Com ambiente de juro alto e consumo limitado ainda contaminando parte das atividades produtivas e de varejo, o setor de serviços segue puxando o avanço da economia gaúcha em 2023. No acumulado até julho, o setor manteve patamar de alta ante o mesmo período do ano passado. O comércio também segue no azul, mas com desaceleração mais acentuada e a indústria não consegue tração para sair do vermelho.
Os dados fazem parte das pesquisas mensais realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cenário ainda marcado pela retomada após o choque da pandemia, renda prejudicada e falta de apetite do mercado externo são alguns dos fatores que explicam esses movimentos distintos, segundo especialistas.
Ramo mais representativo dentro da economia brasileira, o setor de serviços soma alta de 7,2% nos sete primeiros meses de 2023 no Estado. O crescimento é maior na comparação com a média nacional. Mesmo com desaceleração no acumulado e queda de 0,6% em julho, o volume de serviços mantém o nível elevado observado ao longo do ano. A alta no agregado é puxada por segmentos como transporte e informação e comunicação.
A economista-chefe da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio-RS), Patrícia Palermo, afirma que o setor de serviços apresentou queda maior no Estado em 2020, primeiro ano de pandemia, do que a média do país. Isso pode indicar que as medidas de restrição à atividade em solo gaúcho foram mais intensas. Além disso, a estiagem severa que afetou o Rio Grande do Sul naquele ano também atingiu o transporte. Diante disso, a base de comparação do setor ficou menor, o que explica taxas de crescimento elevadas nos últimos anos e acima da média nacional.
— Hoje o que se observa no Brasil e no Rio Grande do Sul é uma desaceleração que mostra um setor ainda bastante resiliente, mas com taxas maiores aqui por essas questões ligadas aos efeitos da pandemia e da superestiagem de 2020, que afundaram as bases de comparação. Quando veio a recuperação, consequentemente, estabeleceu-se patamares de variação maiores.
O volume de vendas do comércio varejista também está no positivo em 2023 (1,3%), mas em nível ainda baixo e perdendo força no acumulado a cada mês que passa, apesar da alta de 2,1% em julho. A economista-chefe da Fecomércio-RS afirma que o setor segue andando de lado diante de âncoras que impedem a subida do consumo:
— A inflação elevada por muito tempo, as taxas de juros altas e a inadimplência que atingiu patamares relevantes acabaram reduzindo o impulso ao consumo que naturalmente seria dado por um mercado de trabalho potente como o que tivemos nos últimos dois anos, um aumento significativo de transferências de renda e de um cenário em que o crédito ainda se expandiu.
A indústria permanece amargando resultado negativo na soma do ano, com queda em 5,9% até julho. O desempenho ruim da produção é puxado por segmentos como o ligado ao petróleo e o de metalurgia, que tem peso importante dentro da economia do Estado. O economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Giovani Baggio, afirma que a indústria segue sofrendo com o juro alto, que aperta o crédito, e a incerteza elevada, que deixa os empresários inseguros na hora de investir. Além disso, a retração na economia internacional, com apetite menor de outros países, também afeta o setor no Estado.
— A indústria gaúcha é bastante voltada ao mercado externo. E a gente sabe que tem várias regiões no mundo que estão com muita dificuldade de crescimento. Isso também afeta as nossas exportações — avalia Baggio.
Agro
O IBGE não divulga pesquisa mensal no mesmo estilo na agropecuária. O órgão faz um balanço detalhado do setor, mas com períodos diferentes e dividido em dois ramos. Um é o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola, que trata da safra de grãos mensalmente. O outro é a pesquisa trimestral da pecuária. No entanto, produtos ligados ao agro entram nas pesquisas de serviços, comércio e indústria em outras etapas, como fabricação de alimentos, de máquinas e transporte.
Próximos meses
Maurício Weiss, professor do Programa de Mestrado Profissional de Economia (PPECO) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que a diferença entre esses três ramos da economia também está ligada ao efeito do juro e dos problemas de renda em cada um.
— O setor de serviços depende mais da renda e menos do juro, porque basicamente boa parte dessas atividades são realizadas à vista. Tanto a parte da inadimplência, quanto do encarecimento dos juros afetam bem menos esse setor.
Para os próximos meses, o professor estima manutenção no comportamento entre os setores. No caso específico da indústria, enxerga espaço para reação porque a base de comparação do segundo semestre é mais baixa, de acordo com Weiss.
O economista-chefe da Fiergs cita a demora no efeito da redução do juro, as incertezas fiscais, a manutenção do cenário externo mais restritivo e o estoque elevado da indústria como fatores que ainda seguram o desempenho na segunda metade do ano. Por outro lado, inflação mais baixa e emprego ainda resiliente são pontos que melhoram as condições para o setor.
A economista-chefe da Fecomércio-RS afirma que o setor de serviços seguirá desacelerando nos próximos meses diante de um processo de acomodação. Isso ocorre porque as taxas ficam menores “à medida que um novo nível de atividade passa a ser alcançado”. Já para o comércio, estima cenário diferente:
— A segunda metade do ano tende a ser mais positiva, com um apelo de vendas maior. Além disso, temos condicionantes de consumo melhores do que o ano passado, o que deve impulsionar vendas maiores do que o ano passado, mas nada extraordinário. Eu particularmente indicaria a todos os lojistas um otimismo cauteloso — pontua.