18 meses.
- Melhorias na infraestrutura e equipamentos de segurança e controle no porto de Porto Alegre. Custo: R$ 40 milhões. Prazo de conclusão: 18 meses.
- Levantamento batimétrico e dragagem dos canais artificiais da Lagoa dos Patos e do Guaíba. Custo: R$ 254,4 milhões. Prazo de conclusão: 24 meses.
O governo estadual prevê que sejam feitos serviços de batimetria e dragagem em cerca de 320 quilômetros de hidrovias interiores. Também serão realizados em mais 40 quilômetros de canais na área portuária de Rio Grande e do seu canal de acesso.
Alberto Rodrigues, diretor de logística da empresa de fertilizantes Yara Brasil, que tem sua maior operação portuária nacional em Rio Grande e utiliza as hidrovias do Estado para movimentação de cargas entre seu terminal e a região da Capital, opina que o trabalho deveria focar não só no reparo dos danos causados pela enchente, mas também na ampliação da profundidade dos canais:
— Além de proporcionar mais segurança às operações, é possível receber navios de grande porte, o que possibilita a descarga de volumes maiores, a redução de custos de fretamento, além de trazer mais competitividade às operações portuárias.
De acordo com Rodrigues, a tragédia de 2024 impacou as operações da empresa de fertilizantes:
— Para lidar com esse ponto após a enchente, a Yara redirecionou suas rotas para manter o abastecimento do insumo, combinando diferentes modais, com transporte ferroviário e rodoviário.
O assoreamento das hidrovias gaúchas fez com que embarcações encalhassem em canais do Estado no fim de 2024. Em novembro, foi iniciada a dragagem do canal de Itapuã, na Lagoa dos Patos, com orçamento de R$ 8,8 milhões, que deverá remover até 185 mil metros cúbicos de sedimentos, com previsão de 90 dias de execução.
Conforme Cristiano Klinger, presidente da Portos RS, além do canal de Itapuã, os canais de Pedras Brancas, Leitão, Furadinho e São Gonçalo também estão com licitação aberta para processos de dragagem. A previsão de Klinger é que em 30 dias os contratos estejam assinados, e, a partir disso, sejam concluídos em 150 dias após o início.