O governo do Rio Grande do Sul está em uma “sinuca de bico” fiscal, após o presidente Lula ter sancionado com vetos a lei que cria um novo programa de renegociação da dívida dos Estados com a União. Pelo formato atual — agora chamado de Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) —, o RS sai prejudicado no curto prazo, mas, nas próximas décadas, ganha um alívio essencial para o cofre estadual, segundo a secretária da Fazenda, Pricilla Santana.
O dilema se explica pelas projeções da Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz). Se aderir ao novo programa de renegociação, o Estado deve perder entre R$ 5 bilhões e R$ 7 bilhões entre 2025 e 2027.
Por outro lado, essa adesão deve reduzir, a partir de 2028, até R$ 7 bilhões por ano no total da dívida gaúcha, estimativa que considera cenários macroeconômicos para os próximos anos.
Perda de benefício concedido após enchente
O Rio Grande do Sul, desde 2024, conta com um benefício especial de suspensão do pagamento da dívida com a União. A medida, válida até abril de 2027, foi oferecida como forma de apoio financeiro após o Estado contabilizar perdas bilionárias com as enchentes.
Assim, em vez de pagar mais de R$ 400 milhões das parcelas mensais da dívida à União, o Rio Grande do Sul fica com este dinheiro em um fundo para a própria reconstrução.
Pelo texto original, aprovado pelo Congresso, o Estado poderia aderir ao programa mantendo este benefício de suspensão do pagamento da dívida. No entanto, agora, para aderir ao Propag, voltar a pagar as parcelas da dívida.
— Se a gente adere ao Propag agora, em vez de ter o dinheiro para investir no processo de recuperação, o que daria até R$ 7 bilhões, a gente vai ter que depositar em um fundo com outros Estados. Esse prejuízo de curto prazo, trazido pelo veto presidencial, inviabiliza uma solução estruturadora de médio e longo prazo para o Rio Grande do Sul — aponta a secretária Pricilla.
Ganho de fôlego com mudança no índice do juro
Se no curto prazo o formato atual do Propag desagrada o governo do Estado, no médio e longo prazos resolve um problema grave da atual cobrança da dívida: o índice que atualiza o tamanho do débito gaúcho.
Em 2021, durante o primeiro governo de Eduardo Leite, o Estado renegociou a dívida com a União, com a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). O RRF, contudo, manteve a dívida gaúcha com a União atrelada à taxa Selic.
Essa regra passou a ser extremamente problemática para o Rio Grande do Sul já no fim de 2021, quando a taxa Selic entrou em curva crescente. Quanto mais sobe a Selic, pelas atuais regras, maior a dívida do Estado.
Para tentar resolver o problema, em 2023, o Rio Grande do Sul iniciou um movimento com outros Estados para buscar um novo programa de renegociação que contasse com um indexador mais estável e favorável aos devedores. O pedido encontrou eco no governo federal e prosperou no Congresso tendo como articulador político o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco — que é de Minas Gerais, um dos Estados mais endividados e, portanto, interessado na mudança.
A mudança aprovada pelo Congresso faria o Rio Grande do Sul ter uma redução no custo da dívida, de 13% ao ano para cerca de 6% ao ano. Cada ponto percentual reduzido, segundo a secretária estadual da Fazenda, representa R$ 1 bilhão de diferença na dívida do Estado.
— R$ 100 bilhões é o que a gente deve. Essa dívida cresce algo como R$ 13 bilhões por ano. E assim sucessivamente. É desesperador. Quando eu trocar essa dívida (em caso de adesão ao Propag), o que acontece? Em vez de o Estado dever R$ 13 bilhões a mais por ano, o Estado vai dever R$ 7 bilhões a mais por ano. Por isso que, no longo prazo, a adesão ao Propag é importante — diz Pricilla.
Impasse pode acabar na Justiça
O governo gaúcho enxerga dois caminhos para resolver o dilema. O primeiro é tentar derrubar no Congresso os vetos de Lula e, assim, manter o Propag com o texto original, que garantia que o Estado se mantivesse com o benefício de suspensão do pagamento da dívida.
A outra alternativa é tentar convencer a Justiça de que o RS tem direito a manter o melhor dos dois mundos: a suspensão da dívida até 2027 somada às vantagens de médio e longo prazo previstas no novo programa de renegociação.