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A venda de veículos elétricos segue em expansão tanto no país quanto no Rio Grande do Sul. Em 2024, o total de emplacamentos desse tipo de automóvel praticamente dobrou no Estado, crescendo 96,7% ante 2023. Mesmo com apetite cada vez maior por carros eletrificados e aumento na cartela de modelos, o setor enfrenta desafios neste ano diante de inflação e juro elevado, que travam financiamentos. No cenário externo, a mudança de foco na exploração energética do governo de Donald Trump nos Estados Unidos gera incerteza sobre possível efeito positivo ou negativo no Brasil. Mesmo assim, especialistas estimam alta nas vendas em 2025, mesmo que em ritmo menor.
O Rio Grande do Sul fechou 2024 com 9.294 emplacamentos de veículos eletrificados zero-quilômetro, segundo dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). O montante é quase o dobro do total de 2023, quando o Estado vendeu 4.725 automóveis dessa categoria, que reúne híbridos ou movidos puramente por energia elétrica. O salto do Estado ocorre em patamar acima da média nacional. No país, o crescimento de um ano para o outro foi de 89%.
O professor Antônio Jorge Martins, coordenador de cursos na área automotiva da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que o crescimento da venda de veículos elétricos e eletrificados no país está ligado à maior oferta de modelos híbridos e agressividade de marcas chinesas:
— Você vê um fortalecimento da posição de fabricantes chinesas que possuem exatamente veículos com muita tecnologia embarcada e a preços extremamente competitivos, ou seja, atinge aquela parcela de mercado e de consumidores que efetivamente têm um interesse em evoluir na descarbonização de seus meios de locomoção.
Efeito Trump
Em um dos seus primeiros atos na segunda passagem pela Casa Branca, Donald Trump decidiu barrar incentivos ao avanço dos carros elétricos nos Estados Unidos. Especialistas afirmam que ainda é cedo para cravar os efeitos globais dessa medida e o impacto no mercado brasileiro.
Ricardo Bastos, presidente da ABVE, afirmou, por meio de nota, que o impacto será sentido se houver realmente um fechamento do mercado americano, mas destaca que ainda é necessário entender como isso vai acontecer.
No caso do Brasil, a postura americana também pode ter viés positivo, com a possibilidade de o país receber ainda mais investimentos vindos da China, que é o grande oponente de Trump, segundo Bastos:
“Então, quando analisamos globalmente, esse fechamento tem um impacto muito grande, porque o mercado americano é muito importante. Já do ponto de vista do Brasil, podemos ter também um impacto negativo nesse fechamento, claro, mas por outro lado o Brasil hoje já está sendo um grande polo de atração de investimentos chineses.”
Já o professor Antônio Jorge Martins entende que, neste primeiro momento, a medida de Trump não provoca grandes mudanças na indústria e no comércio do país. Isso porque a medida do republicano é mais interna, com impactos e desdobramentos mais fortes no terreno americano.
— É um tipo de incentivo que atinge diretamente o mercado americano. O que, de uma forma geral, pode alcançar outros países é o fato de que, sem a prioridade para veículos elétricos, notoriamente haverá espaço, principalmente para os fabricantes americanos, que estão atrasados em relação àquilo que existe de moderno, de atual e em termos de preço para o consumidor mundial.
Juro alto preocupa
O juro elevado preocupa a indústria automotiva em 2025 no Brasil. Após subir a taxa básica de juro para 12,25% ao ano em dezembro, o Banco Central sinalizou pelo menos mais dois aumentos de um ponto percentual na Selic no primeiro trimestre deste ano. Com juro alto, o crédito fica mais caro e restrito, tirando uma parcela dos consumidores do grupo apto a comprar veículos. Isso não é diferente no setor de eletrificados.
O presidente do Sincodiv-RS/Fenabrave, Jefferson Fürstenau, avalia que, além do juro, o fato de as vendas do setor elétrico começarem a ser comparadas com números maiores em um mercado que vem se consolidando também diminui o tamanho do avanço percentual:
— Tem uma tendência de desaceleração nesse crescimento. O mercado geral de automóveis de 2023 para 2024 cresceu 18,73% no Estado. De 2024 para 2025, não vai ser nesse proporção, mas vai ter um avanço de 5%. A base dos eletrificados era muito baixa. Agora ela já está começando a criar corpo. Então tu vai ter um crescimento? Sim. Vai ter um salto maior do que o mercado? Sim. Mas não vai ser na mesma velocidade.
Sobre o câmbio elevado, Fürstenau estima que o dólar pode não ter um efeito tão grande no volume de vendas, porque existe um estoque de veículos no país precificados com dólar mais baixo.
O professor Antônio Jorge Martins destaca que o protecionismo americano na gestão Trump também pode impactar a inflação do Brasil. Como a alta de preços dos produtos é um dos fatores que pressionam a Selic, ele ressalta o peso do juro no mercado automotivo:
— Possivelmente, vamos ter uma elevação da inflação. E com a elevação da inflação nós temos taxas de juros mais elevadas. Isso penaliza diretamente o mercado automotivo, que é muito sensível a taxas de financiamento.
Mesmo com essa série de desafios, é praticamente consenso entre analistas de mercado e especialistas que o setor deverá seguir avançando nas vendas em 2025, mesmo que em ritmo menor. Na reta final de 2024, setor apresentou avanço mais acelerado no Estado.
Em busca de economia e eficiência
Atuando como motorista de aplicativo em Porto Alegre e Região Metropolitana, Guilherme Schröder, 43 anos, está no grupo dos que optaram pelo veículo elétrico recentemente. Desde a metade de 2024, ele utiliza um BYD Dolphin GS após ser contemplado em um consórcio.
Antes de optar pelo modelo, Schröder pesquisou a opinião de usuários em grupos, buscando informações sobre autonomia e carregamento. Morando no centro de Porto Alegre, encontrou uma garagem que oferece o serviço de recarga. Com isso, ele costuma deixar o veículo pernoitando e carregando no local, pagando R$ 500 mensais pela vaga. Ele afirma que, além de aumentar o retorno financeiro no trabalho, o veículo também permite menos gastos no lazer:
— Eu posso me deslocar para Gramado, Canela, para o Litoral pagando muito pouco, porque é uma liberdade que o carro elétrico te dá. Essa questão é bem impactante na vida. Porque antes, para ir para São Leopoldo, na casa da minha mãe, eu calculava que ia dar 80 quilômetros para ir e voltar. E quanto isso dava de gasolina. Agora eu vou e volto sem esse pensamento. Então é bem revolucionário na questão da mobilidade.
Schröder destaca que essa eficiência é possível graças ao local onde mora e ao serviço de recarga próximo de casa. No caso de outras pessoas, que dependem de postos públicos, a rede ainda não é robusta o suficiente para garantir um maior aproveitamento de veículos elétricos.