O Estado obteve nesta sexta-feira (28) o aval da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) para ingressar no Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Agora, o Rio Grande do Sul terá prazo de seis meses para apresentar um plano de reestruturação das finanças com validade de nove anos. A expectativa, entretanto, é de que a homologação aconteça nos próximos 90 dias.
Por isso, a primeira reunião entre as equipes técnicas estaduais e do Tesouro acontece já na segunda-feira (31). O objetivo é definir um cronograma de entregas de documentos, nesta que é a última fase do processo de adesão ao RRF, antes da assinatura do presidente da República.
É esse planejamento que irá nortear as finanças públicas gaúchas daqui para frente, com previsões de superávit primário e controle de gastos a serem seguidos pelos próximos nove exercícios fiscais. A meta, com isso, é garantir que, ao final do prazo, o Rio Grande do Sul esteja com as contas em dia para retomar o pagamento integral das parcelas da dívida com a União, suspenso pela justiça desde 2017.
O montante já soma R$ 70 bilhões. Do total, R$ 14,5 bilhões são relativos ao saldo não pago ao longo dos meses de vigência da liminar judicial que bloqueou os pagamentos das parcelas à União. Esse valor também poderá ser refinanciado por 30 anos depois de concluído o ingresso do Estado no RRF.
Em entrevista à Rádio Gaúcha, o governador Eduardo Leite, disse que a notícia, publicada no Diário Oficial desta sexta-feira (28), confirma que o governo apresentou soluções para as dívidas de curto prazo. Por outro lado, o histórico débito com a União permanece em aberto.
— Quitamos dívidas com fornecedores, prestadores de serviços, da área da saúde com os municípios e os salários estão em dia. Mas o Estado tem ainda uma questão estrutural que é a dívida com a União, que precisa ser solucionada e que está sendo encaminhada a partir do RRF", declarou.
Na prática, neste momento, o Rio Grande do Sul precisa validar as medidas consideradas obrigatórias pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Além disso, é necessário submeter o planejamento interno a uma avaliação técnica. Ao todo, a lei federal do RRF gera 15 impedimentos para a gestão fiscal do Estado (leia mais detalhes abaixo) .
Por essa razão, entram em vigor já a partir de hoje, todas as vedações previstas em lei, entre elas, as de gastos com pessoal, lançamento de editais para concurso público que não seja para reposição de cargos, alteração de alíquotas ou bases de cálculo de tributos e concessão de reajustes à servidores estaduais – a última é também uma das exigências mais polêmicas do ajuste. De acordo com o secretário da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, entretanto, esse tipo de despesas correntes poderá, sim, ser realizada após a homologação do RRF. Para isso, é preciso que estejam descritas no plano, cuja apresentação está prevista para o mês de maio.
Contraponto
A adesão gaúcha foi encaminhada em 29 de dezembro, após anos de negociação com a União, da aprovação pela Assembleia Legislativa (AL-RS) das leis necessárias para adequação às mudanças na lei federal e de dezenas de estudos técnicos elaborados. No pedido, o Estado comprovou cumprir os requisitos de habilitação, mas ainda há muita discórdia sobre a pauta.
Integrante da comissão de acompanhamento da adesão na AL-RS, a deputada Juliana Brizola (PDT) afirma que o regime de recuperação fiscal (RRF) foi a obstinação dos últimos governadores. Ela acrescenta que a equalização já foi feita com o que considera a entrega do patrimônio público e a retirada de direitos dos servidores.
— Se todo esse esforço fosse em nome de alavancar o investimento público para o Estado, mas é exatamente ao contrário. Com o teto de gastos aprovado na Assembleia Legislativa, o governo trancou o investimento público por uma década. Tudo em nome da suposta saúde financeira, mas não há desenvolvimento com geração de emprego sem investimento público — argumenta.
Para a Juliana, as vedações previstas pelo regime trazem efeitos imediatos. E cita como exemplo a Brigada Militar, que possui um efetivo abaixo da meta na comparação com outros Estados e, no atual cenário, além dos salários, a quantidade de policiais também tende a continuar defasada, segundo ela, em razão das restrições aos investimentos públicos.
Crítico da proposta, o deputado Luiz Fernando Mainardi (PT), por sua vez, desafia o governo a apresentar um benefício ao Rio Grande do Sul, que não envolva o pagamento da dívida com a União. De acordo com o parlamentar, estudos do próprio Tribunal de Contas do Estado (TCE), apontam que o débito com o governo Federal, já renegociado em outras oportunidades, está integralmente quitado.
— O futuro dirá o tamanho do erro que está sendo cometido. Com essa adesão aceitamos as condições impostas pela União, que não trazem nenhum benefício aos gaúchos, e subjugam a forma como o RS poderá conduzir a sua gestão pelos próximos anos. É uma irresponsabilidade deste governo que foi o único que não pagou parcelas da dívida. E, quando voltarmos a pagá-la, será mais uma vez impagável. Tudo isso às custas de um desmantelamento dos serviços públicos, da educação, da saúde e da segurança — contrapõe.
O secretário da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso destaca que o Rio Grande do Sul trabalha nos pressupostos do ajuste das contas há muito tempo. No ano passado, cita que, quando participou de todas as reuniões da comissão da Assembleia Legislativa que tratou do RRF, sempre apontou que as medidas implementadas eram integralmente aderentes ao regime e que, por isso, deveriam facilitar e agilizar os trâmites até a homologação.
O que é o Regime de Recuperação Fiscal
- É um programa de ajuste para Estados em situação de desequilíbrio financeiro
- Permite flexibilizar regras fiscais durante a vigência do regime (nove anos), a concessão de empréstimos para fins específicos (voltados à reestruturação das contas) e a suspensão do pagamento de dívidas.
- Em contrapartida, o Estado deve adotar medidas e reformas institucionais para garantir que o equilíbrio fiscal seja restaurado.
O que o RRF concede ao Estado:
- Retomada gradual dos pagamentos da dívida com a União, suspensos desde agosto de 2017 por liminar.
- Inclusão de dívidas com terceiros (BNDES, BIRD, BB e BID) garantidas pela União no mesmo cronograma gradual de pagamentos.
- Refinanciamento em 30 anos com encargos dos valores suspensos pela liminar do STF, com R$ 14,5 bilhões em aberto até dezembro de 2021.
- Possibilidade de contratação de operações de crédito com garantia da União para renegociação de outros passivos do Estado, que deverá ser direcionada para um plano de quitação de precatórios junto ao BID.
- Neste aspecto, o governador Eduardo Leite anunciou que o Estado pretende solicitar operação de crédito de até R$ 3 bilhões com garantia da União para a elaboração de um plano de quitação do estoque de R$ 16 bilhões em precatórios até 2029, o que deve ocorrer após a homologação do plano.
Quais foram as contrapartidas exigidas:
O que o Estado não pode fazer
- Concessão de reajustes a servidores e empregados públicos e militares (com exceção da revisão anual assegurada pela Constituição Federal e de casos envolvendo sentença judicial).
- Criação de cargo, emprego ou função e alteração de carreira que impliquem aumento de despesa.
- Admissão ou contratação de pessoal, com exceção de reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e de contratos temporários.
- Realização de concurso público que não seja para reposição de quadros.
- Criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza a servidores e empregados públicos e de militares.
- Criação de despesa obrigatória de caráter continuado.
- Adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória.
- Concessão, prorrogação, renovação ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.
- Empenho ou contratação de despesas com publicidade e propaganda, exceto para as áreas de saúde, segurança, educação e outras de demonstrada utilidade pública.
- Alteração de alíquotas ou bases de cálculo de tributos que implique redução da arrecadação.
O que muda com a adesão:
- O plano apresenta projeções de receitas e despesas ao longo dos nove exercícios futuros, com metas de superávit primário e de controle dos restos a pagar. O objetivo é garantir espaço fiscal para aumentar gradualmente o pagamento das dívidas do regime sem acumular outros passivos.
- A lei federal do RRF restringe aumentos de despesas de pessoal, com exceção das sentenças judiciais transitada em julgado e do reajuste geral previsto no artigo 37 da Constituição Federal e outras de caráter continuado.
- O RRF também impede a concessão de incentivos fiscais que não estejam cobertos no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
- Para serem praticadas, essas restrições precisam de previsão no plano homologado. Até que isso ocorra, ficam bloqueadas em todos os poderes e órgãos autônomos entre a adesão (dia 28 de janeiro) e a homologação final do plano (prevista para maio).
Próximos passos:
- Negociação formal do plano de recuperação fiscal, a partir da adesão. A primeira reunião entre os técnicos acontece na segunda-feira (31)
- Homologação final do plano de recuperação fiscal pelo presidente da República, após o encaminhamento favorável do Ministério da Economia, com previsão de 90 dias.