Mais do que a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto que cria o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), são os pontos vetados da medida que causam impacto sobre o Rio Grande do Sul.
Entre os artigos deixados de fora, está um trecho que permitiria que os Estados inscritos no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), caso do Rio Grande do Sul, acumulassem benefícios com o Propag. Além do RS, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás estão no RRF.
Em razão das enchentes de 2024, o Estado foi desobrigado, via legislação federal, de pagar a dívida com a União até 2027. A partir de então, voltaria a pagar gradativamente. Segundo o vice-governador Gabriel Souza, o veto em questão modifica essa volta gradual do pagamento para os Estados no RRF, o que trará impacto bilionário até 2030:
— Quando voltarmos a pagar a dívida, voltaremos de uma maneira muito mais brusca do que o plano original. Sem os vetos, nós pagaríamos o equivalente a 40% da parcela original da dívida em 2027. Com os vetos, nós pagaremos 55% da parcela.
De acordo com Souza, a Secretaria da Fazenda do RS estima que o prejuízo possa ficar entre R$ 4 bilhões e R$ 7 bilhões, a depender do momento em que o Estado decida aderir ao Propag:
— Quanto mais cedo vier a aderir, menos paga. Quanto mais tarde, mais paga.
A medida teria pego de surpresa o governo gaúcho, que chegou a prever economia de R$ 2 bilhões nos próximos anos caso o projeto aprovado pelo Congresso fosse sancionado na íntegra.
— Nos deixou horrorizados os vetos bastante seletivos pelo impacto que causam especificamente no Rio Grande do Sul, que tem uma situação especialíssima em virtude das enchentes do ano passado — disse Souza.
Em manifestação pelo X, o governador Eduardo Leite, que está em férias, disse que os vetos foram recebidos com “extrema preocupação e indignação”. Como justificativa, citou a obrigatoriedade do repasse de valores para fundo criado para compensar os Estados em melhor situação fiscal.
— Na prática, voltaríamos a repassar valores à União, contrariando a suspensão da dívida pelo período de três anos, cujos valores estão sendo destinados ao Fundo do Plano Rio Grande (Funrigs) para reconstrução — disse Leite, na postagem.
Na sanção de Lula também foi vetada a possibilidade de os governadores abaterem parte dos seus passivos em troca da execução de despesas originalmente de responsabilidade federal. A opção beneficiaria o Rio Grande do Sul, que é um dos Estados mais endividados.
Outro veto impede que os entes utilizem os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), criado pela reforma tributária, para reduzir juros da dívida com a União.
Um dos receios da equipe econômica era de que as medidas, sem os vetos, ampliassem o impacto no resultado primário do Governo Central em meio ao debate sobre corte de gastos. Na decisão, o governo alega que, entre os motivos para as negativas, estão questões de inconstitucionalidade, já que o dispositivo faria a União assumir obrigações de exercícios passados sem a formalização prévia de acordos.
Por outro lado, a proposta traz alívio nas dívidas dos Estados, reduzindo os juros cobrados pela União. O projeto abre a possibilidade para taxas zeradas, mediante contrapartidas. Além disso, os valores ficariam corrigidos pelo índice oficial de inflação, o IPCA.
Também prevê reduções nos juros se o Estado entregar ativos ou se o dinheiro que seria aplicado no pagamento for direcionado para investimentos nas áreas de educação e segurança pública.
"É mais do que um bilhão de reais por ano que fica no Rio Grande do Sul e não vai pra Brasília", comentou sobre a possibilidade de juros zerados o líder da bancada PT-PCdoB na Assembleia Legislativa, deputado Miguel Rossetto, em nota divulgada pelo partido.
A redução na taxa, contudo, limita as receitas financeiras do governo federal.
Os vetos presidenciais, criticados pelo governo gaúcho, voltarão ao Congresso para reanálise dos parlamentares. O governo do Estado promete articulação política para derrubar os vetos, mas admite a dificuldade para conseguir apoio de deputados e senadores de Estados não endividados.
— Isso é um dos complicadores (para derrubar os vetos). Quando você fala de renegociação de dívidas, obviamente isso interessa mais aos parlamentares dos Estados endividados, que são minoria. Então, vamos ter que retomar toda uma discussão, uma energia política enorme e não temos a garantia de que vamos ter resultado positivo — diz Souza.
O Propag
- Programa prevê descontos nos juros e parcelamento do saldo das dívidas em até 30 anos.
- Também cria um fundo de equalização federativa para compensar os Estados em boa situação fiscal.
- O objetivo, segundo o governo federal, é criar condições para o aumento da produtividade, enfrentamento das mudanças climáticas, melhoria da infraestrutura, segurança pública e educação, especialmente na formação profissional.