As negociações em torno do rotativo do cartão de crédito, a linha de financiamento mais cara do país, ganharam fôlego renovado nos últimos dias. O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, confirmou nesta quinta-feira (10) que a modalidade deve deixar de existir.
No Congresso, discute-se a possibilidade de tabelamento, caso o setor não se autorregule. Foi a senha para acelerar as conversas entre bancos, varejistas e os demais players da cadeia, que é complexa e interligada.
O ministro da Fazenda, Fernando Hadda, também pressiona por uma solução rápida, em no máximo 90 dias, para o que classifica como "o maior problema de juro do país".
Saiba o que vem sendo discutido sobre o crédito rotativo:
O que é crédito rotativo
O rotativo do cartão é um tipo de crédito oferecido ao consumidor quando ele não faz o pagamento total da fatura até o vencimento. O exemplo mais conhecido é o pagamento do valor mínimo da fatura, mas isso vale para a quitação de qualquer quantia menor do que o valor integral. Trata-se, portanto, de um crédito emergencial, mas que experimentou um forte crescimento nos últimos anos.
Os juros médios estão em 437% ao ano, mas instituições chegam a cobrar quase 1.000%, segundo ranking do BC. Nesse cenário, a inadimplência alcançou o recorde de 53% em maio — fazendo com que a modalidade voltasse ao centro das críticas dos políticos.
Imposição de um limite
O deputado Alencar Santana (PT-SP), relator do projeto que vai receber o conteúdo do Desenrola (programa de renegociação de dívidas do governo federal, enviado originalmente como Medida Provisória), disse que vai propor, no seu parecer, um prazo para a autorregulamentação do segmento.
Se isso não acontecer, o texto vai propor que o juro do rotativo, hoje em 437% ao ano, seja limitado ao mesmo patamar do cheque especial, que tem taxa anual máxima de 151,8% (o equivalente a 8% ao mês). Santana também trabalha com um prazo de 90 dias, a contar da futura publicação da lei.
O parlamentar afirmou que fazer o Desenrola e não tratar do problema do cartão é o mesmo que não fazer nada.
— Você desenrola a pessoa para ela se enrolar de novo — disse.
As instituições financeiras, porém, rechaçam a possibilidade de tabelamento e querem uma "transição sem rupturas". A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) destaca que "soluções simplistas ou artificialidades só agravariam o problema".
A visão é corroborada pela Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs).
— Se o juro for, hipoteticamente, para 1%, e o risco do cliente for acima dessa taxa, o emissor vai cortar o crédito dessa pessoa, já que ninguém é obrigado a trabalhar em prejuízo — explica Ricardo Vieira, vice-presidente da entidade.
Restringir o uso do rotativo
Outra possibilidade na mesa é limitar o tempo de permanência do consumidor no rotativo, hoje fixado em 30 dias. Ou seja: quando o cliente não paga a totalidade da fatura, ele pode ficar até o vencimento da próxima conta nessa modalidade emergencial. Depois, a instituição financeira deve oferecer uma opção de crédito com juros mais acessíveis para que o valor seja refinanciado.
Essa regra foi estabelecida em 2017, por meio de uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão que hoje é formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do Banco Central. A ideia, portanto, seria restringir esse período de tempo. Fonte da equipe econômica afirmou que a medida ajuda, mas não resolve o problema.
Limitar o parcelado sem juros
As instituições financeiras alegam que a construção de uma saída para o rotativo passa por algum tipo de restrição às compras parceladas sem juros. Elas são consideradas uma "jabuticaba" do mercado de crédito brasileiro — uma modalidade que só existe por aqui.
A prática ocupou o espaço do cheque pré-datado e hoje é um dos motores do varejo, que é resistente a mudanças. Trata-se, porém, de um benefício cruzado.
— A pessoa que cair no rotativo vai pagar pela suposta venda sem juros. É uma propaganda enganosa — explica a coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim.
Nesse cenário, chegou-se a discutir a possibilidade de se impor um limite ao número de parcelas, que poderia variar de acordo com o segmento varejista, mas há forte resistência por parte do comércio.
O presidente do Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV), Jorge Gonçalves Filho, afirma que a redução do parcelado sem juros só será possível se houver uma migração para o parcelado com juros, mas desde que haja taxas mais acessíveis.
— Se o comerciante tiver condições de oferecer um parcelamento com taxas mais baixas, que caibam no bolso do consumidor, tudo bem — disse o empresário.
Além disso, o segmento exige a redução das cobranças aos lojistas — aquelas que são devidas aos diversos elos da cadeia dos cartões: emissores, bandeiras e adquirentes.
Calibrar a cobrança aos lojistas
Essas cobranças também estão no centro de outra negociação: a possibilidade de se alterar as taxas de intercâmbio — as quais as emissoras de cartão cobram dos lojistas pelo uso do meio de pagamento. Essas taxas fazem parte da MDR.
A ideia seria cobrar taxas mais elevadas em financiamentos mais longos, mas, de acordo com fontes, há resistências dentro do BC. Hoje, não há limite para essa taxa no crédito, o que faz com que os bancos cobrem porcentuais considerados elevados.